Noite de Excesso

...Alina...

O restaurante reservado era moderno, discreto, caro. Iluminação baixa, música ambiente suave, garçons invisíveis. Exatamente como eu gostava.

Não deveria ter vindo.

Mas mesmo enquanto pensava isso, lá estava eu. De salto, vestido preto justo, casaco leve e expressão vazia. Uma obra de escultura ambulante. Intocável.

Fui a última a chegar. Claro.

A mesa era longa, com cerca de dez pessoas — o diretor, roteiristas, produtores e... ela.

Celeste.

Sentei no canto oposto ao dela, em silêncio. Não porque eu precisava, mas porque precisava.

Distância era sempre o melhor escudo.

Ela notou minha chegada e sorriu. Um aceno curto, gentil.

Mas não veio até mim. Não dessa vez.

Durante a primeira hora, falaram de tudo: da cena de hoje, das expectativas da série, de outros projetos. Eu mal falei. Observei. Como sempre.

E Celeste?

Ela iluminava tudo. Falava com todos. Ria alto. Tocava nos ombros das pessoas com familiaridade.

E, vez ou outra… me olhava.

Como se estivesse esperando algo de mim.

O vinho chegou. Eu bebi. Um pouco mais do que deveria.

Talvez por isso, quando o diretor sugeriu que nos misturássemos para conversar melhor, eu não recusei quando ela veio até mim com um sorriso provocador e um copo na mão.

— Uau. Você em um jantar com pessoas. Um evento raro. Posso fazer um desejo?

— Já fez vários. — respondi. — Tá na hora de parar antes que se frustre.

Ela riu. Aquela risada. Alta. Verdadeira.

— Você sempre foi assim com todo mundo?

— Não.

— Então só comigo.

— Provavelmente.

Ela mordeu o lábio inferior, pensativa.

— Gosto disso.

Arqueei a sobrancelha.

— De ser tratada com frieza?

— De saber que você só se incomoda comigo.

— Não me incomoda. — menti.

— Mente mal. — ela sorriu. — Seus olhos gritam.

Revirei os olhos, me virando para olhar a taça. Mas ela se aproximou um pouco mais. Havia pessoas rindo ao fundo, copos brindando, o perfume do vinho misturado ao perfume dela.

> Flor de laranjeira. De novo.

— Você se protege tanto, Alina... que dá vontade de entrar só pra ver o que tem aí dentro. — disse ela, num tom baixo, quase íntimo. — E eu juro que, se você deixar, não vou bagunçar nada.

Por um segundo… eu quis.

Quis abrir a porta.

Quis deixá-la entrar.

Quis beijar ela ali mesmo.

Mas…

— Não quero ninguém aqui dentro. — disse. — E principalmente não você.

Ela me olhou. Longo. E sorriu — como quem ouve um “sim” disfarçado de “não”.

— Isso é uma pena. Eu seria gentil.

Virou-se e saiu para conversar com outra pessoa.

Fiquei ali, com o vinho na mão… e com o gosto de algo que eu ainda não tinha provado, mas já sentia falta.

---

Levantei antes da sobremesa.

Não havia motivo para ficar. As risadas já estavam altas demais, e as palavras da Celeste ainda ecoavam nos meus ouvidos.

“Se você deixar, não vou bagunçar nada.”

Tão ingênua. Tão doce.

Como se o caos já não tivesse começado só com a presença dela.

Peguei meu casaco, avisei o diretor com um gesto leve e saí. O vento da noite bateu em meu rosto como uma resposta direta ao calor daquele salão.

Respirei fundo.

Estava quase chegando no carro quando ouvi passos apressados atrás de mim.

— Alina! Espera…!

Fechei os olhos.

Claro. Ela não deixaria barato.

— Eu disse que não gosto de ser seguida. — murmurei, virando devagar.

Celeste estava ali, com o casaco mal fechado, cabelos levemente bagunçados pelo vento, ofegante por ter corrido atrás de mim.

— Eu sei. Mas mesmo assim, eu vim.

— Por quê?

Ela hesitou um instante. Depois se aproximou.

— Porque eu não quero que essa noite termine assim. Você… se fechando. Fingindo que nada aconteceu.

— Nada aconteceu. — cortei.

— Alina… eu te encostei hoje. Olhei nos seus olhos. Senti você tremer.

— Eu não tremo. — afirmei. Fria. Como sempre.

Ela sorriu. Mas não com deboche. Era um sorriso pequeno, quase triste.

— E mesmo agora… com essa sua frieza toda… eu ainda estou aqui.

Silêncio.

Por que ela não desistia?

