— Desculpe, mas não acredito no amor de mãe dela. — Estava puto e esgotado. Tudo que vi de Branca Montenegro nesses três meses que Caique
ficou em coma, foram suas tentativas de colocar Matheus na Presidência e ela seguindo com a vida como se não tivesse um filho paraplégico em cima
de uma cama de hospital.
— Não vou contra seus pensamentos, sei bem a mãe que tenho. Mas vamos pensar no Caique. A Presidência é dele, as tentativas da minha mãe
foram frustradas e você vingou meu irmão contra aquela revista. Vamos focar agora nele, somente.
— Desculpe, estou cansado.
— Eu imagino, também estou. Preciso ver meu irmão bem e fora daqui. Ele não merecia isso, não merecia.
Estava de cabeça baixa quando o médico veio até nós. Até aquele momento nem Branca e nem Matheus haviam chegado. Dei graças a Deus e
prestei atenção no doutor.
— Ele chama por Saulo, é o senhor?
—Sim, eu mesmo. Sou o melhor amigo dele.
— Vamos entrar juntos. Conversarei com o paciente e será bom o senhor estar presente.
— E eu, doutor? Sou a irmã dele, Beatriz.
— Senhorita Beatriz, peço que aguarde. Como ele chamou pelo senhor Saulo, será melhor.
— Tudo bem, estarei aqui. Vai com calma, Saulo. — Olhei para Beatriz e concordei.
Meu coração estava na boca e minhas mãos tremiam.
— Senhor Saulo, nesses casos, não adianta tentar amenizar, ele precisa saber da verdade. Apenas vamos explicar tudo que ele precisa saber com
clareza e calma.
— Ele já desconfia?
— Deve estar desconfiando agora, antes ainda estava meio grogue.
Vamos passar naquela sala ali para fazer a higienização corretamente.
— Ok
Assim que entrei naquele quarto, Caique direcionou seus olhos até mim. Tive uma vontade enorme de chorar por ver seus olhos abertos e por
ver medo, confusão e tristeza neles.
Me aproximei devagar e cheguei ao seu lado na cama. Havia uma cadeira ali e eu me sentei. Seu olhar me seguiu em todos os meus
movimentos e agora ele me encarava.
— Oi — falei de forma baixa. — Como rezei para te ver acordado de novo.
— Não me esconde nada. Preciso saber de tudo, de toda verdade. — Sua voz estava extremamente rouca. Devia ser por causa dos tubos que
utilizou.
— Não vou esconder nada de você, jamais.
— Eu... — Sua voz embargou e meu coração apertou. — Eu não sinto... minhas pernas. O que houve com elas? O que houve comigo? Meus
braços, mãos, cabeça e tronco se mexem, mas minhas pernas não.
— Você se lembra do acidente, certo?
— Tenho alguns trechos na memória, mas me lembro do caminhão vindo em nossa direção. — Concordei com a cabeça e respirei fundo,
olhando para o médico que me autorizou com um leve balançar de cabeça a falar.
— Seu acidente foi um engavetamento causado pela queda de uma árvore naquele dia. Chovia muito e ela caiu em plena estrada não dando
chance a uma van que estava na frente de vocês e nem ao Fábio de frear a tempo. Vocês entraram na traseira dela e em seguida um caminhão esmagou
vocês. Isso fez com que o carro em que você estava virasse uma sanfona entre ele e a van.
— Jesus Cristo.
— Foi um milagre você sobreviver, Caique.
— E o Fábio?
— Ele não resistiu.
— Deus. — Caique fecha os olhos e vejo lágrimas descer por suas bochechas.
— Nem ele, nem o motorista da van e do caminhão. A polícia averiguou e depois de muita investigação, viram que o motorista do caminhão não estava bêbado, ele teve falha nos freios na hora exata e não
teve como evitar a batida, pois estava rápido e já próximo a vocês. A polícia concluiu que se os freios não tivessem falhado naquela hora, talvez tudo
fosse diferente.
— Fábio e ele devem ter morrido esmagados?
— Fábio, sim, mas o motorista atravessou o vidro do caminhão e foi jogado na rua. Estava sem cinto. Sua única infração.
— E eu...
— Você foi socorrido de helicóptero depois que te tiraram das ferragens e ficou em coma por três meses. — Caique tenta processar tudo e
leva as mãos à cabeça toda hora.
