Meu nome é Victoria, mas todo mundo me chama de Vic. Talvez porque seja mais curto, ou talvez porque ninguém tenha paciência para dizer meu nome inteiro. Eu já me acostumei. Eu me acostumo com muitas coisas. Me acostumei a estar sempre em segundo plano. Me acostumei a engolir palavras. Me acostumei a sentir esse vazio dentro do peito e fingir que está tudo bem.
Estou na janela do meu quarto, no segundo andar, observando a rua. O vidro está gelado sob meus dedos. Lá fora, a vida continua como se nada estivesse errado. Como se o mundo não estivesse desmoronando dentro de mim.
Um garoto passa pedalando uma bicicleta. Ele não olha para cima, não percebe minha existência. Só segue em frente, como se a vida fosse simples, como se cada pedalada fosse suficiente para levá-lo para longe de tudo. Eu queria ter essa mesma liberdade. Mas estou presa.
Dentro de casa, o silêncio dura pouco.
— Você não faz nada o dia inteiro! — A voz do meu pai explode pela casa, alta o suficiente para atravessar as paredes.
Fecho os olhos. Mais uma vez. Sempre a mesma coisa.
— Você acha que a vida é o quê, Victoria? — Ele me chama pelo nome inteiro, como se quisesse me punir só com isso. — Eu trabalho, eu pago as contas, e você? Você só fica nesse quarto, olhando pela janela feito uma condenada!
Mordo o lábio. Quero responder, mas pra quê? Ele nunca escuta. Ninguém nunca escuta.
— Você tem tudo! Roupa, comida, internet, um teto sobre a cabeça! O mínimo que poderia fazer é ser grata!
Gratidão. Essa palavra pesa mais do que deveria. Eu deveria ser grata? Por existir? Por ter uma casa onde me sinto sufocada? Por ter pais que me tratam como um fardo?
Aperto os dedos na borda da janela. Meus olhos seguem o garoto da bicicleta, agora diminuindo a velocidade ao virar a esquina. Ele não sabe o quanto eu queria estar no lugar dele. Pedalando. Fugindo. Indo para qualquer lugar onde eu não precisasse ser apenas "grata".
— Eu não estou pedindo nada, pai — murmuro, a voz trêmula.
— Exatamente! Esse é o problema! Você não quer nada, não faz nada!
Engulo em seco. A verdade é que eu quero. Eu quero sumir. Quero silêncio. Quero um mundo onde eu não precise me desculpar por ser quem sou.
Lá fora, o garoto desaparece na curva. E eu continuo aqui. Ainda presa.
Meu pai não desiste fácil. Ele nunca desiste. É como se cada palavra que eu não respondo fosse um convite para ele gritar mais alto.
— Sabe o que me irrita mais, Victoria? Você se tranca nesse quarto como se fosse a dona da verdade! Como se estivesse acima de tudo!
Aperto os olhos. Não estou acima de nada. Se estivesse, não me sentiria tão pequena.
— O mundo não vai girar ao seu redor! — Ele continua, andando pela casa como um animal enjaulado. — Eu trabalho o dia inteiro e, quando chego, tudo o que vejo é uma filha que não levanta um dedo pra nada!
O barulho dos passos dele ecoa no andar de baixo. O som dos móveis sendo arrastados, do copo batendo com força na mesa. Sei exatamente o que ele está fazendo. Sei que vai abrir uma cerveja, reclamar mais um pouco, bufar alto e depois sair batendo a porta. É sempre assim.
— Por que você simplesmente não faz alguma coisa? Sai desse quarto! Sai dessa casa! Vai arrumar um emprego, estudar, qualquer coisa!
Inspiro fundo, tentando ignorar o aperto no peito. Minha mão ainda está apoiada no vidro da janela, fria como os sentimentos que carrego. Lá fora, o silêncio parece um convite.
Viro as costas para a janela e caminho até a porta do quarto. Cada passo pesa como se estivesse me forçando a atravessar um campo minado. Desço as escadas devagar, sentindo a tensão pairando no ar.
