Amor Possessivo
Setembro.
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O dia cinzento pairava sobre o campus, trazendo consigo uma brisa gélida que cortava a pele. O sol, quase como uma lembrança distante, se fazia presente apenas em raios tímidos e dispersos ao fim do horizonte. O céu parecia pesar sobre ela. Serena, no entanto, sentia o suor escorrer por seu corpo, o coração batendo acelerado e o cansaço tomando conta a cada passo que dava. Sua respiração, pesada e irregular, era um reflexo da pressão que sentia sobre si mesma, um peso que ela sabia que só aumentaria ali.
— A última foto! — o homem gritou, fazendo-a estremecer.
Ela olhou para ele, sentindo a tensão tomar seu corpo. A multidão estava à sua frente, perfeitamente alinhada. A beca amarela que usava estava impecável, mas a sensação de ser observada tornava-a ainda mais desconfortável. Serena se curvou, colocando as mãos nos joelhos e tentando recuperar o fôlego. Mas as batidas de seu coração pareciam ecoar mais alto que o restante ao seu redor.
— Não temos o dia todo, formando. — o fotógrafo gritou, um tom de impaciência em sua voz.
Serena levantou-se com esforço, sentindo cada músculo de seu corpo gritar por descanso. Olhou para a multidão à sua frente, buscando o lugar vago que, para seu alívio, era justamente onde ela deveria estar. Ao lado de Peter. O sorriso dele foi como um alívio, mas também causou algo que ela não soubera identificar — um calor estranho que se espalhou por seu peito.
— Está atrasada, senhorita Walker — ele murmurou, uma leve provocação em seu tom.
Serena balançou a cabeça, tentando esconder a incomodidade que sentia. Com a mão trêmula, retirou o capelo e o segurou firmemente.
— Obrigada por me avisar — respondeu, a voz mais baixa do que gostaria, ao voltar sua atenção para o homem atrás da câmera.
O som do clique da câmera fez Serena quase saltar do lugar, mas ela não podia deixar de sorrir. O flash foi seguido pela chuva de capelos lançados ao ar, e foi nesse momento que Peter a pegou nos braços, rodando-a. A sensação de estar suspensa no ar, com o vento a tocando, a fez fechar os olhos por um instante. E, quando seus pés tocaram o chão novamente, ela o sentiu ainda tão perto, tão… real.
— Lamento ter perdido o seu discurso, senhor orador — ela brincou, rindo ao desviar o olhar.
— Se tivesse vindo, teria visto o plágio que eu fiz ao Steve Jobs — Peter respondeu, sorrindo com aquelas covinhas que Serena nunca soubera como lidar.
E ali, no meio daquele caos de formatura, o tempo parecia suspenso. Quando os olhares de Serena e Peter se cruzaram, algo não dito passou entre eles. O coração de Serena disparou, e ela tentou entender o que estava acontecendo. Mas não havia explicação, apenas uma sensação de que algo estava prestes a mudar, ou talvez já tivesse mudado sem que ela percebesse.
Melanie apareceu do nada, interrompendo o momento com um abraço tão apertado que quase derrubou Serena.
— Não acredito! — gritou, seu rosto irradiando uma felicidade contagiante. — O grande dia chegou!
— O dia que todos os estudantes esperam! — completou, com a voz animada, batendo nas costas de Serena com um entusiasmo quase excessivo.
Mas o sorriso de Melanie parecia brilhar demais, e Serena se sentiu como uma sombra ao lado daquela luz. Ela forçou um sorriso, mas algo dentro dela se fechava.
— Tenho uma surpresa para você, Serena — disse Melanie, com um brilho travesso nos olhos.
Peter, ao lado, riu baixinho, e algo naquele som fez o estômago de Serena apertar. O modo como ele olhou para Melanie, com aquele apelido carinhoso de “Mel” escapando de seus lábios, foi o suficiente para alimentar uma sensação amarga que ela tentava ignorar. Havia algo entre eles, algo que ela não queria entender.
Eles se afastaram, e, com uma naturalidade desconcertante, Peter se perdeu na multidão. Melanie, já radiante com sua alegria, não percebeu o peso do silêncio que se formava entre Serena e Peter. Serena sentiu a tensão no ar e, apesar de tentar esconder, sabia que algo não estava certo.
— Vocês estavam fazendo de novo — Melanie comentou, sem cerimônia, como se tivesse acompanhado aquele jogo por anos. Serena apenas revirou os olhos, sorrindo, mas sua mente não estava mais ali. Ela sentiu o vazio do momento e o peso da presença de Peter, que parecia irremediavelmente distante.
