Então Era o Tão Amor ²
Meu nome é Victoria, mas todo mundo me chama de Vic. Talvez porque seja mais curto, ou talvez porque ninguém tenha paciência para dizer meu nome inteiro. Eu já me acostumei. Eu me acostumo com muitas coisas. Me acostumei a estar sempre em segundo plano. Me acostumei a engolir palavras. Me acostumei a sentir esse vazio dentro do peito e fingir que está tudo bem.
Estou na janela do meu quarto, no segundo andar, observando a rua. O vidro está gelado sob meus dedos. Lá fora, a vida continua como se nada estivesse errado. Como se o mundo não estivesse desmoronando dentro de mim.
Um garoto passa pedalando uma bicicleta. Ele não olha para cima, não percebe minha existência. Só segue em frente, como se a vida fosse simples, como se cada pedalada fosse suficiente para levá-lo para longe de tudo. Eu queria ter essa mesma liberdade. Mas estou presa.
Dentro de casa, o silêncio dura pouco.
— Você não faz nada o dia inteiro! — A voz do meu pai explode pela casa, alta o suficiente para atravessar as paredes.
Fecho os olhos. Mais uma vez. Sempre a mesma coisa.
— Você acha que a vida é o quê, Victoria? — Ele me chama pelo nome inteiro, como se quisesse me punir só com isso. — Eu trabalho, eu pago as contas, e você? Você só fica nesse quarto, olhando pela janela feito uma condenada!
Mordo o lábio. Quero responder, mas pra quê? Ele nunca escuta. Ninguém nunca escuta.
— Você tem tudo! Roupa, comida, internet, um teto sobre a cabeça! O mínimo que poderia fazer é ser grata!
Gratidão. Essa palavra pesa mais do que deveria. Eu deveria ser grata? Por existir? Por ter uma casa onde me sinto sufocada? Por ter pais que me tratam como um fardo?
Aperto os dedos na borda da janela. Meus olhos seguem o garoto da bicicleta, agora diminuindo a velocidade ao virar a esquina. Ele não sabe o quanto eu queria estar no lugar dele. Pedalando. Fugindo. Indo para qualquer lugar onde eu não precisasse ser apenas "grata".
— Eu não estou pedindo nada, pai — murmuro, a voz trêmula.
— Exatamente! Esse é o problema! Você não quer nada, não faz nada!
Engulo em seco. A verdade é que eu quero. Eu quero sumir. Quero silêncio. Quero um mundo onde eu não precise me desculpar por ser quem sou.
Lá fora, o garoto desaparece na curva. E eu continuo aqui. Ainda presa.
Meu pai não desiste fácil. Ele nunca desiste. É como se cada palavra que eu não respondo fosse um convite para ele gritar mais alto.
— Sabe o que me irrita mais, Victoria? Você se tranca nesse quarto como se fosse a dona da verdade! Como se estivesse acima de tudo!
Aperto os olhos. Não estou acima de nada. Se estivesse, não me sentiria tão pequena.
— O mundo não vai girar ao seu redor! — Ele continua, andando pela casa como um animal enjaulado. — Eu trabalho o dia inteiro e, quando chego, tudo o que vejo é uma filha que não levanta um dedo pra nada!
O barulho dos passos dele ecoa no andar de baixo. O som dos móveis sendo arrastados, do copo batendo com força na mesa. Sei exatamente o que ele está fazendo. Sei que vai abrir uma cerveja, reclamar mais um pouco, bufar alto e depois sair batendo a porta. É sempre assim.
— Por que você simplesmente não faz alguma coisa? Sai desse quarto! Sai dessa casa! Vai arrumar um emprego, estudar, qualquer coisa!
Inspiro fundo, tentando ignorar o aperto no peito. Minha mão ainda está apoiada no vidro da janela, fria como os sentimentos que carrego. Lá fora, o silêncio parece um convite.
Viro as costas para a janela e caminho até a porta do quarto. Cada passo pesa como se estivesse me forçando a atravessar um campo minado. Desço as escadas devagar, sentindo a tensão pairando no ar.
Quando chego à sala, o cheiro amargo de cerveja ainda está impregnado no ambiente, mas ele não está mais ali. A televisão está ligada, a lata vazia jogada sobre a mesa de centro. A porta da frente, entreaberta.
Me aproximo devagar, empurrando a porta com os dedos. A garagem está vazia. Ele saiu.
Solto o ar preso nos pulmões. Ele se foi. Por quanto tempo, eu não sei. Mas, por enquanto, o silêncio é meu.
Fiquei parada na sala por um tempo, olhando para a porta aberta e a garagem vazia. Meu pai tinha ido embora, mas o peso das palavras dele ainda estava aqui, latejando no meu peito como uma ferida aberta.
Pensei em sair, de verdade. Mas sair para onde? Não tinha para onde ir, ninguém para ver, nada para fazer. Então, em vez de simplesmente sumir, fiz o que restava: caminhei.
Peguei um casaco leve e saí pela porta da frente, sentindo o vento quente da tarde bater no meu rosto. As ruas do bairro estavam calmas, os pássaros cantavam nos fios de eletricidade, e algumas crianças brincavam de bicicleta na esquina. O mesmo garoto da bicicleta de antes passou por mim, sem olhar, pedalando como se nada no mundo pudesse detê-lo.