Quando chego à sala, o cheiro amargo de cerveja ainda está impregnado no ambiente, mas ele não está mais ali. A televisão está ligada, a lata vazia jogada sobre a mesa de centro. A porta da frente, entreaberta.
Me aproximo devagar, empurrando a porta com os dedos. A garagem está vazia. Ele saiu.
Solto o ar preso nos pulmões. Ele se foi. Por quanto tempo, eu não sei. Mas, por enquanto, o silêncio é meu.
Fiquei parada na sala por um tempo, olhando para a porta aberta e a garagem vazia. Meu pai tinha ido embora, mas o peso das palavras dele ainda estava aqui, latejando no meu peito como uma ferida aberta.
Pensei em sair, de verdade. Mas sair para onde? Não tinha para onde ir, ninguém para ver, nada para fazer. Então, em vez de simplesmente sumir, fiz o que restava: caminhei.
Peguei um casaco leve e saí pela porta da frente, sentindo o vento quente da tarde bater no meu rosto. As ruas do bairro estavam calmas, os pássaros cantavam nos fios de eletricidade, e algumas crianças brincavam de bicicleta na esquina. O mesmo garoto da bicicleta de antes passou por mim, sem olhar, pedalando como se nada no mundo pudesse detê-lo.
Minhas pernas me levaram até a pracinha do bairro, um lugar pequeno, mas com bancos velhos e árvores que forneciam sombra. Não era um lugar especial, mas era silencioso o suficiente para que eu pudesse respirar sem sentir o peso da casa sobre meus ombros.
Sentei-me em um dos bancos, observando o mundo ao meu redor. Do outro lado da praça, um carrinho de sorvete estava estacionado, e o vendedor, um senhor de idade, sorria para algumas crianças que compravam seus doces. O cheiro doce do açúcar misturava-se com o calor do dia, e minha boca chegou a salivar ao imaginar o gosto refrescante de um sorvete.
Mas eu não tinha dinheiro.
Suspirei, abraçando os joelhos, observando as crianças rirem enquanto escolhiam os sabores. Elas pareciam tão livres, tão alheias ao peso do mundo.
— Que calor, né?
A voz masculina soou ao meu lado, interrompendo meus pensamentos. Me virei devagar e encontrei um homem parado ali, olhando para mim com um sorriso despreocupado.
Ele era lindo. Lindo de um jeito natural, sem precisar de esforço. O cabelo castanho bagunçado, os olhos brilhantes e uma expressão leve, como se a vida fosse apenas uma grande brincadeira. Seu sorriso era a primeira coisa que notei — grande, sincero, e com covinhas tão fundas que pareciam esculpidas na pele.
— Que tal um sorvete? — ele perguntou, apontando com a cabeça para o carrinho.
Pisquei algumas vezes, surpresa.
— O quê?
— Um sorvete. — Ele repetiu, como se fosse óbvio. — Parece que você quer um, mas não tem dinheiro.
Engoli em seco, um pouco desconfiada.
— E por que você está me oferecendo um sorvete?
Ele riu baixo, enfiando as mãos nos bolsos da calça esportiva.
— Porque eu estava correndo, como sempre faço, e vi uma estrela sentada nesse banco, perdida. Então, resolvi resgatar essa estrela para mim.
Fiquei sem palavras por um momento. Que tipo de cara fala algo assim para uma estranha?
— Você… está tentando me conquistar? — perguntei, arqueando uma sobrancelha.
Ele sorriu mais, e as covinhas ficaram ainda mais evidentes.
— Quem sabe? — respondeu, piscando. — Mas, por enquanto, só quero te dar um sorvete.
Cruzei os braços, tentando ignorar o calor repentino no meu rosto. Ele parecia tão à vontade, tão diferente de qualquer pessoa que eu conhecia. Era como se o mundo ao redor dele fosse sempre mais leve.
— Qual é o seu nome? — perguntei, desconfiada.
