O Salão do Conselho de Tharion era uma extensão viva do poder de sua soberana.
Amplo, octogonal, feito de pedra negra lustrada com veios prateados que pulsavam suavemente com encantamentos antigos, o ambiente era iluminado por lustres flutuantes em forma de chamas azuis — fogo élfico, que jamais produzia fumaça. Ao centro, uma longa mesa redonda com tronos esculpidos em obsidiana encantada, cada um marcado com o emblema de um dos Conselheiros Principais. Acima de tudo, suspensa magicamente, uma chama dourada pairava no ar, cintilando conforme a intensidade das palavras ditas no recinto.
Helena estava sentada à cabeceira da mesa. Imponente, elegante. Usava vestes formais em tons escuros com detalhes bordados em fio de prata, e um manto de lã encantada caía sobre os ombros com a naturalidade de uma coroa invisível. Os cabelos ruivos presos com firmeza revelavam o contorno forte de seu rosto, e os olhos verdes como esmeraldas profundas acompanhavam cada movimento no salão com a precisão de um predador em vigília.
Ao redor, os conselheiros falavam — uns com preocupação, outros com fervor estratégico. Nomes, alianças, riscos, promessas. As vozes se sobrepunham como uma tempestade contida, tentando arrancar respostas da mulher que, até então, permanecia em absoluto silêncio.
Helena não interrompia. Não precisava.
Seus olhos percorriam cada rosto como quem já sabia tudo o que seria dito. Observava os mais impacientes, os mais ansiosos por agradar, os mais cautelosos. Sabia quem queria guerra. Sabia quem queria paz. Sabia quem queria poder.
Então, com um movimento apenas — um simples levantar de mão, sereno e firme —, o salão mergulhou em um silêncio absoluto.
Os conselheiros se calaram de imediato. Como se a própria sala reconhecesse que o que viria a seguir não era mais debate. Era decisão.
Com calma cerimonial, Helena ergueu a carta ainda lacrada com o selo dourado das Três Chamas da Casa Elvar. Partiu o lacre com a ponta da unha enegrecida de tinta mágica e desenrolou o pergaminho com precisão. A voz dela, ao ler, preencheu o salão com autoridade cortante e refinada:
“À Majestade Helena de Tharion
Pela paz dos Reinos do Norte, e em respeito à antiga promessa feita entre nossos antepassados, a Casa Elvar propõe a união das duas linhagens por meio do casamento entre A princesa e minha filha, Elizabeth de Elvar.
Com esta aliança, as famílias mais respeitadas de Tharion e Elvar selarão uma nova era de estabilidade e cooperação, reforçando as defesas da Aliança das Terras Altas e assegurando a continuidade da magia ancestral.
A Princesa Elizabeth será enviada à corte de Tharion, sob proteção real, para conhecer sua futura esposa e preparar-se para a transição formal entre os reinos.
Que esta união seja símbolo de força, equilíbrio e permanência.
Em nome da Casa Elvar,
Rainha Cyra Elvar.”
Helena dobrou a carta com lentidão e a pousou sobre a mesa.
O silêncio persistiu, mais denso agora. As palavras ainda pairavam no ar como poeira encantada.
— Então — disse, pela primeira vez naquela manhã, com a voz firme como ferro moldado em gelo — a paz tem nome, rosto... e pés descalços, e o que dizem.
Um murmúrio contido escapou de um dos conselheiros, mas ninguém ousou rir. Helena cruzou os dedos à frente do queixo, os cotovelos apoiados sobre a mesa.
— Quero todos os detalhes dessa proposta. Mapeiem cada aliança possível. Vejam o que Elvar esconde por trás da promessa. — Ela se ergueu lentamente. — E preparem os aposentos do sul.
Ela fez uma breve pausa, os olhos cravando o conselheiro de segurança como um dardo bem lançado:
— E se alguém pensar que isso significa que descontrairei… lembrem-se de quantos tronos ruíram por confiar demais em palavras bem escritas.
O silêncio após a leitura ainda pairava como névoa mágica no salão quando Lorian Valhart, o mais antigo conselheiro da Casa dos Escudos, ergueu levemente a voz — um som grave e respeitoso, mas firme como o aço da sua própria linhagem.
— Majestade… — começou, com as mãos entrelaçadas sobre a mesa. — Com todo o respeito à proposta da Rainha Cyra… seria sensato considerarmos outras opções. Tharion sempre reinou sem precisar de alianças forçadas. Sob seu governo, não perdemos uma única fronteira. E, se houver necessidade de reforço, as Casas Antigas não hesitariam em marchar sob sua bandeira.
Vários membros do conselho assentiram com discrição. Outros apenas aguardaram a resposta com olhos atentos. Lorian prosseguiu:
— Além disso, a jovem Elvar é inexperiente. Criada entre flores e versos, dizem. Um espírito livre. Não sabemos se ela compreenderá… Tharion.
O nome da princesa foi dito com cautela. Como se temessem que apenas evocá-la despertasse algo imprevisível.
Helena não respondeu de imediato. Seus olhos verdes brilharam como lâminas sob a luz encantada do salão. Ela inclinou a cabeça lentamente, analisando Lorian com o mesmo olhar que um caçador lança à presa que ousa resistir ao cerco.
Então, ela falou.
— É verdade, Conselheiro Valhart — disse ela, com suavidade venenosa. — Tharion jamais precisou ajoelhar-se por proteção. Nem no tempo dos dragões errantes, nem durante a Guerra da Geada Cega.
