— Confesso que tinha me esquecido disso. Mas quem seria essa
pessoa?
— Meu primo, Guilherme. Ele já se formou e está em busca de um
emprego. É muito responsável, detalhista e pontual. Eu expliquei a ele que
falaria com o senhor.
— Mas ele está ciente que iria apenas te cobrir? Porque não abro mão
de você, Flávia. A menos que queira sair daqui.
— Não, eu não quero. — Flávia sorriu. — E sim, ele está ciente. Seria
uma boa experiência para ele.
— Tudo bem. Marque com ele para vir aqui amanhã que quero
conhecê-lo e vamos combinar tudo. Vá ao seu exame tranquila.
— Obrigada.
Assim que Flávia saiu, voltei a minha atenção para Saulo e respirei
fundo.
— Começar o dia com sua mãe e seu irmão é castigo demais.
— Nem me fale. Agenda cheia hoje?
— Não muito, mas tenho uma reunião importante com aquele
fornecedor que veio de viagem só pra isso. Na verdade, é o compromisso
mais importante de hoje.
— Pra mim só falta revisar mais dois contratos. Já fiz o mais
importante que era a vídeoconferência, então estou pensando em ir mais
cedo pra casa, logo após o almoço.
— E o que pretende fazer lá?
— Ler um livro? — Saulo bufou e revirou os olhos. Ele detestava ler
os meus romances, um absurdo. Só tinha paciência pra ler se fosse algo
referente a sua profissão.
— Vou deixar você trabalhar e vou resolver minhas coisas.
— Ok.
Depois que meu amigo saiu, voltei para minha mesa e mergulhei nos
dois contratos que faltava revisar porque eram os maiores. Acabei, depois
de um tempo, me lembrando de Beatriz e resolvi ligar para minha irmã que
viajou após seu coquetel alguns dias atrás.
— Lembrou que tem irmã?
— Não seja dramática, minha bonequinha. Você também não me ligou após o seu coquetel e logo viajou.
— Já cheguei envolvida em desfiles. Só consegui te atender agora pois
parei para comer algo antes de mais uma sessão de fotos, mas saiba que
perguntei muito de você para o Saulo no coquetel. E ele me falou que você
anda muito desanimado para sair.
— Saulo fofoqueiro.
— Ele não é, apenas se preocupa como eu. A melhor coisa do mundo
foi você sair da casa da nossa mãe, mas fica sozinho demais naquele
apartamento, Caique.
— Não se preocupe comigo, estou bem e me alimentando direito. Só
ando preferindo ficar em casa e lendo alguns livros do que ficar aglomerado
com pessoas.
— Não mente pra mim, conheço a sua voz.
— Vai terminar de comer. Eu ainda estou aqui revisando um contrato.
Te amo.
— Eu também te amo, seu turrão.
Quando desliguei o telefone, peguei minha garrafa de água e ela estava
vazia. Olhei para a mesa que tinha outras garrafas de água e me lembrei do
meu mais novo funcionário. Me xinguei novamente por ter sido grosso com
ele.
Fui até lá e peguei outra garrafa, bebendo a água em seguida. Isso me
fez lembrar que estava na hora de ir ao banheiro antes que acontecesse
algum acidente.
Com o tempo aprendi, com ajuda médica, a saber os momentos exatos
do dia de esvaziar minha bexiga e intestino. Foi a maior vitória de todas. Eu
me sentia um lixo durante o tempo que usei fraldas.
No banheiro todo adaptado da minha sala, fiz minhas necessidades e
lavei as mãos para retornar ao trabalho. Ali em minha mesa, fiquei
pensando nas palavras de Saulo de que eu deveria sair e conhecer pessoas,
mas eu não queria.
Quando acordei do meu coma me lembrei de tudo que Natanael, que
na verdade se chamava João Miguel, tinha feito comigo. Eu jurei pra mim
mesmo que não queria mais ninguém na minha vida. Mas depois de muita
insistência de Saulo, quando eu já nem usava mais fraldas e tinha recobrado
alguma sensibilidade e ficava excitado, decidi me dar uma chance.
Não que eu fosse um homem cheio de casos quando podia ficar de pé, isso não acontecia muito. A verdade é que só tive duas pessoas enquanto meu pai estava vivo. Depois que ele morreu, caíram tantas
responsabilidades em minhas costas, que esqueci de mim totalmente.
Apenas quando conheci João Miguel que decidi ir em frente e me ferrei.