— Ethan. — Ele estendeu a mão, esperando que eu a apertasse.
Hesitei por um momento, mas, no final, aceitei o cumprimento. Sua mão era quente, firme, e o toque foi rápido demais para que eu me acostumasse.
— E você?
— Vic.
Ele me estudou por um instante, como se estivesse tentando decorar meu nome em sua mente.
— Vic. — Ele repetiu, testando como soava. — Gostei.
Revirei os olhos, mas não consegui evitar um pequeno sorriso.
— Você sempre sai por aí oferecendo sorvete para garotas aleatórias que parecem perdidas?
Ele deu de ombros.
— Só para aquelas que brilham sem perceber.
Eu ri, e foi estranho. Depois de tanto tempo presa dentro da minha própria mente, sentindo o peso de tudo, um simples estranho conseguiu me arrancar uma risada.
— Certo, Ethan. Eu aceito o sorvete.
Ele sorriu, satisfeito, e caminhou até o carrinho. Fiquei observando enquanto ele escolhia os sabores, conversando animadamente com o vendedor, como se fossem amigos de longa data. Quando voltou, me entregou um sorvete de chocolate e baunilha.
— Como soube que gosto de chocolate?
— Chutei. Mas todo mundo gosta de chocolate.
Aceitei o sorvete, sentindo o frio da casquinha nos meus dedos, e dei a primeira lambida. Era doce, cremoso, e por um momento esqueci completamente de tudo que me afligia.
— Então, Vic… — Ethan se sentou ao meu lado no banco, mordendo seu próprio sorvete de morango. — Por que você estava tão perdida?
Minha língua parou no meio do caminho.
Ele não perguntou "você está bem?", porque sabia que essa pergunta era fácil de mentir. Perguntou algo mais difícil.
Suspirei, olhando para o céu.
— Só precisava sair de casa.
— Família?
Assenti, sem precisar explicar. Ele apenas acenou com a cabeça, como se entendesse.
— Acho que todo mundo precisa fugir um pouco de vez em quando.
Ficamos em silêncio por um momento, apenas saboreando o sorvete e observando as pessoas ao redor. Pela primeira vez em muito tempo, o silêncio não parecia pesado.
Ethan então bateu levemente o ombro no meu.
— Eu costumo correr por aqui todos os dias. Se precisar fugir de novo, pode me encontrar.
Olhei para ele, surpresa.
— Você nem me conhece.
— E você também não me conhece. — Ele sorriu. — Mas aceitou meu sorvete. Isso já é um bom começo.
Eu ri de novo, mais suave dessa vez.
Talvez, só talvez, fugir um pouco não fosse tão ruim assim.
Ethan sorriu, aquele sorriso grande que parecia iluminar tudo ao redor, e deu mais uma mordida no sorvete. Ele não parava quieto, mexia os pés, gesticulava muito enquanto falava, como se sua energia fosse infinita.
— Sabe, Vic, eu sou daquele tipo de pessoa que as pessoas acham meio exagerada. Eu rio alto, falo muito, brinco o tempo todo… Acho que nasci pra ser assim, meio caótico.
Ele girou o palito do sorvete entre os dedos e continuou:
— Minha mãe diz que, quando eu era criança, eu entrava em qualquer lugar e começava a conversar com todo mundo, até com estranhos. Uma vez, eu me perdi no shopping e, quando me encontraram, eu estava numa loja contando piada para um grupo de velhinhos.
Eu soltei um riso fraco, balançando a cabeça.
— Então você sempre foi assim?
— Sempre! — Ele abriu os braços, como se estivesse mostrando algo grandioso. — Eu sou aquele cara que puxa assunto até com o caixa do supermercado, que cumprimenta as pessoas na rua mesmo sem conhecer, que dança no meio da praça se tocar uma música boa. A vida é curta demais pra ficar quieto, sabe?
Olhei para ele, tentando entender como alguém podia ter tanta energia. Ele parecia elétrico, vibrante, como se o mundo fosse feito para ser vivido intensamente a cada segundo.
