...Alina...
O portão do estúdio se abriu devagar, revelando a movimentação típica de uma manhã de gravação.
Assistentes correndo de um lado para o outro. Técnicos ajustando luz, som, cenografia. Diretores com pranchetas, maquiadoras com pincéis em punho.
E eu — de preto, como sempre — caminhava entre todos com minha postura ereta, passos firmes e o habitual silêncio.
Minha presença era notada. As pessoas se afastavam sutilmente, como se eu carregasse uma aura fria demais para ser interrompida. E era exatamente isso que eu queria. Sempre foi.
Mas hoje…
Hoje, meus olhos procuravam algo — ou melhor, alguém — antes mesmo que eu percebesse.
E lá estava ela.
No centro do caos criativo, sentada em uma cadeira de ferro com o nome dela escrito atrás. Celeste Ainsworth. Com uma blusa lilás de mangas bufantes, jeans claro rasgado nos joelhos, e um rabo de cavalo frouxo que deixava fios rosados caírem sobre seus olhos azuis.
Ela me viu. E sorriu.
Mas não foi um sorriso qualquer.
Foi aquele sorriso que você só dá quando sabe de um segredo.
E nós duas agora tínhamos um.
Ela se levantou e caminhou até mim com leveza. Uma mão escondida atrás das costas.
— Bom dia, senhorita Moreau — disse com uma reverência dramática.
Cruzei os braços, mantendo o tom impassível:
— Você chegou cedo.
— É o contrato. Estou me esforçando — ela piscou.
— Já estamos contabilizando pontos?
Ela aproximou-se, ficando a poucos centímetros de mim.
— Se estivermos… acho que mereço um por isso aqui.
Tirou a mão de trás das costas e me entregou um pequeno copo de café com leite. Quente. Exatamente como eu tomava.
Arqueei uma sobrancelha.
— Como você sabia?
— Li entrevistas antigas suas. Fiz anotações.
— Capítulo 4: “Alina V. Moreau e sua obsessão silenciosa por café quente e doce”.
Peguei o copo devagar. Meu dedo encostou no dela por um breve segundo. Quente. Rápido. Perigoso.
— Isso não está no contrato.
— Eu sei. Mas... — ela inclinou o rosto, os olhos brilhando — quem disse que eu quero seguir só o que está lá?
Fiquei em silêncio por um instante.
Celeste riu e deu um passo para o lado, puxando um dos meus braços com naturalidade. Entrelaçou os dedos nos meus.
Mão dada. Cláusula três, item dois. Executada com sucesso.
— Vamos? Nosso primeiro ensaio de beijo é hoje.
Suspirei. E, contra qualquer lógica que eu costumava seguir…
Sorri.
Só um pouco.
Mas sorri.
— Vamos. E tente não se apaixonar de verdade durante a cena, Ainsworth.
— Tarde demais — ela sussurrou, antes de me puxar em direção ao set.
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O clima no set estava diferente naquele dia. Bastava colocar os pés ali para sentir.
Sussurros nos corredores, olhares disfarçados, cochichos abafados entre os figurantes. Nenhum roteiro precisava dizer: o namoro entre Alina Moreau e Celeste Ainsworth agora era de conhecimento público.
Bom, "namoro".
Se eles soubessem que era um contrato...
— Eles estão falando da gente — sussurrei para Celeste enquanto caminhávamos lado a lado para a sala de maquiagem.
Ela sorriu com a maior naturalidade do mundo, como se andar de mãos dadas comigo em público fosse algo comum. Como se os flashes dos fotógrafos na entrada não tivessem nos cegado por segundos. Como se nossos nomes não estivessem nos assuntos mais comentados da internet com hashtags do tipo:
#Aleste
#NamoradasDoAno
#AFriaEAFofa
— Que bom, né? — ela disse, sorrindo como se estivesse num comercial de perfume — Assim ninguém mais tenta te roubar de mim.
— Me roubar de você?
— Ué. É isso que dizem, né? “O que é teu, ninguém tira”. Mesmo que seja só por contrato…
Ela olhou de canto de olho. E eu... desviei.
Por que ela sempre consegue me deixar sem resposta?
Entramos na sala de maquiagem. A equipe nos recebeu com uma mistura de empolgação e nervosismo. Todos agindo como se não estivessem morrendo de vontade de perguntar como começou, quem deu o primeiro passo, se dormimos juntas, se foi amor à primeira vista...
Sentei-me na cadeira. A maquiadora começou a aplicar uma base leve no meu rosto. Atrás de mim, no espelho, Celeste me olhava. Sorriu. E eu desviei de novo.
— Viu os comentários? — ela perguntou, puxando conversa como se fôssemos amigas de infância.
— Eu não leio comentários.
— Mas devia. Tem um que disse: “Nunca pensei que Alina pudesse gostar de alguém. E ela foi logo gostar da garota mais fofa do mundo”. Bonito, né?
