Dias atuais Caique

— Obrigado, Flávia. Esses documentos precisam ser autenticados,

ok?

— Sim, senhor Caique. Pedirei que seja providenciado.

— Saulo já saiu da reunião?

— Saiu e disse que só ia pegar um café e vir aqui.

— Ok, obrigado.

Observei minha secretária sair da minha sala, fui até à mesa do café pegar um copo para mim. Assim que peguei, girei minha cadeira de rodas e fui até minha grande janela olhar a vista. Estava me sentindo cansado e estava louco que mais um dia passasse rápido.

Fechei meus olhos momentaneamente e respirei fundo. Depois olhei para minha mão e vi que tremia um pouco. Minha ansiedade estava a mil e o meu desânimo ganhando cada vez mais espaço dentro de mim.

Mês passado havia feito oito anos do meu acidente. Oito anos que eu

estava nesta cadeira de rodas. Muitas coisas mudaram ao longo desse

tempo, mas mesmo com algumas conquistas, dentro de mim a inércia havia

dominado.

Minha psicóloga tentava me tirar dessa depressão, mas nada era capaz

disso. Fui amofinando, mesmo conquistando, mesmo lutando. Meu interior

foi morrendo, dia após dia.

O que me segurava era esta empresa. Era o sonho do meu pai que eu

tomava conta e que ao longo desses anos eu só fiz prosperar cada vez mais,

consolidando o seu sucesso.

Ouço batidas na porta e logo Saulo entra com seu sorriso de sempre.

Esse cara é meu alicerce, o irmão que nem mesmo o meu próprio irmão de sangue nunca foi pra mim.  Esse tempo todo o seu apoio foi fundamental.

— Está tudo bem? — ele pergunta.

— Sim.

— Caique, mentindo pra mim?

— Não estou mentindo. Estou aqui olhando a vista, tomando um cafezinho e pensando. Louco para ir pra casa também.

— Mal começamos o dia, Caique. Você não vai no coquetel da sua irmã?

— Não.

— Caique, é a quarta festa em menos de dois meses que você não vai.

Eu tenho reparado você. Não vejo mais em seus olhos a esperança, a força que vi desde que você iniciou seu tratamento. Olha tudo que você conquistou, meu amigo!

— Eu sei das minhas conquistas e agradeço a Deus por isso. Mas sou eu, Saulo. Eu não quero. Me sinto bem em meu apartamento.

— Você fica muito sozinho nele. Mesmo que tenha sido infinitamente melhor sair da casa de sua mãe, eu tenho medo de você sozinho.

— Medo de que?

— Medo de você e da sua cabeça. Não vou mentir.

— Tem medo de que eu faça alguma besteira?

— Tenho.

— Sou covarde demais pra isso, não se preocupe.

Saulo se aproxima e puxa uma cadeira para ficar na minha frente.

— Não tenho medo apenas de alguma besteira. O jeito que você já está me dá medo. Você não sai, é de casa para o trabalho e vice-versa. Mal te vejo sorrir. Quando isso acontece, é mecânico, por educação. Apenas comigo e Beatriz é mais natural. Está mais magro também. Você ficou bem mais forte com os exercícios na academia, mas até ela você parou. Você tem comido direito?

— Tenho. Quando não faço, peço em um restaurante. E quanto a academia, uma hora eu volto.

— Você precisava ter uma secretária em sua casa.

— Já tenho a que limpa para mim. Não quero outra pessoa lá dentro. É

meu canto, meu refúgio.

— Sabe, acho que você está precisando sair, conhecer alguém, se

divertir.

— Esquece isso, não quero me relacionar com ninguém.

— Não julgue as pessoas pelos dois idiotas que não souberam compreender você.

— É fácil dizer, mas ainda tenho na cabeça o olhar de pena de um deles quando não consegui a ereção e as mensagens que recebi mostrando

que o outro estava me traindo. Desculpa, posso até ir em todas as festas do mundo, só que outra pessoa em minha vida, eu não quero de forma alguma!

Estou farto, saturado e só quero viver em paz.

— Tudo bem, não irei insistir mais nesse assunto. — Passo as mãos pelo meu rosto exausto.

— O problema não é você, não são as pessoas, não é a empresa. Nem é esta cadeira que tem sido minha amiga e companheira, o problema sou eu.

Eu lutei, meu amigo, conquistei a minha independência como o doutor Henrique tanto disse pra mim quando acordei do coma. Tem quatro anos que não uso mais fraldas ou sondas. Tenho forças nos braços para locomover minha cadeira. Para mudar dela para minha cama ou sofá, para cozinhar. Sei tomar meu banho sozinho, recobrei alguma sensibilidade nas pernas. Às vezes tenho ereção, mesmo que ela não funcione sempre ou se sustente. E convivo melhor com as dores. Mas eu não aguento mais. Mesmo com tudo, eu não aguento mais. Sinto como se eu me esvaísse como fumaça um pouco a cada dia. É um conjunto de coisas na minha vida, não apenas o meu acidente, entende? E esse acúmulo me sufoca mais a cada dia.

— Não fale assim, Caique. Que tom é esse?

— O tom da minha realidade.

— Eu não quero você se entregando desta forma, você está me

ouvindo? Eu proíbo você! Cadê o cara que não se cansava nos exercícios?

Cadê o cara que chegou nesta empresa de cabeça erguida para comandar o

seu império novamente? Que peitou a mãe e decidiu morar sozinho?

— Era o cara que, no fundo, lá no fundo do coração, esperou por um

milagre. Mas o passar do tempo comprovou que esse milagre não existiria.

Como disse, sou grato a Deus por minhas conquistas, mas eu morro um

pouco a cada dia nesta cadeira e ainda mais passando tudo que eu passo

com minha família. Não importa o que você diga, o que a Patrícia, minha

psicóloga diga, os médicos, não importa. Meu coração está cansado.

Saulo se levantou e começou a andar pela sala nervoso. Odiava trazer

preocupação para ele. Odiei cada internação que já tive até hoje por

complicações, por infecções urinárias, por uma pneumonia que tive, dentre

outras coisas. Saulo sempre tinha um medo absurdo. Ele acabou tomando

aversão a hospitais e agora eu o preocupava novamente.

— Me desculpe por te deixar assim. Só decidi abrir meu coração para

você. Não quero te enganar. Não vou cometer nenhuma besteira, fica

tranquilo com relação a isso.

— Já está cometendo se entregando desta forma. Depressão mata,

Caique.

— Não tenho como evitar.

— Desde quando está desta forma? Eu já venho te reparando diferente,

mas não tenho noção de exatamente desde quando. Sempre te vi em

momentos mais cabisbaixo, mas depois você estava lá sorrindo,

conversando comigo e eu achava que era só fases como o doutor tinha dito.

Mas não era, não é mesmo? Você só disfarçava?

— Sempre foi assim, mas eu me apeguei na esperança. Só que com o

tempo não fui mais capaz de frear a tristeza que me dominava. De uns seis

meses pra cá está bem pior. Mas, olha, só preciso descansar na minha casa.

A manhã é um novo dia e estarei aqui. — Saulo olhou pra mim magoado.

— Não faça parecer banal o que você está sentindo só para me confortar. Sou seu amigo, porra! Mereço sempre a verdade.

— Por isso eu te disse.

— E agora tenta amenizar.

— Porque não há o que fazer.

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Anne Jay

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Estou amando ler essa estória

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Tete Medeiros

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