— E as pessoas gostam disso?
Ele deu de ombros.
— Algumas sim, outras não. Tem gente que me acha irritante, acha que eu falo demais, que não levo nada a sério. Mas eu levo. Eu só prefiro rir das coisas do que me afundar nelas.
Ele me olhou de lado, como se estivesse tentando me ler.
— Você é diferente de mim, né?
— Como assim?
— Você é mais fechada, mais séria. Parece que carrega o mundo nos ombros.
Suspirei, desviando o olhar.
— Talvez porque eu carregue.
— Hmm… — Ele fez um som pensativo, lambendo o sorvete. — Então talvez eu tenha que te ensinar a soltar um pouco esse peso.
Fiquei em silêncio, sem saber como responder. Ethan não parecia o tipo de pessoa que aceitava tristeza ao seu redor. Ele era barulhento, expansivo, cheio de vida. E eu? Eu só existia.
— Qual foi a última vez que você fez algo espontâneo? — Ele perguntou, inclinando-se na minha direção.
— O quê?
— Algo sem planejar, sem pensar demais. Algo só porque deu vontade.
Pensei por um momento, mas não consegui encontrar uma resposta.
— Sabia! — Ele apontou para mim, animado. — Você pensa demais.
— E isso é ruim?
— Não é ruim, mas às vezes é chato. — Ele riu. — Eu sou o tipo de pessoa que acorda e decide que vai fazer algo maluco no dia. Tipo comprar um bilhete de loteria mesmo sabendo que nunca ganho nada. Ou sair correndo na chuva só porque parece cena de filme.
Eu o observei, intrigada.
— Você já fez isso?
— O quê?
— Correr na chuva?
— Claro! — Ele sorriu, os olhos brilhando. — Já fiz várias vezes. Uma vez, no meio de uma tempestade, saí correndo pela rua só pra sentir a água batendo no rosto. Minha mãe quase teve um ataque quando me viu todo encharcado. Mas valeu a pena.
Eu ri baixinho.
— Você é mesmo um louco.
— E você deveria experimentar um pouco de loucura também.
— Ah é? E como você sugere que eu faça isso?
Ele se levantou de repente, animado.
— Levanta.
— O quê?
— Vamos fazer algo aleatório agora.
— Agora?
— Agora!
Eu o encarei, hesitante. Ethan era do tipo que não aceitava um "não" como resposta.
— O que você tem em mente?
Ele olhou ao redor, pensativo, depois abriu um sorriso travesso.
— Vamos correr até aquela árvore ali. Quem chegar por último paga outro sorvete amanhã.
— Você quer que eu corra com você?
— Sim. — Ele me puxou pela mão, me fazendo levantar do banco. — Vem, Vic!
— Mas eu nem concordei com isso!
— Concordou sim! E se não concordou, agora já é tarde.
Antes que eu pudesse protestar, ele começou a correr.
E, contra toda a lógica, contra tudo que minha mente normalmente me mandaria fazer, eu corri atrás dele.
E pela primeira vez em muito tempo, senti o peso nos meus ombros ficar um pouco mais leve.
Depois de corrermos até a árvore, Ethan parou, rindo e ofegante, enquanto eu tentava recuperar o fôlego.
— Eu ganhei! — Ele ergueu os braços, triunfante. — Isso significa que você me deve um sorvete amanhã.
Cruzei os braços, fingindo irritação.
— Você me enganou. Eu nem tive tempo de concordar.
Ele deu de ombros, rindo.
— A vida é assim, Vic. Às vezes, você só tem que correr antes de pensar.
Eu balancei a cabeça, mas não consegui evitar um pequeno sorriso. Ele era diferente de qualquer pessoa que eu já tinha conhecido.
— Bom, eu preciso ir agora. — Ele ajeitou a postura e deu um passo para trás. — Mas espero você aqui amanhã, hein. Quero meu sorvete.
— Veremos. — Falei, tentando soar indiferente, mas ele percebeu meu tom e sorriu de novo.