— Doutor, agora é com o senhor. Eu vou poder voltar a andar? — Vejo o médico se endireitar e engolir em seco antes de falar.
— Infelizmente não. — Segurei meu choro nessa hora. — Caique, você sofreu uma lesão torácica incompleta. E ela te fez perder os
movimentos e sensibilidade da lesão para baixo.
— Isso é paraplegia, certo? O que eu tenho? Se eu não movesse na parte de cima seria tetraplegia.
— Isso mesmo.
— Como assim incompleta? O que isso quer dizer?
— Incompleta quer dizer que parte das vias que passam por sua medula espinhal não foram afetadas por sua lesão.
— Isso parece ser bom, certo?
— O que você tem que ter ciência é que você fará tratamentos, fisioterapias e com o tempo, por ela ter sido incompleta e pelo seguimento
que foi atingido, você pode recobrar alguma sensibilidade. Com o tratamento é possível devido ao nível de sua lesão.
— Alguma? Só isso?
— Caique, a partir de agora, você tem que focar em você. Tudo que fizer, pode trazer consequências boas ou não.
— Como assim?
— A lesão está recente, em sua chamada fase aguda e agora você não sente nada. Mas com tratamentos adequados e sua força de vontade, você
pode vir a recobrar sensibilidade. Virão espasmos e tudo será a resposta do seu corpo e do seu esforço. Nessa fase inicial você fará uso de sondas e fraldas e até nisso os tratamentos podem ajudar, com o tempo, a você a voltar a controlar suas necessidades fisiológicas e se ver livre delas. Como sua lesão é incompleta, como te expliquei, ainda existem alguns mecanismos de segurança da medula preservados, então ainda há uma capacidade do sistema nervoso exercer algumas funções. Portanto, o tratamento e o comprometimento com ele são de suma importância para que você possa recobrar alguma sensibilidade e até movimentos abaixo de sua
cintura. Por isso que eu disse que as consequências podem ser boas ou não.
Só serão boas se você se comprometer.
— Mas andar...
— Não, isso infelizmente, não. Foque que, com os tratamentos adequados, você poderá recobrar sua independência com o tempo. Houve a
lesão, mas de forma incompleta, então você tem essa chance. Muitos às vezes não têm nem essa oportunidade.
Caique tapou o rosto e chorou copiosamente. Foi um choro extremamente sofrido. Olhei aflito para o médico, que com um sinal me mostrou que esse choro fazia parte. Ele agiu como alguém que vê muitas e muitas vezes essa mesma cena e sabe o quanto o paciente precisa desse momento.
Esperei ao lado do meu amigo em silêncio e o doutor também, enquanto fazia algumas anotações em sua prancheta. Quando Caique se
acalmou um pouco, me olhou com os olhos vermelhos e de forma triste para só depois se dirigir ao médico de novo. Este já tinha um olhar
carinhoso em sua direção.
— Desculpe, doutor, esqueci seu nome.
— Henrique.
— Doutor Henrique, esse tempo de comprometimento para essa tal
“independência” — Caique fez aspas com as mãos e o senti nervoso. —,são semanas ou meses?
— Meses e anos.
— Minha vida acabou.
— Não diga isso, Caique. Você sobreviveu a um acidente terrível! —Toquei seu braço.
— Pra quê? Pra ser um inválido? Pra ficar em cima de uma cama? Pra ter alguém limpando minha bunda e trocandominhas fraldas?
— Calma, Caique.
— Saulo, deixe-o. Esse rompante faz parte, eu o compreendo. Caique, eu entendo você, o que está sentindo.
— Desculpe, mas o senhor não entende nada. Tem suas duas pernas funcionando normalmente.
— Caique!! Não fale assim com o doutor, cara.
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Atualizado até capítulo 122
Comments
Valpi
Realmente é comum essa reação inicial, tem que ter uma equipe multidisciplinar para ajudar, o bom é que para quem tem bastante dinheiro é mais fácil, porém para o pobre é complicado. Mas ambos reagem e vida que segue.
2024-05-30
0
Keu Sorella
Tudo isso foi voltando do encontro com aquele imbecil que tentou destruir a imagem dele, tudo por causa daquele maldito.
2024-05-14
5
Erica Diniz
Que situação triste!😢
2024-05-15
0