— Não estávamos fazendo nada — Serena respondeu, tentando soar leve, mas suas palavras soaram vazias até para ela mesma. A verdade era que Peter ainda mexia com ela de uma maneira que ela não conseguia controlar.
O som da risada de Melanie se afastando trouxe Serena de volta à realidade. Ela o viu novamente, ali, parado no meio da multidão, com um buquê de rosas nas mãos. Ele a olhava, e havia algo em seu sorriso que parecia carregar um peso desconhecido. Serena não sabia o que pensar, mas sentiu uma sensação crescente de desconforto.
— Para a minha futura médica — ele sussurrou, entregando o buquê, e seus olhos brilharam com algo que Serena não soubera decifrar. Ela pegou as flores, sentindo a leveza de seu toque, mas a intensidade do momento quase a sufocava.
“Será que isso é um sinal?”, pensou ela, mas logo se corrigiu, a insegurança tomando conta de seu peito. “Ou é só mais uma das gentilezas dele, como sempre foi?”
E então, o tempo pareceu se arrastar. Melanie, ainda em seu próprio mundo de surpresas e presentes, mal notou a troca silenciosa entre os dois. Serena forçou um sorriso enquanto observava sua amiga abrir o presente de Peter — um colar que parecia ter sido escolhido especialmente para ela. Serena sentiu uma pontada de algo que não queria reconhecer. Inveja? Talvez. Ou apenas a sensação de que sempre faltava algo em sua vida.
— Isso com certeza foi a pior cara de surpresa que eu já vi. Aposto que você e Peter compraram juntos — brincou Melanie, apertando o colar com uma satisfação quase triunfante.
Serena sorriu sem graça, mas sabia que Melanie estava certa. E, no fundo, essa certeza só a fazia se sentir mais distante de tudo.
Os pais de Peter estavam se aproximando, e ele se despediu de Serena com um beijo suave na bochecha.
— Nos vemos mais tarde, Serena? — ele perguntou, a voz baixa, como se estivesse esperando algo mais dela.
Ela olhou para ele, com o buquê ainda nas mãos, e assentiu, tentando controlar a sensação de vazio dentro de si.
— Claro — respondeu, sua voz suave e sem firmeza, traindo o turbilhão de sentimentos que ela não sabia como expressar.
Serena segurou o buquê com força, como se pudesse arrancar respostas das pétalas. Mas a verdade estava ali, inegável, crescendo dentro dela como as próprias flores. E ela não sabia se queria deixá-la florescer.
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O cinza do dia se misturava ao fim do horizonte alaranjado, enquanto uma garoa amena ameaçava cair. Serena permanecia parada na calçada, observando o movimento dos carros diminuir aos poucos. O vento soprava frio, causando inúmeros arrepios à garota, que sentia um leve protesto de sua mente pela falta de um casaco. Levou as mãos à boca, tentando gerar um pouco de calor ao soprar o ar. Estava visivelmente ansiosa pela chegada de sua mãe, que, como sempre, estava um pouco atrasada. Ellis Murray passava seus turnos no hospital com a maior intensidade possível, desde o clarear do dia até o anoitecer, uma rotina desgastante desde a morte precoce de seu pai. No fim, eram apenas as duas.
Seu olhar foi ao pulso, vendo a pulseira que carregava. No fim, Peter estava errado. Ela não poderia desistir de uma carreira brilhante só porque desejava transformar suas fantasias em algo tangível. E mais: aquilo era a única lembrança que ela tinha planejado com seu pai, a futura médica Murray.
Um suspiro escapou de seus lábios, enquanto ela trocava o peso de uma perna para a outra. O toque de seu celular cortou o silêncio da noite, e, meio atordoada, ela levou a mão à bolsa sobre o ombro, abrindo-a para procurar o aparelho. A tela piscava com um número desconhecido.
— Alô, boa tarde. Falo com a senhorita Serena Murray? — A voz feminina do outro lado da linha causou estranhamento. Quem sabia seu nome?
Provavelmente mais uma cobrança, pensou Serena.
— Sim, quem está falando? — respondeu com um tom que demonstrava cansaço e impaciência.
— Senhorita, sua mãe, Ellis Murray, foi vítima de um acidente de carro e deu entrada no Hospital Santa Luz. Encontramos documentos seus com ela, e precisamos que você se apresente. A situação é grave.
