Notas de Amor em Silêncio

Notas de Amor em Silêncio

Ela sorri demais...

...Alina...

A voz do diretor cortou o silêncio da sala, enquanto eu ainda encarava o roteiro nas minhas mãos.

— Alina, você vai fazer o papel principal da nova série. E sua parceira será Celeste Ainsworth.

Fechei lentamente o roteiro, sem demonstrar reação. Minhas pernas cruzadas sobre o sofá de couro branco, a taça de vinho ainda pela metade na minha mão. Era uma sala luxuosa, como tudo o que envolvia meu nome. Mas o que realmente me incomodava não era o projeto. Era o nome.

Celeste Ainsworth.

— Ela tem… quantos anos? — perguntei, sem erguer os olhos. Minha voz saiu baixa, calma, mas carregada com a distância de sempre.

O diretor, Thomas — um velho amigo meu, e um dos poucos que ainda tinha coragem de ser sincero comigo — riu.

— Vinte e dois. E antes que diga qualquer coisa, ela é excelente. Voz boa, atua bem, tem carisma. E o público ama ela. O par ideal pra você.

Inalei fundo. Soltei o ar devagar. A mesma desculpa de sempre: “o público ama”. O público amava qualquer coisa que sorrisse com força suficiente.

— Eu não faço par romântico com gente que não sabe nem esconder o que sente. — murmurei, levando a taça à boca. — Isso não é química. É teatro infantil.

Thomas me olhou com aquele típico ar de quem já esperava resistência.

— Justamente por isso vocês vão funcionar. A série é sobre duas universitárias completamente diferentes que se apaixonam aos poucos. E ela já leu o roteiro. Disse que topa. Aliás… — ele abriu um sorriso torto — ...disse que estava animada pra te conhecer.

Revirei os olhos. Ótimo. Uma fã. A última coisa que eu precisava era de alguém que me olhasse como se eu fosse uma deusa inalcançável.

— Quando começamos? — perguntei, fria.

— Leitura de mesa, amanhã. E Alina… — ele me olhou sério por um momento — Tente não ser você mesma com ela logo de cara, sim?

Fiquei em silêncio. Não respondi. Apenas olhei pela janela do décimo quinto andar. As luzes da cidade de Paris refletiam nos vidros enquanto a noite se estendia lá fora. O mundo inteiro me admirava. E mesmo assim, aquela garota de cabelo rosa, com olhos que pareciam de vidro e sorriso grande demais… já estava me dando dor de cabeça.

"Celeste Ainsworth."

Se ela acha que vai arrancar algum sorriso meu… está mais perdida do que eu pensava.

---

Suspirei, impaciente. Eu estava lá há vinte minutos, adiantada — como sempre. Vestia preto da cabeça aos pés. Salto alto, sobretudo acinturado, luvas de couro. Nenhuma expressão no rosto. Nenhuma vontade de estar ali.

Thomas conversava com os produtores do outro lado da sala, quando a porta se abriu.

E ela entrou.

Celeste Ainsworth.

De longe, parecia saída de um comercial de perfume barato. Cabelos rosa claro balançando em ondas perfeitas, um vestido branco curto com detalhes florais, botas de salto baixo, e um sorriso…

Aquele sorriso.

Injustamente brilhante, como se o mundo fosse um lugar adorável de se viver.

— Bom dia! — ela disse, com a voz doce e animada demais para uma sala tão silenciosa. Seus olhos azuis varreram o ambiente até pararem em mim. — Ah… você é a Alina, né?

— Sou. — respondi, sem mover um músculo. Apenas a encarei.

Ela caminhou até mim, estendendo a mão como se fosse uma velha amiga. Eu hesitei por meio segundo, antes de tocar sua pele quente e suave com a ponta dos meus dedos enluvados. Ela não pareceu se incomodar com a frieza.

— É um prazer te conhecer! Eu sou super sua fã desde o filme Noir de Verre. Você estava perfeita.

Não reagi. Nem agradeci. Apenas me virei e puxei a cadeira ao meu lado. O recado estava dado: eu não estava ali para fazer amizades.

Mas ela sentou ao meu lado mesmo assim. E continuou sorrindo.

— Esse projeto vai ser divertido, né? Eu li o roteiro ontem à noite e já fiquei imaginando as cenas da nossa personagem juntas... tipo, aquela da biblioteca? Você leu?

— Leio apenas no dia da leitura. — cortei. Fria. Clara.

Ela deu uma risadinha leve, como se não soubesse o que fazer com o gelo que eu havia jogado entre nós.

— Então vai ser surpresa — disse, tentando manter o tom positivo.

Por que isso me incomodava tanto?

Antes que eu pudesse responder, Thomas chamou todos para sentarem. A equipe técnica, os roteiristas e o diretor da série estavam ao redor da mesa. Celeste sentou ao meu lado, seus braços esbarrando no meu, sem pedir desculpas. Naturalmente invasiva. Naturalmente doce.

Thomas começou a leitura. E quando chegou a hora de Celeste ler sua primeira fala, algo aconteceu.

Ela virou para mim. Me olhou. E disse com a voz mais firme e sincera que eu já tinha ouvido em um set:

> — “Você pode se esconder do mundo inteiro, mas eu vejo você, sabia? Mesmo por trás desse olhar… eu vejo você.”

E, pela primeira vez em muito tempo…

Eu perdi o controle do meu próprio coração.

---

A fala dela ainda ecoava dentro da minha mente.

> “Mesmo por trás desse olhar… eu vejo você.”

Era apenas atuação. Um roteiro, uma fala.

