...Celeste ...
Eu estava jogada na cama do hotel com o cabelo todo bagunçado, as pernas pra cima, rindo sozinha enquanto assistia pela décima vez o vídeo do ensaio de hoje. Era só um trechinho — um assistente de produção tinha filmado a gente lendo aquela fala do terraço.
> “Você pode se esconder do mundo inteiro, mas eu vejo você, sabia?”
Na gravação, minha voz saía firme. Natural.
Mas o que me fazia sorrir era a reação da Alina.
Ela desviava o olhar. Por um segundo, só um, os olhos dela tremiam.
Como se… aquilo tivesse passado da atuação.
— A-ha. Te peguei. — murmurei, apertando o pause.
Me virei de lado, abraçando o travesseiro.
Alina Moreau.
Eu a conhecia como o mundo inteiro a conhecia: impecável, distante, poderosa. Uma muralha de gelo vestida de seda.
Mas hoje… ela me ouviu. Mesmo que negue, mesmo que fuja, ela ouviu minha voz de verdade.
E eu não conseguia parar de pensar nela.
Peguei o notebook. Digitei rápido:
"Alina V. Moreau – infância"
"Alina Moreau – entrevista sincera"
"Alina Moreau – vida pessoal"
A maioria das respostas era igual.
"Discreta."
"Reservada."
"Nunca fala de vida pessoal."
"Solteira."
"Fria."
"Enigmática."
— Você é um cofre trancado, né? — falei baixinho, olhando uma foto dela com cabelo preso e vestido preto num festival de Cannes.
Cliquei numa entrevista antiga, em preto e branco.
> “Você acredita no amor, Alina?”
— “Amor é uma invenção útil pra vender flores e filmes.”
Me encolhi no travesseiro, entre um riso e uma careta.
— Ai, garota… quem te machucou?
Continuei lendo. Havia rumores de que ela havia perdido os pais muito jovem. Criada pela tia, treinada em escolas caras. Ganhou um prêmio de atuação aos 16 anos. Morava sozinha desde os 17. Nunca foi vista chorando. Nunca foi vista com ninguém.
Era como se ela tivesse nascido pra brilhar… sozinha.
E, de alguma forma, isso me doía.
Eu não queria que ela continuasse sozinha.
Suspirei e olhei para o teto.
O mundo dizia que ela era impossível.
Mas eu gostava de desafios.
E, no fundo, mesmo que ela não soubesse ainda…
> Eu queria ser a primeira pessoa a fazer Alina Moreau sentir algo de verdade.
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...Alina...
Acordei antes do despertador.
Não era surpresa.
Eu sempre acordava antes.
A mansão estava silenciosa, banhada por uma luz cinzenta e suave que entrava pelas janelas. Paris ainda parecia adormecida. Mas minha mente já estava desperta. Firme. Imperturbável. Como sempre.
Levantei sem pressa. Cada passo milimetricamente calculado.
Fui até o banheiro, prendi os cabelos brancos em um coque baixo, lavei o rosto com água fria, encarei meu reflexo.
Nada havia mudado.
Ou, pelo menos, era o que eu dizia a mim mesma.
Mas algo em mim se recusava a calar.
Um pensamento. Um nome.
Celeste.
Inspirei fundo. Longo demais para ser apenas respiração.
Vesti uma blusa preta de gola alta, calça de alfaiataria, sobretudo escuro e botas de couro. Meu uniforme pessoal.
Frieza, elegância e controle.
A caminho do set, dentro do carro, abri o roteiro de novo. Página 19.
CENA 06 – TERRAÇO DA UNIVERSIDADE.
As duas estão sozinhas.
Celeste (personagem dela) provoca.
Alina (minha personagem) tenta resistir.
Elas se aproximam. O beijo quase acontece.
Silêncio. Tensão. Um toque interrompe.
Fechei o roteiro.
Já sabia cada linha.
A minha preocupação não era com as falas. Era com o que vinha depois delas.
Cheguei ao set 30 minutos antes. Como sempre.
Fui direto para o camarim, onde a equipe de maquiagem já me esperava. Todos sabiam que eu não gostava de conversa durante a preparação.
Sentei. Fechei os olhos. Respirei.
A única voz que me atravessou sem ser convidada foi a dela.
> “Se quiser transformar num encontro, eu também não reclamo.”
Abri os olhos de repente. Rápido demais. A maquiadora se assustou.
— Tudo bem, senhorita Moreau?
— Sim. Apenas continue.
Não fazia sentido.
Eu já contracenei com atores experientes, beijei colegas em cena sem sequer lembrar o nome deles depois. Por que essa garota — essa criança cor-de-rosa — estava tomando espaço na minha mente?
Talvez… fosse o fato de que ela não me temia.
Ou talvez… fosse o fato de que eu não conseguia ler Celeste Ainsworth.
Isso, sim, era perigoso.
Dez minutos depois, fui chamada para o set. O cenário era lindo. Um terraço ao pôr do sol, com livros espalhados, plantas e uma vista da cidade falsa ao fundo. Tudo perfeitamente romântico, até demais.
Ela já estava lá.
Vestia jeans claros e uma blusa branca fina, cabelos presos num rabo de cavalo alto, fios rosa balançando com o vento. Quando me viu, sorriu.
— Bom dia, Alina.
Ignorei o calor estranho que aquilo causou no meu peito.
— Pronta para trabalhar?
Ela se aproximou um pouco. Estávamos sozinhas no terraço. O diretor e a equipe estavam mais afastados, testando os equipamentos.
— Sempre. — respondeu ela. — Mas… e você? Conseguiu dormir?
Franzi levemente a sobrancelha.
— Você está me perguntando isso por quê?
Ela riu, colocando uma mecha atrás da orelha.