— Eu sabia que você gostou da companhia.
Antes que eu pudesse responder, ele virou-se e começou a caminhar, jogando a mão para o alto num aceno despreocupado.
Fiquei parada ali por um momento, observando-o se afastar. Meu coração batia um pouco mais rápido do que o normal, e eu não tinha certeza se era pelo cansaço da corrida ou pelo efeito que Ethan estava causando em mim.
Ele é lindo.
O pensamento veio do nada, e minhas bochechas esquentaram imediatamente.
Ele é lindo e encantador.
Balancei a cabeça, tentando afastar a ideia, mas era impossível. Ele tinha um jeito de iluminar tudo ao redor, como se carregasse o próprio sol dentro de si.
Enquanto voltava para casa, minha mente estava cheia dele. Do seu sorriso grande, da forma como ria, do jeito que falava como se fosse impossível alguém ficar triste perto dele. E, de alguma forma, eu não conseguia parar de pensar nisso.
Quando percebi, já estava na frente de casa. A garagem estava ocupada novamente. Meu pai já tinha voltado.
Respirei fundo e entrei.
O barulho da porta se fechando chamou sua atenção. Ele estava na sala, sentado no sofá, olhando para mim com uma expressão severa.
— Onde você estava?
— Andando.
— Andando? A essa hora?
Assenti, tentando evitar uma discussão, mas já era tarde.
— Você sabe que você é doente, Victoria. — A voz dele saiu carregada de irritação. — E fica saindo assim? Se você pega um resfriado?
Revirei os olhos.
— Pai, eu só fui caminhar…
— Isso não importa! — Ele bufou, se levantando. — Você nunca se cuida direito. Suba e vá tomar seus remédios.
Cruzei os braços, encarando-o.
— Eu não preciso…
— Eu disse para subir, Vic.
Segurei a vontade de responder algo pior. Não valia a pena. Então, apenas virei as costas e subi as escadas.
Mas, mesmo com toda a raiva e frustração que ele me fazia sentir, minha mente ainda estava presa na pracinha, no sorvete, no jeito que Ethan tinha me feito rir.
Subi as escadas em silêncio, fechando a porta do quarto atrás de mim e soltando um suspiro pesado. Joguei-me na cama, encarando o teto. Minha mente ainda estava lá, na pracinha, no sorvete derretendo entre meus dedos, no sorriso de Ethan que parecia iluminar tudo ao redor.
Meus lábios se curvaram levemente sem que eu percebesse.
Mas meu momento de devaneio foi interrompido por uma batida suave na porta. Antes que eu pudesse responder, minha mãe entrou.
— Vic, querida… — A voz dela era suave, doce, como sempre. Ela fechou a porta atrás de si e veio até mim, sentando-se na beira da cama. — Onde você estava?
Diferente do meu pai, a pergunta dela não veio carregada de acusação, e sim de preocupação genuína.
— Eu fui na pracinha… — murmurei, abraçando um travesseiro.
Ela arqueou uma sobrancelha, curiosa.
— Sozinha?
Hesitei por um segundo, depois soltei um suspiro e confessei:
— Conheci um garoto lá.
Os olhos dela se iluminaram instantaneamente, e um sorriso largo surgiu em seu rosto.
— Um garoto? — Ela repetiu, animada. — E ele é bonito?
Balancei a cabeça, rindo um pouco.
— Ele é lindo, mãe. Lindo e… encantador.
Minha mãe juntou as mãos, claramente feliz com a novidade.
— Ai, meu Deus, minha filha finalmente conheceu alguém!
— Mãe… — Revirei os olhos, mas não pude evitar sorrir.
Ela segurou minhas mãos, olhando para mim com ternura.
— Isso é maravilhoso, Vic. Você sempre fica tão fechada, tão dentro de si mesma… Fico feliz que tenha conhecido alguém que te fez sair um pouco da sua bolha.
Suspirei, desviando o olhar.