Por que continuava batendo em uma porta que eu nunca deixei aberta?

— Você devia parar. — disse. — Eu não sou o tipo de pessoa que alguém como você quer por perto.

— Como você sabe?

— Porque eu sei o que tem aqui dentro. — toquei o próprio peito. — E não é bonito.

Celeste deu mais um passo. Estava agora bem perto. Perto demais.

— Eu também tenho bagunça dentro de mim, Alina. Só escolho sorrir pra não sufocar.

— Mas eu… não sorrio.

— Ainda. — ela disse. — Mas vai. Eu sei que vai.

Ela estendeu a mão. Não para tocar. Só... ofereceu.

Uma conexão.

Um gesto simples, delicado.

Eu podia recusar.

Podia virar as costas, como fiz tantas vezes antes.

Mas, por algum motivo que nem eu soube explicar...

Eu segurei.

A mão dela era quente.

Viva.

Real.

E mesmo que tenha durado só cinco segundos… aquele toque me desmontou mais do que qualquer fala.

Celeste sorriu, apertando levemente minha mão antes de soltar.

— Boa noite, Alina.

— Boa noite, Celeste. — murmurei, quase num sussurro.

Ela se virou e voltou andando devagar.

Fiquei ali parada. Sentindo a mão ainda quente.

Sentindo algo que… não doía.

Talvez, pela primeira vez em muito tempo.

---

O sol atravessava as enormes janelas da minha mansão.

Estava tudo em silêncio. Do jeito que eu sempre gostei.

Mas, naquele dia, a calma me incomodava.

Segurava o roteiro na mão.

Relia a mesma página pela terceira vez.

> Cena 08 – Primeiro Beijo

Local: Quarto do dormitório

Personagens: Élise e Camille

Descrição:

Após confessarem o que sentem, Camille toma coragem e beija Élise.

É um beijo doce, hesitante, de descoberta.

Confessar. Coragem. Descoberta.

Tive vontade de rir.

Quem escreveu isso nunca me conheceu.

A campainha do celular vibrou com a notificação:

> Carro de produção a caminho. Saída em 15 minutos.

Fechei o roteiro e fui até o espelho.

O cabelo branco escorria pelos ombros, perfeitamente alinhado. A maquiagem estava sutil, mas afiada.

Meu rosto era o mesmo de sempre: impassível. Intimidador. Intocável.

Mas, por dentro?

Havia uma bagunça que nem eu conseguia nomear.

---

No set, tudo parecia igual.

Luzes. Cabos. Vozes. Cheiros de maquiagem e café requentado.

Até ela entrar.

Celeste.

Cabelos rosa claro soltos, olhos azuis brilhando mesmo às sete da manhã.

Ela usava o figurino da personagem: moletom largo, calça jeans clara e o mesmo sorriso gentil de sempre.

— Bom dia, Alina. — disse ela, sorrindo como se a noite passada não tivesse bagunçado meu mundo inteiro.

Assenti, seca.

— Dormiu bem?

— Dormi. — menti.

Ela riu. Não respondeu. Mas seu olhar ficou em mim por tempo demais. Como se ela soubesse.

O diretor chamou:

— Vamos, senhoritas. Câmera posicionada. Luz ajustada. Essa é grande.

Celeste se aproximou antes de entrarmos no quarto de gravação.

— Nervosa? — ela sussurrou.

— Eu nunca fico nervosa. — respondi.

— Então é só comigo que sua mão treme? — ela provocou, com um sorrisinho atrevido.

Antes que eu pudesse responder, a câmera girou e a claquete bateu.

> “Cena 08, take 1… AÇÃO!”

A personagem dela se sentava na cama. A minha, ficava parada à porta.

O texto dizia:

> — “Por que você tá fugindo de mim?”

— “Porque você faz meu mundo girar e eu odeio perder o controle.”

— “Então deixa eu girar com você.”

Ela se levantou. Deu três passos até mim. Parou tão perto que eu podia sentir a respiração dela.

Minhas falas saíram baixas. Mais sinceras do que deviam.

E então… ela tocou meu rosto.

Com uma leveza que não estava no roteiro.

Com um cuidado que não cabia em palavras.

E me beijou.

Foi um beijo real.

Não de cinema.

Um beijo suave, quase tímido, mas cheio de intenção.

Ela não estava interpretando.

E eu também não.

Quando o diretor gritou “Corta!”, o mundo voltou.

Mas nós ainda estávamos ali, tão perto que dava pra ouvir nossos corações.

Ela sorriu.

Eu desviei o olhar.

Mas algo estava claro naquele set inteiro:

Aquela cena… não era só uma cena.

---

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!