— Só curiosidade. Você tem cara de quem sonha com guerra, não com cenas de romance.
Permaneci em silêncio. Mas parte de mim… quase sorriu.
Quase.
O diretor então bateu palmas.
— Senhoras, vamos começar o primeiro ensaio da cena seis! Sem pressão, só queremos ver o ritmo de vocês.
Celeste virou para mim.
E disse baixinho, antes da claquete bater:
— Pronta para fingir que está apaixonada?
Aproximei-me. Olhei bem dentro dos olhos dela.
— Quem disse que eu preciso fingir?
A claquete bateu.
E a cena começou.
---
O mundo desapareceu por alguns segundos.
Havia só o vento leve. O terraço. E Celeste.
Ela se aproximou, os olhos azuis cravados em mim como se estivesse procurando alguma coisa lá dentro.
Ela não estava interpretando.
Ela estava olhando para mim de verdade.
E isso era muito mais perigoso do que qualquer cena.
> — “Você age como se não precisasse de ninguém.” — disse ela, sua voz firme, doce, sem esforço.
— “E não preciso.” — respondi.
— “Mentira. Todo mundo precisa… até você. Só tá assustada demais pra admitir.”
Dei um passo à frente. Era o que o roteiro mandava.
Mas meus olhos a encaravam de um jeito que não estava escrito.
> — “Você não sabe nada sobre mim.”
— “Sei que seus olhos ficam menos frios quando me olha.” — disse ela, quase num sussurro.
— “Está imaginando coisas.”
— “Então me deixa chegar mais perto... e ver de verdade.”
Silêncio.
Nossos rostos estavam a centímetros de distância.
A cena era feita para parecer que o beijo viria.
Mas a tensão ali… era real.
O mundo inteiro parecia respirar junto com a gente.
Ela olhou meus lábios. Depois meus olhos.
E eu senti — por um instante muito pequeno — vontade de beijá-la de verdade.
Não pela câmera.
Não pela cena.
Mas pelo calor nos olhos dela.
E então — o som de um celular interrompendo a cena.
> “Corta!” — gritou o diretor.
A equipe vibrou. Aplaudiu. Alguns riram.
“Isso sim é química”, alguém murmurou atrás de mim.
Me afastei devagar.
Meu coração estava mais acelerado do que deveria.
E quando virei o rosto para Celeste, ela ainda estava sorrindo.
— Ótimo trabalho. — disse ela.
— Foi só atuação. — menti.
Ela piscou devagar, como se soubesse que eu estava mentindo.
— Sei. Mas mesmo assim... obrigada por me deixar ver você, nem que seja por dois minutos.
E foi embora do set antes que eu respondesse.
Fiquei parada por um momento, respirando fundo.
Dois minutos.
Ela tinha me visto por dois minutos.
E, contra todas as minhas vontades...
Parte de mim queria que tivesse sido mais.
---
A equipe ainda comentava sobre a cena enquanto os técnicos desmontavam parte do cenário.
Fingi desinteresse.
Agarrei o roteiro como se ele fosse importante naquele momento, mas a verdade é que não consegui parar de pensar nos dois segundos antes do corte.
Dois segundos em que ela estava tão perto que eu senti o cheiro doce da pele dela.
Flor de laranjeira, talvez. Ou algum perfume sutil e infantil.
Mas era mais do que isso. Era algo que ficou. Preso na minha pele, nos meus olhos, nos meus pensamentos.
Caminhei em silêncio para fora do set, ignorando os sorrisos que a equipe me lançava. Atravessei os corredores de concreto da produtora como uma sombra elegante, fria, blindada.
Quase consegui escapar.
Mas então, ouvi.
— Alina!
Era ela.
Claro que era.
Me virei devagar. Celeste corria até mim com um copo de chá na mão. Cabelos presos de qualquer jeito, maquiagem levemente borrada do calor dos refletores. Ainda assim, ela parecia… confortável. Feliz.
O oposto exato de mim.
— Trouxe chá de camomila — disse, parando diante de mim. — Achei que podia te ajudar a... relaxar. A cena foi intensa, né?
Olhei para o copo. Depois para ela.
— Não bebo chá.
Ela sorriu, divertida.
— Claro que não. Você tem mais cara de café sem açúcar e desprezo.
Não consegui evitar.
O canto da minha boca… cedeu.
Um sorriso? Não. Só um movimento involuntário. Um erro de cálculo.
Celeste viu. É claro que viu.
— Ei, você quase sorriu. — disse ela, surpresa.
— Você está vendo coisas de novo. — respondi, virando para ir embora.
Mas antes que eu pudesse dar mais de dois passos, a voz dela me alcançou.
— A produção marcou um jantar informal hoje à noite. Só o elenco principal e os diretores. É pra ajudar a gente a se entrosar melhor.
— Não vou. — respondi, sem hesitar.
— Que surpresa. — ela riu. — Mas... seria uma pena.
— Por quê? — perguntei, já sem paciência.
Celeste deu um passo na minha direção. Não intimidante. Não forçado. Mas próximo o suficiente para que eu sentisse, de novo, a leveza incômoda da presença dela.
— Porque... por mais que você tente esconder, Alina… eu sei que você sentiu.
— Sentiu o quê? — perguntei, seca.
Ela sorriu — o sorriso mais calmo e sincero da noite.
— Vontade.
Fiquei em silêncio. Ela não esperava resposta.
Virou-se com o chá nas mãos e caminhou para longe. Seus passos eram leves, quase infantis. Mas suas palavras tinham peso.
Peso suficiente para me deixar ali, imóvel no corredor.
“Vontade.”
Sim. Eu senti.
E agora… não sabia o que fazer com isso.
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Atualizado até capítulo 41
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