Minhas pernas me levaram até a pracinha do bairro, um lugar pequeno, mas com bancos velhos e árvores que forneciam sombra. Não era um lugar especial, mas era silencioso o suficiente para que eu pudesse respirar sem sentir o peso da casa sobre meus ombros.
Sentei-me em um dos bancos, observando o mundo ao meu redor. Do outro lado da praça, um carrinho de sorvete estava estacionado, e o vendedor, um senhor de idade, sorria para algumas crianças que compravam seus doces. O cheiro doce do açúcar misturava-se com o calor do dia, e minha boca chegou a salivar ao imaginar o gosto refrescante de um sorvete.
Mas eu não tinha dinheiro.
Suspirei, abraçando os joelhos, observando as crianças rirem enquanto escolhiam os sabores. Elas pareciam tão livres, tão alheias ao peso do mundo.
— Que calor, né?
A voz masculina soou ao meu lado, interrompendo meus pensamentos. Me virei devagar e encontrei um homem parado ali, olhando para mim com um sorriso despreocupado.
Ele era lindo. Lindo de um jeito natural, sem precisar de esforço. O cabelo castanho bagunçado, os olhos brilhantes e uma expressão leve, como se a vida fosse apenas uma grande brincadeira. Seu sorriso era a primeira coisa que notei — grande, sincero, e com covinhas tão fundas que pareciam esculpidas na pele.
— Que tal um sorvete? — ele perguntou, apontando com a cabeça para o carrinho.
Pisquei algumas vezes, surpresa.
— O quê?
— Um sorvete. — Ele repetiu, como se fosse óbvio. — Parece que você quer um, mas não tem dinheiro.
Engoli em seco, um pouco desconfiada.
— E por que você está me oferecendo um sorvete?
Ele riu baixo, enfiando as mãos nos bolsos da calça esportiva.
— Porque eu estava correndo, como sempre faço, e vi uma estrela sentada nesse banco, perdida. Então, resolvi resgatar essa estrela para mim.
Fiquei sem palavras por um momento. Que tipo de cara fala algo assim para uma estranha?
— Você… está tentando me conquistar? — perguntei, arqueando uma sobrancelha.
Ele sorriu mais, e as covinhas ficaram ainda mais evidentes.
— Quem sabe? — respondeu, piscando. — Mas, por enquanto, só quero te dar um sorvete.
Cruzei os braços, tentando ignorar o calor repentino no meu rosto. Ele parecia tão à vontade, tão diferente de qualquer pessoa que eu conhecia. Era como se o mundo ao redor dele fosse sempre mais leve.
— Qual é o seu nome? — perguntei, desconfiada.
— Ethan. — Ele estendeu a mão, esperando que eu a apertasse.
Hesitei por um momento, mas, no final, aceitei o cumprimento. Sua mão era quente, firme, e o toque foi rápido demais para que eu me acostumasse.
— E você?
— Vic.
Ele me estudou por um instante, como se estivesse tentando decorar meu nome em sua mente.
— Vic. — Ele repetiu, testando como soava. — Gostei.
Revirei os olhos, mas não consegui evitar um pequeno sorriso.
— Você sempre sai por aí oferecendo sorvete para garotas aleatórias que parecem perdidas?
Ele deu de ombros.
— Só para aquelas que brilham sem perceber.
Eu ri, e foi estranho. Depois de tanto tempo presa dentro da minha própria mente, sentindo o peso de tudo, um simples estranho conseguiu me arrancar uma risada.
— Certo, Ethan. Eu aceito o sorvete.
Ele sorriu, satisfeito, e caminhou até o carrinho. Fiquei observando enquanto ele escolhia os sabores, conversando animadamente com o vendedor, como se fossem amigos de longa data. Quando voltou, me entregou um sorvete de chocolate e baunilha.
— Como soube que gosto de chocolate?
— Chutei. Mas todo mundo gosta de chocolate.
Aceitei o sorvete, sentindo o frio da casquinha nos meus dedos, e dei a primeira lambida. Era doce, cremoso, e por um momento esqueci completamente de tudo que me afligia.
— Então, Vic… — Ethan se sentou ao meu lado no banco, mordendo seu próprio sorvete de morango. — Por que você estava tão perdida?
Minha língua parou no meio do caminho.
Ele não perguntou "você está bem?", porque sabia que essa pergunta era fácil de mentir. Perguntou algo mais difícil.
Suspirei, olhando para o céu.
— Só precisava sair de casa.
— Família?
Assenti, sem precisar explicar. Ele apenas acenou com a cabeça, como se entendesse.
— Acho que todo mundo precisa fugir um pouco de vez em quando.
Ficamos em silêncio por um momento, apenas saboreando o sorvete e observando as pessoas ao redor. Pela primeira vez em muito tempo, o silêncio não parecia pesado.
Ethan então bateu levemente o ombro no meu.
— Eu costumo correr por aqui todos os dias. Se precisar fugir de novo, pode me encontrar.
Olhei para ele, surpresa.
— Você nem me conhece.
— E você também não me conhece. — Ele sorriu. — Mas aceitou meu sorvete. Isso já é um bom começo.
Eu ri de novo, mais suave dessa vez.
Talvez, só talvez, fugir um pouco não fosse tão ruim assim.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 21
Comments