Mas eu era um homem que gostava de sexo e me lembro de que
quando vi que podia ter uma ereção, aquilo me animou e me iludi achando
que tudo podia ser como antes, apesar das circunstâncias. Só que não foi
assim.
Fui humilhado duas vezes, incompreendido e me senti um resto de
homem nas mãos de duas pessoas que tentei me relacionar. Não estava
apaixonado, mas achei que poderíamos curtir. Só que isso não aconteceu.
Tales não teve paciência quando viu que durante algumas transas eu
não conseguia manter minha ereção. Ele não tinha paciência para
preliminares, para me envolver o tanto que eu precisava e eu não o
condenava. Era difícil demais para quem não estava na mesma situação que
eu. Fiquei me sentindo um fardo e o liberei de mim. Só ficamos juntos por
três semanas.
Com Júlio foi pior, ele até tinha paciência, mas depois descobri que
apenas fingia, pois não ficava satisfeito. Tanto que me traiu na cara dura nos
três meses que tentamos ficar juntos. Um amigo dele me mandou uma foto
dele com outro cara, dizendo que não aguentava mais ver o amigo preso a
mim sendo que ele claramente não estava feliz. Ele terminou comigo por
mensagem, provavelmente aconselhado pelo amigo sincero.
Depois disso eu dei um basta e decidi não mais tentar. Quando a
necessidade batia na minha porta, eu mesmo tentava me aliviar. Gozar era
uma bagunça generalizada em meu interior. Parecia que um vulcão explodia
de dentro para fora, quando na verdade eu ejaculava bem pouco.
Meu coração acelerava, minha respiração desestabilizava e a pouca
sensibilidade conquistada me permitia sentir satisfação. Era uma mistura de
dor e prazer.
Os vídeos pornô eram uma distração, apesar de achar muitos sem graça e forçados, mas eram meu estímulo. Em conversas com minha
psicóloga e meus médicos, todos sempre falavam a mesma coisa, que quando uma parte da gente não funcionava bem ou realmente não funcionava, outras ganhavam proporções ainda maiores na percepção.
Eles sempre tentaram me explicar que penetração não era tudo, que existiam muitas outras formas de prazer. Que eu ia perceber que olhar, tocar com mãos, com a boca, língua, sentir cheiros, receber carinhos, ia chamar o
meu prazer. Que tudo isso em mim estaria triplicado por causa do meu
corpo que se adaptava a minha nova condição. Eu acreditei nisso? Nunca.
Sempre foi difícil para mim aceitar tudo. O que venho acreditando
desde o meu acidente, são detalhes do meu tratamento; coisas que pude ver
e sentir. Como a recobrada de alguma sensibilidade, mesmo que muito
pouca, mas que foi suficiente para me trazer um pouco de felicidade. Isso
sim eu acreditei, mesmo desejando que fosse muito mais. Mas daí me
falarem que mesmo deficiente eu poderia ter uma vida sexual satisfatória,
isso jamais acreditei. A prova foram as pessoas que me envolvi, onde não
fui homem suficiente e deu no que deu.
Juro que tentei ver vídeos explicando e só conseguia ficar mais
deprimido. A verdade foi que mesmo com toda luta, minha esperança foi se
esvaindo ano após ano e hoje me encontro do jeito que estou: vivo, mas
ancorado no sonho do meu pai, única coisa que ainda me faz abrir os olhos
todos os dias. Não vivo para mim de fato, essa é a verdade.
Suspiro e decido ir embora depois de todos esses pensamentos. Hoje
realmente eu não estava em um bom dia e já previa o que estava vindo pela
frente. Quando ficava assim mais emotivo, eu sabia que viriam dias mais
tensos, dias em que minha depressão ficava prestes a me engolir. Eu estava
sem paciência para as pessoas e acabava sendo ignorante sem sentir, como
tinha sido com Fernando mais cedo. Amanhã ainda tenho que conhecer o
primo da Flávia e precisava estar bem para mais um dia de trabalho.
Desligo meu computador e no momento em que estou guardando
alguns papéis em minha bolsa para levar para casa, ouço batidas em minha
porta e é Flávia novamente.
— Com licença, senhor Caique.
— Diga, Flávia.
— O Fernando quer falar com o senhor.
— Ok. Peça para ele entrar.
Vejo o rapaz entrar um pouco constrangido e já penso que minha mãe
ou irmão fizeram algo com ele novamente.
— O que aconteceu, Fernando? Mexeram com você de novo?
— Não, senhor Caique. Eu cometi um erro, me desculpe.
— O que foi?
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Atualizado até capítulo 122
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