Juramento Entre Herdeiras
Nos altos salões da Fortaleza de Aerthil, onde os vitrais contavam histórias de antigas linhagens e os ventos carregavam sussurros das estrelas, Helena aprendeu a andar com o queixo erguido e os pés firmes — mesmo antes de saber o peso real de uma coroa.
Seu pai, o Rei Alden, já adoentado quando ela ainda mal alcançava os livros do salão de guerra, nunca a poupou das verdades de um trono. Em voz rouca, entre goles de chá encantado e acessos de tosse, ele lhe ensinava mais do que estratégias e leis: ensinava a escutar antes de falar, a observar antes de agir. “Quem governa com pressa, governa por pouco tempo”, ele dizia, com os olhos sempre firmes, mesmo quando o corpo falhava.
Helena, mesmo jovem, nunca teve o luxo da impulsividade. Desenvolveu o hábito de tocar discretamente os anéis nos dedos — cada um herdado de uma rainha anterior — quando pensava. Raramente sorria em público, e quando o fazia, havia cálculo no gesto. Ela não se perdia em festas nem se deixava cegar por afagos cortesãos. Preferia o silêncio da biblioteca encantada, onde os livros sussurravam sozinhos, e os mapas antigos mudavam as fronteiras quando ninguém estava olhando.
O povo a chamava de “a filha de pedra”, mas poucos sabiam o quanto da sua rigidez era feita de amor pelo reino — e de medo. Medo de não ser forte o suficiente. Medo de decepcionar um rei que, mesmo à beira da morte, nunca deixou de ensinar.
Dez invernos passaram desde a última lição de Alden, e Helena agora caminhava sozinha pelos corredores de Aerthil — tão silênciosa quanto o tempo.
A menina observadora tornara-se uma mulher feita de aço velado em seda. Seu nome era dito com respeito nos salões das quatro Casas e com cautela nos círculos de magia. Sentada no trono de mármore branco, Helena tinha a presença de uma tempestade contida: bela, mas imperturbável. Seus cabelos ruivos, longos e cuidadosamente presos em tranças cerimoniais, brilhavam como fogo sob a luz encantada das tochas flutuantes. E os olhos, verdes como esmeraldas recém-desenterradas da Montanha Alta, não deixavam escapar nenhum detalhe — nenhum gesto, nenhuma mentira mal contada.
Ela ainda tocava os anéis nos dedos quando pensava, mas agora o gesto era quase imperceptível, como o bater das asas de uma mariposa. Mantinha a voz baixa, porém firme, e suas palavras tinham o peso de decretos antes mesmo de serem registradas.
Os conselheiros a temiam mais do que a respeitavam — e isso era como ela preferia.
Do alto das muralhas, observava as luzes de Tharion se espalharem como constelações
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O sol da manhã passava pelas janelas altas da Biblioteca de Aerthil, tingindo as paredes de pedra com tons dourados e âmbar. Os feixes de luz se misturavam ao pó encantado dos livros antigos, que flutuava suavemente no ar como pequenos vaga-lumes adormecidos.
Helena estava sentada em sua poltrona favorita — uma peça alta de veludo azul escuro, com entalhes em forma de espadas nas laterais — posicionada junto à janela semicircular que dava vista para os jardins internos. A brisa carregava o perfume sutil das flores da estação, mas ela mal percebia.
Com as pernas cruzadas com precisão e o corpo ereto como se o trono estivesse sempre à espreita, ela lia em silêncio um tomo envelhecido, com as páginas já amareladas pelo tempo. O livro, de capa de couro negro com o símbolo da Coroa gravado em ouro, havia sido o último presente de seu pai: "Linhagens e Pactos de Sangue – Um Tratado Sobre Juramentos Antigos". Helena relia o mesmo trecho há minutos. Não por distração, mas porque gostava de absorver cada nuance, cada entrelinha. Era sua maneira de conversar com Alden, mesmo tantos anos após sua partida.