Mas, por um instante, não soou como atuação.

Ela tinha me encarado com aqueles olhos azuis como se realmente pudesse me ver — e aquilo me tirou do eixo.

Respirei fundo, recostando na cadeira enquanto os outros liam suas falas. Celeste estava ao meu lado, concentrada, os dedos deslizando pelas páginas do roteiro como se aquilo fosse um livro de conto de fadas. De vez em quando, sorria para alguma fala ou mexia os lábios enquanto lia em silêncio. Era como uma garota em seu mundo perfeito.

Inocente.

Ingênua.

E perigosamente doce.

“Esse tipo de gente é o primeiro a quebrar no meio do caminho”, pensei.

Mas então ela virou o rosto para mim, como se sentisse meus pensamentos.

— Você tá bem? — sussurrou, enquanto outra dupla lia suas falas.

— Estou — respondi, sem olhar. — Isso é trabalho, não é um encontro.

Ela riu de leve. Não se ofendeu.

Claro que não. Gente como ela não se ofende fácil.

— Claro — disse. — Mas se quiser transformar num encontro, eu também não reclamo.

Virei o rosto lentamente em sua direção.

Ela estava sorrindo. De novo. Aquele sorriso.

— Está tentando flertar comigo?

— Talvez. — ela piscou. — Ou talvez eu só goste de provocar você.

Provocar.

Ela sabia o que estava fazendo.

Voltei os olhos para o roteiro. Me concentrei na cena seguinte, onde nossas personagens trocavam uma discussão acalorada antes do primeiro toque de mãos. Irônico. As palavras no papel começavam a parecer mais reais do que eu gostaria de admitir.

E mesmo que fosse só atuação, meu corpo não parecia concordar com minha mente.

Algo nela me deixava inquieta.

E eu não gostava de me sentir inquieta.

---

Terminamos a leitura uma hora depois. Todos aplaudiram. O diretor elogiou nossa “química promissora”. Celeste se despediu de todos com abraços, tirou selfies com metade da equipe e ainda teve tempo de virar para mim antes de sair da sala:

— Alina… até amanhã, né? Mal posso esperar pra ensaiar aquela cena do terraço. — Ela sorriu. — A da quase-beijo.

— Espero que consiga fingir bem. — respondi, seca.

Ela deu de ombros.

— Com você do meu lado, nem vai ser tão difícil fingir…

E saiu.

Deixando para trás o cheiro do perfume floral e uma leve inquietação no ar.

Eu permaneci sentada, sozinha, por mais alguns minutos.

Na minha cabeça, repeti a fala dela da leitura.

> “Mesmo por trás desse olhar… eu vejo você.”

Não via.

Ela não via.

Não podia ver.

Porque ninguém nunca viu.

---

A noite caiu pesada sobre Paris, como um véu de veludo escuro cobrindo os telhados antigos da cidade. Eu estava de volta à minha mansão — silenciosa, fria, perfeitamente organizada como tudo na minha vida.

Retirei o sobretudo e o joguei sobre a poltrona de couro ao lado da lareira apagada. Subi as escadas lentamente, o som dos meus saltos ecoando pelo mármore, e fui direto para o estúdio do segundo andar. Minhas paredes de vidro refletiam a cidade abaixo, as luzes e sombras dançando sem parar.

Coloquei o roteiro sobre a mesa de vidro e comecei a ler. Episódio 2.

A cena principal: nossas personagens sozinhas num terraço da universidade, trocando provocações que culminavam em um quase-beijo — interrompido por um toque de celular.

Suspirei.

A clássica tensão romântica barata.

Mas… era bem escrita.

Infelizmente.

Fechei o roteiro por um momento. O silêncio da sala era absoluto, exceto pelo som do relógio antigo ao fundo. Eu deveria dormir. Deveria ignorar.

Mas meus dedos foram sozinhos até o notebook.

Digitando algo que eu mesma hesitei em ver.

"Celeste Ainsworth"

Enter.

Milhares de resultados.

Fotos. Shows. Premiações. Entrevistas.

A primeira imagem era de um evento recente em Los Angeles — Celeste com um vestido azul claro, sorriso enorme no rosto, acenando para os fãs. Ao lado dela, um homem. Cantor. Famoso. Namorado? Nenhuma legenda confirmava.

Cliquei no vídeo de uma entrevista.

> “Celeste, como foi ser indicada ao Grammy?”

— “Um sonho! Eu chorei nos bastidores e depois comi três cupcakes de nervoso.”

Cliquei em outra.

> “Você está namorando alguém?”

— “Haha, essa pergunta é sempre a primeira, né? Mas... não, no momento estou solteira.”

Solteira. Ótimo.

Não que isso importasse.

Continuei assistindo.

Em todas as entrevistas, ela era a mesma: alegre, autêntica, transparente.

Não usava máscaras. Não media palavras. Não jogava o jogo.

Era exatamente o oposto de mim.

E talvez… fosse isso que me irritava tanto.

Fechei o notebook com força. Me levantei, fui até a estante e peguei uma taça de vinho. Olhei para o reflexo do meu rosto na janela.

Olhos pretos, sem brilho. Cabelos brancos perfeitamente alinhados. Imóvel.

Ela disse que “via” através do meu olhar.

Que bobagem.

As pessoas só enxergam o que querem ver.

E se ela insistisse em olhar demais… acabaria se cortando.

Mesmo assim...

Lá estava eu, de volta à cadeira.

Abrindo o roteiro.

E relendo a cena do quase-beijo pela terceira vez.

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