Ela se levantou, contornando a mesa com passos elegantes, e continuou:
— Mas não ignoro que poder isolado apodrece. E alianças, mesmo frágeis, podem ser afiadas como lâminas. O que se oferece aqui… não é apenas uma jovem. É a única herdeira viva de Elvar. É acesso ao círculo ancestral dos Guardiões do norte. É estabilidade mágica nas fronteiras onde as runas estão começando a falhar.
Ela parou diante de uma tapeçaria antiga que representava a união das Casas de Tharion com um reino já esquecido pelas areias do tempo. Passou os dedos sobre a seda grossa, pensativa.
— Além disso — continuou, virando-se novamente para o conselho —, se há algo que aprendi nestes anos… é que as peças que mais subestimamos no tabuleiro, por vezes, são as únicas que alcançam o outro lado intactas.
Lorian manteve-se em silêncio. Respeitoso, mas ainda firme na postura.
— Está dizendo, Majestade, que já decidiu?
Helena voltou ao seu assento. A luz das chamas azuis dançava em seus olhos como ecos de promessas antigas.
— Estou dizendo — respondeu com um meio sorriso — que quero ver o que há por trás dos olhos dourados dessa princesa de jardim… antes de decidir se vale a pena queimá-los… ou protegê-los.
Um silêncio mais denso se abateu. Desta vez, não de medo — mas de compreensão.
A reunião estava encerrada. Helena não precisava dizer mais nada.
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Enquanto o sol iniciava sua descida preguiçosa nos céus de Tharion, um grupo seleto partia dos portões principais do castelo em formação precisa. O emissário real, montado em um corcel negro com crina trançada em fios prateados, levava a insígnia dourada da Casa de Tharion no ombro e o pergaminho oficial nas mãos.
Ele cavalgava na frente de cinco escoltas, rumo ao sul — rumo a Elvar — levando consigo mais do que uma carta: levava o peso de uma rainha que não confiava facilmente… mas que começava a se permitir observar, ao menos, a possibilidade.
No alto das muralhas, Helena observava sem expressão, até que o último cavalo desapareceu na curva da estrada ladeada por árvores de folhas roxas. Só então ela se virou e desceu pelas escadas laterais, saindo pela entrada menos usada do palácio, em direção aos jardins internos, onde raramente era vista.
O Jardim de Ros’thalia era uma relíquia viva da primeira rainha de Tharion. Protegido por muros baixos de hera encantada e atravessado por pequenos canais de água corrente, o jardim era um verdadeiro refúgio de paz dentro da muralha severa do castelo.
Ali, entre flores de tons suaves — lavanda, dourado-claro, folhas cinzentas como prata antiga —, havia um banco de pedra musgosa sob a sombra de uma árvore de folhas translúcidas. Era ali que Helena sempre sabia onde encontrá-la.
Sentada com um cesto no colo, separando folhas e raízes com os dedos firmes e ágeis, estava Thessaly, sua madrinha. Uma mulher de cerca de cinquenta invernos, de cabelo grisalho preso em uma longa trança e olhos cor de cobre, sempre envolta por cheiros de cânfora, mirra e sálvia. As mãos calejadas, o sorriso calmo, e uma sabedoria que parecia mais velha que o próprio reino.
— Pensei que tinha me esquecido de mim, Alteza — disse Thessaly sem sequer olhar para ela, o tom brincalhão escondido sob a doçura. — Ou que havia finalmente se transformado numa pedra como aquele trono lá em cima.
Helena sorriu, um daqueles sorrisos raros que suavizavam os traços duros do rosto.
— Eu estive ocupada… com o destino do reino, com ameaças invisíveis, com casamentos absurdos…
Thessaly arqueou uma sobrancelha, ainda mexendo nas ervas.
— Então ouvi bem. Uma princesa de Elvar? Ah, vai precisar de mais do que hortelã para o tipo de dor de cabeça que isso traz.
Helena soltou uma risada leve, quase infantil, e sentou-se no chão, ignorando a postura regia por um instante. A grama ali era macia, as flores se inclinavam suavemente ao vento, e o cheiro da terra fresca era mais acolhedor do que qualquer tapeçaria real.
— Quando eu era criança, achava que ia me casar com um guerreiro de três metros, com um machado de fogo — murmurou, colhendo uma folha qualquer entre os dedos. — Que ele me defenderia do mundo, e que eu nunca teria que fazer essas escolhas sozinha.
— E agora? — Thessaly perguntou, olhando-a com um carinho sem pressa.
Helena deu de ombros, encarando o céu que se pintava em tons âmbar entre os galhos.
— Agora, sou eu quem empunha o machado.
A velha curandeira soltou um leve suspiro, e então a observou com atenção.
— Mas às vezes... ainda vejo aquela menina. A que comia amoras escondida entre as estufas, e que dormia no meu colo dizendo que as nuvens eram ilhas flutuantes.
Helena desviou o olhar, sem negar.
— Talvez ela esteja só dormindo.
Thessaly sorriu, e estendeu uma folha de verbena para Helena.
— Não a deixe dormir por muito tempo, minha filha. A guerra, o trono, os conselhos... tudo isso te precisa inteira. Mas você também precisa de um lugar onde possa rir de novo. Sem culpa.
Helena pegou a folha, girando-a entre os dedos. Por um momento, os olhos verdes dela pareceram mais claros, mais jovens. Como se, ali naquele jardim sagrado, o tempo se dobrasse e devolvesse algo que o trono havia tirado.
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Atualizado até capítulo 30
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