Um pequeno caderno repousava ao lado, com anotações organizadas em tinta verde, a mesma cor de seus olhos. Não havia rabiscos. Tudo era direto, limpo, metódico.
A porta da biblioteca se abriu sem pressa, como de costume, revelando Mariel, sua conselheira pessoal. Uma mulher de cabelos curtos prateados, envolta em um manto bordado com os símbolos do Conselho Real. Seu andar era calmo, mas seus olhos atentos jamais deixavam de medir o ambiente.
— Majestade — disse com um leve gesto de cabeça, respeitoso, mas sem bajulação. — Os relatórios chegaram. Temos movimentações comerciais no sul, e uma carta da Casa Elvar. Parece... importante.
Helena não fechou o livro. Apenas ergueu os olhos, como quem já previa que aquele nome voltaria a circular com mais frequência do que gostaria.
— Elvar nunca envia algo sem propósito — murmurou, com a voz baixa e cortante. — Deixe sobre a mesa. Lerei após o desjejum.
Mariel hesitou por um instante, o suficiente para Helena notar.
— Há algo mais?
A conselheira aproximou-se, colocando o pergaminho selado com cuidado sobre a mesa próxima. Havia uma tensão diferente em seu rosto. Não medo — Mariel era difícil de intimidar —, mas um incômodo contido.
— A carta vem com o selo triplo. Paz, aliança… e casamento.
Silêncio.
Helena pousou o marcador de página com a mesma precisão de sempre, sem pressa. Seus dedos tocaram o anel do dedo médio — o da rainha Elaris, famosa por nunca ter cedido à chantagem política. O gesto foi quase imperceptível.
— Claro — disse, finalmente. — Começaram a jogar.
E pela primeira vez em muito tempo, a leitura de um novo dia seria deixada para depois.
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As portas da biblioteca se fecharam com um leve ranger enquanto Helena caminhava pelos corredores de Aerthil, com a carta da Casa Elvar firmemente em mãos e Mariel a poucos passos de distância.
Os corredores, silenciosos e reverentes, pareciam moldados para ecoar a autoridade da coroa. Tapeçarias com brasões antigos cobriam as paredes de pedra encantada, que sussurrava fragmentos de história a quem passasse com ouvidos atentos. Mas Helena não ouvia. Seus pensamentos marchavam adiante, afiados como lâminas.
— Casamento? — ela disse, mais para si do que para a conselheira. — Eles acham que a paz pode ser comprada com alianças costuradas à força.
— Ou ao menos querem que pareça assim — respondeu Mariel, mantendo o tom neutro. — Há boatos de que a Casa Elvar está perdendo apoio em Virellen e no Alto Norte. Unir-se à coroa seria a forma mais rápida de restaurar sua posição.
Helena apertou levemente a carta, ainda lacrada com o selo dourado das três chamas de Elvar.
— Uma jogada previsível. Mas ainda assim insultante.
— O pedido vem com a benção dos três reinos aliados, Majestade. Isso... dá peso à proposta.
Helena parou por um instante, voltando-se para Mariel. Seus olhos verdes brilhavam como esmeralda polida sob o vitral da galeria, e apesar da compostura impecável, havia um traço de desdém quase imperceptível em sua voz.
— Que todos os conselheiros estejam no salão em meia hora. Sem exceções. — Ela retomou o passo, agora mais rápido. — Se acham que me dobram com promessas envoltas em fitas douradas, terão a resposta que merecem.
Mariel assentiu, seguindo-a com leveza. Não era a primeira vez que Helena enfrentava uma jogada política, mas havia algo diferente naquela carta.
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Atualizado até capítulo 30
Comments
Gabs Oliver
Muito interessante a personalidade dela.
2025-07-01
1
Daiane
Sempre tem algo a mais.
2025-07-01
0
Gabs Oliver
Isso mesmo, Helena não aceita.
2025-07-01
0