— Mas o papai não entende…
O sorriso dela diminuiu um pouco, mas a doçura permaneceu em sua expressão.
— Seu pai… bom, ele é explosivo assim mesmo. — Ela acariciou meu cabelo. — Mas é o jeito dele. No fundo, ele só quer o seu bem, mesmo que não saiba demonstrar isso da melhor forma.
Fiquei em silêncio, mordendo o lábio.
— Ele acha que eu sou doente.
Ela suspirou, balançando a cabeça.
— Ele se preocupa demais, Vic. Mas eu sei que você é forte.
Assenti, sem saber exatamente o que dizer. Então, para mudar de assunto, perguntei:
— O Kim já chegou?
O rosto da minha mãe mudou ligeiramente, e ela suspirou.
— Não… Desde de manhã ele saiu.
— Ele anda sumido.
— Ele deve estar trabalhando muito naquela empresa, a C.M.J. — Ela sorriu, orgulhosa. — Estou tão feliz por ele ter conseguido esse emprego.
Fiquei encarando minha mãe por um momento. Ela realmente brilhava quando falava de Kim, como se ele fosse um exemplo perfeito a ser seguido.
— A C.M.J. é uma empresa grande, não é?
— Sim! Uma das melhores do ramo. Ele sempre foi tão esforçado… Desde pequeno, Kim sempre sonhou grande, e agora está realizando tudo isso.
A maneira como ela falava dele me fez sentir… pequena. Kim era o filho perfeito. O orgulho da família. Enquanto isso, eu… bem, eu era só Vic.
Minha mãe percebeu minha expressão e apertou minha mão.
— Você também tem seu caminho, querida.
Assenti, mas por dentro, eu não tinha tanta certeza disso.
Minha mente ainda estava na pracinha, em Ethan, em como ele fazia tudo parecer mais leve. Talvez, só talvez, ele fosse um pequeno desvio na estrada que eu precisava.
A noite chegou, e com ela veio o jantar em família. A mesa estava posta, e minha mãe, como sempre, se encarregava de servir todos com um sorriso no rosto.
Meu pai sentou-se na cabeceira, imponente como sempre, enquanto Kim se acomodava ao meu lado. Ele chegou pouco antes do jantar, com a mesma postura de sempre – impecável, confiante, um verdadeiro modelo de sucesso.
— Então, Kim… — Meu pai começou, cortando um pedaço da carne no prato. — Como está sendo trabalhar no escritório da maior empresa de tecnologia do país?
Kim sorriu de lado, aquele sorriso calculado que sempre fazia parecer que ele tinha tudo sob controle.
— Está sendo uma experiência incrível. A C.M.J. tem uma estrutura impecável, os projetos que estamos desenvolvendo são de ponta, e estou aprendendo muito.
Meu pai acenou com a cabeça, satisfeito.
— Isso é o que eu gosto de ouvir. Um homem responsável, trabalhando duro, construindo o próprio futuro.
Minha mãe sorriu orgulhosa, servindo mais arroz no prato de Kim. Eu fiquei em silêncio, apenas ouvindo, como sempre.
— Hoje tivemos uma reunião sobre inteligência artificial aplicada à segurança digital. — Kim continuou, como se fosse um verdadeiro homem de negócios. — O mercado está crescendo rápido, e a empresa quer se manter na frente.
— Impressionante. — Meu pai murmurou, os olhos brilhando de orgulho.
E então, como sempre, ele se virou para mim.
— Você deveria seguir o exemplo do seu irmão, Victoria.
Eu já sabia que isso viria. Sempre vinha.
— Ele está construindo algo para o futuro, e você? O que tem feito? Além de se trancar no quarto e sair sem rumo?
Soltei um suspiro, largando os talheres.
— Pai…
— Não, eu quero saber. — Ele insistiu, cruzando os braços. — Você não acha que já passou da hora de tomar uma atitude na sua vida? Olha o seu irmão, veja como ele está crescendo, aprendendo, se tornando um adulto de verdade.
