Verão de Cinzas
"Você era a líder, Eve. Mas foi a única que não viu o fim se aproximando. – R."
As palavras ainda queimavam na tela do celular de Evelyn como se tivessem sido escritas em fogo. A sala antiga dos Penhascos estava envolta em silêncio, pesado como neblina. Nenhum deles conseguia fingir que aquilo era só mais uma coincidência.
A mensagem havia sido enviada para todos. E vinha assinada com uma única letra: R.
Sentados num velho sofá afundado, eles encaravam a escuridão da sala, como se esperassem que Savannah entrasse a qualquer momento pela porta da frente. Mas ela não viria. Não naquela noite. E talvez nunca mais.
— Isso tem que ser uma brincadeira — Cassie disse por fim, quebrando o silêncio. — Algum maluco que descobriu nossos números e resolveu brincar de psicopata.
— Mas por quê? — Mila perguntou. Sua voz saiu trêmula, e ela apertava o próprio celular como se ele fosse escorregar de suas mãos. — Quem mais saberia dessas coisas?
— Ninguém — disse Evelyn, firme. — A não ser que…
Ela parou. Seus olhos vagaram até Rafael Navarro, o único ali que não reagira. Sentado na ponta do sofá, de capuz e mãos cruzadas, ele encarava o chão, os olhos escondidos pelas sombras do gorro.
— Vai dizer que não tá surpreso? — perguntou Jules, se inclinando para frente. — Você recebeu a mensagem também?
Rafe olhou para ele devagar.
— Recebi.
— E não vai dizer nada?
— O que vocês querem que eu diga?
— Talvez que você não é o tal “R.”, seria um bom começo! — explodiu Cassie, levantando-se.
— Por que eu seria “R.”?
— Você vive escondendo o que faz no computador! Vive mexendo em coisas que ninguém entende!
Rafe ergueu uma sobrancelha.
— E você vive gritando como se isso te deixasse mais certa.
— Gente, calma! — Evelyn interveio, firme. — Isso não é hora pra guerra civil.
Cassie bufou e sentou de volta, cruzando os braços. Rafe voltou a olhar para o chão, como se estivesse tão desconectado quanto sempre.
Jules se levantou, andou até a parede. Olhou para o símbolo manchado de vermelho — o R escrito de forma grotesca, como se alguém tivesse passado os dedos sujos de sangue ou tinta espessa. Ele se aproximou e passou o dedo por cima.
— É tinta. Ainda fresca.
— Então foi hoje — sussurrou Mila.
— Ou alguém sabia que voltaríamos hoje — disse Evelyn, engolindo seco.
Cassie se inclinou.
— Quem teria acesso ao grupo? Quem sabia do nosso pacto?
Ninguém respondeu.
Jules se virou.
— Talvez devêssemos sair daqui. Isso tudo tá dando errado.
— E deixar a pessoa vencer? — retrucou Evelyn. — Foi isso que fizemos ano passado. Fingimos que tava tudo bem. Fugimos. Deixamos Savannah virar estatística. Não de novo.
Mila se encolheu. Seus olhos encheram de lágrimas.
— Eu não fugi. Eu chorei por ela todos os dias.
— Eu também — disse Jules, num tom mais suave.
— Então vamos fazer algo agora — Evelyn insistiu. — Precisamos rever tudo. Juntos. Detalhe por detalhe. Aquela noite. O que cada um viu. O que sentiu. O que não contou.
Cassie bufou.
— Você fala como se fosse uma detetive.
— E se for isso que eu quiser ser?
Um silêncio constrangedor pairou por um momento.
— Começa então — disse Jules. — Já que é a líder. Conta o que você viu naquela noite.
—
🌫️ FLASHBACK — Um ano antes
Evelyn estava do lado de fora da casa dos Penhascos, encostada no parapeito do deck, observando a festa. Luzes de fada balançavam ao vento. Músicas ecoavam. Gritos e risadas se misturavam com o som distante das ondas. E no centro de tudo... Savannah Moreau.
Ela era perfeita. Vestido azul, cabelos soltos, olhos brilhando com algo que Evelyn não conseguia decifrar. Algo entre euforia e tristeza.
— Ela vai estourar a qualquer momento — disse Jules, surgindo ao seu lado.
— Ela tá fingindo. Como sempre.
— Talvez a gente devesse fingir junto.
Evelyn suspirou.
— Eu sinto que vai acontecer alguma coisa.
Jules a olhou. Pela primeira vez naquela noite, ele pareceu sério.
— Tipo o quê?
Ela demorou para responder.
— Tipo o fim.
—
🕰️ De volta ao presente
Evelyn encarava o vazio, como se ainda estivesse naquele deck, olhando Savannah dançar.
— Eu senti. Senti que ela ia desaparecer. Que algo ia dar errado. Mas não fiz nada.
— Você não podia saber — disse Mila, gentil.
— Mas eu sabia — Evelyn respondeu, sem encará-la. — Eu só não queria aceitar.
Jules coçou a nuca.
— Tudo bem… minha vez, né?
Ele andou até a lareira apagada, se encostou no canto. Parecia prestes a contar uma piada — mas dessa vez, não havia piada.
— Eu briguei com a Savannah naquela noite.
Todos se viraram.
— Você o quê? — Cassie perguntou.
— Ela me viu com… alguém. Ficou com raiva. Disse que eu era um traidor.
Evelyn franziu a testa.
— Com quem ela te viu?
Jules hesitou.
— Isso não importa agora.
— Claro que importa! — disse Cassie.
Mila ficou branca.
— Foi comigo.
O silêncio voltou a cair como um trovão.
— Eu... eu e Jules estávamos ficando — confessou Mila, quase em um sussurro. — Era segredo. Ninguém sabia. Só ela descobriu. E ficou arrasada.
— Porque ela era apaixonada por você — disse Evelyn, encarando Jules.
Jules ficou paralisado.
— Como é que é?
— Você não sabia? Ela me contou meses antes da festa.
Cassie se levantou.
— Isso tá virando uma novela. Todo mundo apaixonado, todo mundo traído.
— E você? — perguntou Evelyn, encarando Cassie.
— Eu o quê?
— Você brigou com ela também naquela noite. Foi vista saindo da casa gritando.
Cassie apertou os olhos.
— Sim. Porque ela invadiu meu quarto e leu meu diário.
— O que ela descobriu?
Cassie hesitou. Mordeu os lábios. Depois respondeu, com amargura:
— Que eu... eu amava alguém do grupo. E não era ela.
Rafe finalmente se levantou. Os olhos ainda baixos, mas agora com um brilho contido.
— Vocês perceberam?
— O quê? — Mila perguntou.
— As mensagens. O “R.”. Elas são personalizadas. Individualmente. É alguém com acesso a mais do que só rumores. Alguém entre nós.
Todos se entreolharam.
— Isso é uma acusação? — perguntou Cassie, de pé.
— É uma constatação — ele respondeu.
Evelyn deu um passo à frente. Os olhos firmes.
— Então vamos jogar o jogo. Do jeito certo, dessa vez. Vamos voltar atrás. Rastrear tudo. Entrevistar. Vasculhar. Desenterrar. Porque se o “R.” quer brincar… vai ter que encarar a verdade.
Ela encarou a parede.
A letra vermelha ainda escorria.
E pela primeira vez em um ano, alguém decidiu fazer alguma coisa.
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Atualizado até capítulo 37
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