A mão de Serena tremeu, e, sem conseguir processar totalmente a informação, o celular escorregou de seus dedos e caiu no chão com um pequeno estalo. A voz do outro lado continuou chamando, mas ela não conseguia mais ouvir.
O mundo parecia girar ao redor dela, e, com os olhos marejados, as lágrimas desceram por seu rosto, agora carregadas de angústia. Uma dor lancinante apertava seu peito, como se sua respiração estivesse faltando.
— Onde? Qual o endereço? — sua voz saiu rouca, tentando se ancorar na única coisa que podia controlar: a ação.
O ambiente da sala de espera era opressor, frio e sujo. A iluminação fraca piscava de tempos em tempos, enquanto o cheiro estagnado de antisséptico misturava-se ao odor persistente de desinfetante. O piso branco já estava manchado de tantas passagens, e o chiado da televisão se juntava ao murmúrio baixo das recepcionistas.
Após horas que pareceram intermináveis, uma voz fina chamou:
— Senhorita Serena Murray?
— Sou eu, — respondeu, levantando-se, com as pernas trêmulas, e seguindo até o balcão.
— O médico a aguardava. Ele quer falar com você. — A recepcionista não desviava o olhar de sua prancheta. — Vá até a última porta do corredor à esquerda.
O corredor parecia um reflexo da sala de espera, com paredes desbotadas e a luz piscando de forma irregular. Mas havia algo mais angustiante: o cheiro mais forte de desinfetante e o eco dos passos de pacientes e funcionários. As expressões nas faces das pessoas eram carregadas de cansaço e tensão.
Serena chegou até a porta do consultório e bateu suavemente.
— Pode entrar. — Uma voz grave respondeu. Ao abrir a porta, o médico se levantou e lhe dirigiu um sorriso caloroso, embora visivelmente cansado.
— Senhorita Murray, imagino que esteja muito preocupada. Sua mãe, Ellis, sofreu um acidente grave. Ela sofreu uma fratura craniana e múltiplas fraturas nas costelas e no maxilar. A condição dela é delicada, e o traumatismo cranioencefálico que ela sofreu tem o potencial de levá-la ao coma, dependendo da resposta do cérebro ao tratamento. — O médico fez uma pausa, observando a reação de Serena. — A boa notícia é que, com o tratamento intensivo adequado, existe uma chance razoável de recuperação. O problema é que o custo do tratamento é elevado, mas podemos ajustar a taxa, considerando sua situação.
Ele pegou uma caneta e, com uma caligrafia firme, escreveu números e observações em um papel, empurrando-o gentilmente na direção de Serena.
Ela olhou para o papel, chocada. O valor era exorbitante, quase todo o dinheiro economizado pela mãe para sua faculdade. O estômago de Serena se apertou, e ela ficou alguns segundos sem saber o que dizer.
— Ela é sua mãe, certo? — O médico perguntou, notando a hesitação dela.
Serena assentiu com a cabeça, tentando engolir a angústia.
— Posso vê-la? — a pergunta saiu tensa, os lábios úmidos e tremendo. — Por favor, faça o que for necessário.
— Não se preocupe, senhorita Murray. Farei o meu melhor para ajudá-la.
Serena foi guiada até o quarto onde sua mãe estava. Ao entrar, um nó apertou em seu estômago. A mulher na cama estava irreconhecível, com o rosto inchado, completamente enfaixado, e vários pontos visíveis. As mãos de Serena tremeram enquanto ela observava a cena.
O medo a paralisou por um instante, e a visão dela se distorceu. Ela correu para o banheiro, sua garganta ardendo de ânsia. A dor tomou conta dela como um peso insuportável. Apoiada sobre o vaso, ela vomitou, a sensação de desamparo a dominando completamente. Seus cabelos caíam desordenadamente sobre o rosto, e a tontura veio rapidamente, como se um choque elétrico tivesse percorrido todo seu corpo.
Ela se levantou, cambaleando até a pia, tentando controlar a respiração, e levou a água fria à boca, tentando apagar o gosto amargo que ficava em sua garganta.
O reflexo no espelho lhe revelou algo que a assustou: sua imagem estava apagada, como se ela tivesse sido sugada pela escuridão daquele momento. Serena sentiu que estava perdendo algo mais do que apenas o controle sobre a situação. Estava perdendo algo de si mesma
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Comments
Pandinha'JJK🐼📚
amei sua novel, parabéns autora 💞☺️☺️/Kiss//Kiss//Kiss/
2025-03-04
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