Minha mãe olhou para mim, preocupada, mas não interveio.
Foi Kim quem quebrou o silêncio.
— Pai…
Meu pai ergueu uma sobrancelha.
— O que foi?
— Você não precisa pegar no pé da Vic desse jeito. — Kim disse com um tom tranquilo, mas firme. — Desde criança você faz isso, mas sabe que isso só a afasta mais, né?
Meu pai apertou os lábios, visivelmente desconfortável. Ele não gostava de ser contestado, mas também não queria discutir com Kim.
— Não estou pegando no pé dela. Só quero que ela tenha um futuro decente.
— E ela terá. — Kim olhou para mim e piscou um olho de leve, como se quisesse dizer "eu estou aqui".
Meu pai bufou, pegando o copo de água.
— Vamos encerrar esse assunto.
A conversa mudou para outros temas, e o jantar seguiu normalmente. Mas, por dentro, eu sentia uma mistura de gratidão e peso.
Kim sempre me defendia. Desde criança. Mas até quando eu precisaria disso?
Já era tarde quando ouvi uma batida leve na porta do meu quarto. Não precisei perguntar quem era.
— Entra, Kim.
A porta se abriu devagar, e lá estava ele, meu irmão, com a expressão tranquila de sempre, mas com aquele olhar que dizia que ele sabia exatamente o que eu estava sentindo. Ele entrou sem cerimônia e se jogou na beira da minha cama, soltando um suspiro cansado.
— Foi um dia longo, hein?
— Sempre é. — Respondi, abraçando meus joelhos.
Ele ficou em silêncio por um momento, depois virou o rosto para mim, um pequeno sorriso no canto dos lábios.
— Você sabe que está tudo bem, né?
Olhei para ele, sem responder.
— Pai sempre foi assim, Vic. E ele nunca vai mudar. Mas eu estou aqui. Eu sempre estive.
Suspirei, encarando minhas mãos.
— Mas até quando? Você já tem sua própria vida, seu trabalho…
— Até o fim do mundo, se for preciso. — Ele interrompeu, a voz firme. — Nada vai nos separar, Vic. Nem o trabalho, nem o papai, nem a mamãe.
Engoli em seco, sentindo uma pontada no peito.
— Você sempre diz isso.
— E sempre vou dizer. — Ele riu baixinho, bagunçando meu cabelo de leve. — Você é minha irmã. Minha responsabilidade.
— Isso soa cansativo.
— Às vezes é. — Ele brincou, e eu revirei os olhos. — Mas, sério, Vic… você não está sozinha. Nunca esteve.
Fiquei olhando para ele, sentindo um conforto silencioso crescer dentro de mim. Kim sempre foi assim, desde que éramos crianças. Sempre aparecia nos momentos certos, sempre me protegia, sempre me lembrava que eu não precisava carregar o peso do mundo sozinha.
Ele bocejou, espreguiçando-se.
— Bom, eu vou pro meu quarto. Amanhã tenho mais um dia cheio naquela empresa que o papai tanto ama.
Sorri de canto.
— Vai lá, Sr. Homem de Negócios.
Ele riu, se levantou e caminhou até a porta, mas antes de sair, olhou para mim mais uma vez.
— Boa noite, estrela.
Fiquei olhando para a porta fechada por alguns segundos.
Capítulo 3 - Manhãs Cinzentas e Um Encontro Marcado
Acordei com o som distante do despertador no quarto de Kim. Ele sempre esquecia de desligá-lo antes de sair para o trabalho.
O sol da manhã entrava pela fresta da cortina, mas o dia estava nublado, carregado de tons acinzentados. Suspirei, esticando-me na cama antes de finalmente me levantar. Minha rotina matinal era quase mecânica: lavar o rosto, escovar os dentes, prender o cabelo em um coque bagunçado.
Quando desci as escadas, minha mãe já estava na cozinha, preparando o café. O cheiro de pão recém-torrado e café forte enchia o ar.