Revirei os olhos.
— Comentários são só palavras.
— E o que você faz nas cenas?
— Atuo.
— E quando me olha daquele jeito?
Silêncio.
Droga.
A maquiadora pigarreou, sem olhar para nenhuma de nós.
Celeste apenas riu.
Depois da maquiagem, seguimos para o set principal. A cena do dia era uma das mais aguardadas pelos fãs: o primeiro beijo das personagens.
A ironia disso tudo era quase cruel.
Ali estávamos nós — atuando como um casal apaixonado num drama romântico, enquanto o mundo acreditava que estávamos vivendo um amor de verdade fora das câmeras.
E talvez... talvez o mundo não estivesse tão errado assim.
— Prontas? — o diretor gritou.
— Sempre — Celeste respondeu.
Eu apenas assenti.
As luzes se acenderam. O som começou a gravar. O roteiro nos mandava dizer as falas. Olhar nos olhos uma da outra. Aproximar os rostos. Sentir a respiração.
E então…
— Corta! — gritou o diretor. — Celeste, você tá rindo. Alina, você tá... sorrindo?
— Não estou — respondi, automaticamente.
— Tá sim — Celeste disse, prendendo o riso. — E ficou linda assim.
A equipe toda riu.
Eu... também.
Por dentro.
Talvez isso esteja fugindo do controle.
Ou talvez, só talvez...
...era isso que eu queria desde o começo.
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A cena do beijo foi concluída.
Duas tomadas. Sem cortes.
Química, segundo o diretor, era o que não faltava.
— Vocês nasceram pra esse papel — ele dizia. — Isso não é atuação. Isso é mágica.
Mas pra mim, parecia mais uma maldição.
Saí do estúdio com os passos calculados, tentando manter o rosto neutro enquanto todos me observavam — maquiadores, produtores, assistentes e até os figurantes, que faziam de tudo para não parecerem curiosos.
Nos bastidores, peguei uma garrafinha d’água, me sentei num banco afastado, e respirei fundo.
Era só um beijo de cena, eu dizia a mim mesma.
Mas ele ainda estava nos meus lábios.
— Ei — ouvi sua voz antes mesmo de vê-la. — Fugindo de mim?
— Só respirando — respondi, sem olhá-la.
Celeste sentou ao meu lado. Como se o banco fosse pequeno demais, ela ficou perto. Perto demais.
— O beijo foi bom. Quer dizer... tecnicamente falando — ela disse, rindo.
— Foi profissional.
— Ah, claro. Super profissional... com você sorrindo no meio da tomada. E com o diretor dizendo que nunca viu tanta “verdade” numa cena.
Revirei os olhos.
— Você está provocando.
— Tô te conhecendo.
Ela se inclinou um pouco mais, até nossos ombros se encostarem. Por reflexo, eu endureci. Mas não me afastei.
— Alina — ela começou, com a voz mais baixa. — Quando eu fiz aquela proposta, sobre o contrato... era pra te proteger. Eu sei que você odeia escândalo, odeia ser invadida. Achei que seria mais fácil assim.
Fiquei em silêncio.
— Mas se você quiser parar com isso, a gente para. Sem mágoa. Sem drama. Eu só…
Ela hesitou. Pela primeira vez, Celeste parecia vulnerável.
— ...eu só gosto de estar com você. Mesmo que seja mentirinha. Mesmo que você finja que não gosta de mim de volta.
Olhei para ela.
Os olhos azuis estavam brilhando. A boca, que minutos atrás estava colada na minha, agora tremia discretamente.
E eu...
— Você é uma confusão, Celeste — murmurei. — Você me deixa... desconcentrada.
Ela riu.
— Isso foi um elogio? Porque pareceu.
— Não sei. Você faz eu esquecer o que quero dizer.
— Então vou anotar no contrato: “efeitos colaterais inesperados”.
Ela tirou o celular do bolso e mostrou a tela. Era o contrato de namoro, com uma nova cláusula escrita:
Cláusula 8 – Beijos fora das câmeras podem acontecer se ambas as partes concordarem.
— Você quer assinar essa também? — ela perguntou, mordendo de leve o lábio inferior.
Por um instante, o silêncio pesou entre nós. O mundo fora do estúdio parecia distante. Era só ela, eu, e uma pergunta não dita.
Será que ainda era fingimento?
Ou será que... tudo já estava virando algo real?
Peguei o celular da mão dela. Apaguei a cláusula nova.
Celeste franziu o cenho.
E eu digitei outra.
Cláusula 8 – Nenhum contrato vai explicar o que eu estou começando a sentir.
Devolvi o celular. Ela leu. Corou.
E pela primeira vez, Celeste ficou sem palavras.
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Atualizado até capítulo 41
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