— Bom dia, querida. Dormiu bem? — Ela sorriu quando me viu entrar.
— Dormi, sim. — Respondi, sentando-me à mesa.
— Kim já saiu. — Ela comentou, colocando uma xícara de café na minha frente. — Ele disse que hoje o dia seria cheio na empresa.
— Como sempre. — Murmurei, pegando um pedaço de pão.
Minha mãe se sentou à minha frente, pegando sua própria xícara de café. Seus olhos doces me observaram por um momento antes de ela falar.
— E você? O que vai fazer hoje?
Parei por um instante. Ethan. O sorvete. O sorriso dele.
— Eu… talvez vá dar uma volta na pracinha.
Ela sorriu, como se já soubesse exatamente o motivo.
— Ah, entendi.
— Entendeu o quê? — Perguntei, desconfiada.
— Nada, nada. — Ela balançou a cabeça, divertida.
Terminei meu café em silêncio, tentando ignorar a forma como minha mãe me olhava como se estivesse prestes a me provocar sobre Ethan. Quando terminei, me levantei da mesa, pronta para sair.
— Não vai esperar seu pai? — Ela perguntou, franzindo o cenho.
— Não estou afim de mais um sermão logo de manhã. — Suspirei, pegando minha jaqueta.
Ela não insistiu. Talvez porque soubesse que, mesmo que tentasse, eu não ficaria.
O caminho até a pracinha era calmo, com o vento fresco da manhã soprando contra meu rosto. O dia estava meio nublado, e as ruas estavam tranquilas. Desde que saí de casa, eu tentava ignorar os pensamentos sobre o jantar da noite passada, sobre meu pai e suas comparações, sobre Kim sempre tendo que intervir.
Mas, por algum motivo, uma outra coisa insistia em ocupar minha mente: Ethan.
Eu ainda conseguia ver seu sorriso em minha cabeça, ouvir a forma descontraída como ele falava, como se nada no mundo pudesse realmente abalá-lo. Ele era diferente de qualquer pessoa que eu já tivesse conhecido.
Quando cheguei à pracinha, meus olhos o procuraram automaticamente.
E lá estava ele.
Mas, diferente do que eu esperava, ele não estava correndo.
Ele estava agachado ao lado de um cachorro.
A cena me pegou desprevenida. Ethan estava ali, brincando com um cachorro grande, de pelo claro e rabo balançando freneticamente. Ele ria enquanto o cachorro tentava pegar algo de sua mão.
Antes que eu pudesse me aproximar, ele olhou para o lado e me viu.
O sorriso dele surgiu no mesmo instante.
— Vic! Achei que você não vinha.
— Eu disse que talvez viesse. — Respondi, cruzando os braços.
— "Talvez" é só uma forma educada de dizer "sim, mas não quero admitir".
Revirei os olhos, mas me aproximei. Foi então que percebi o cachorro me observando com curiosidade.
— E quem é esse? — Perguntei, apontando para o animal.
Ethan sorriu orgulhoso, coçando a cabeça do cachorro.
— Esse é Biscoito.
Franzi a testa.
— Você deu o nome de "Biscoito" para um cachorro?
— Claro! — Ele disse, como se fosse óbvio. — Ele ama biscoitos. E ele se parece com um biscoito gigante, não acha?
Olhei para o cachorro. Ele era grande, peludo e de olhos castanhos brilhantes.
— Bom… talvez um pouco.
Ethan riu, passando a mão pelo pelo do cachorro.
— Eu sempre o trago para passear de manhã. Ele gosta de correr tanto quanto eu.
— Parece que vocês têm muito em comum. — Comentei.
— Somos praticamente almas gêmeas. — Ele piscou.
O cachorro abanou o rabo e latiu animado, como se confirmasse o que Ethan dizia.
— Você quer dar um petisco para ele? — Ethan perguntou, pegando um biscoito de dentro do bolso.
Hesitei.
— Ele não vai me morder?
Ethan fingiu uma expressão séria.
— Bom, às vezes ele ataca estranhos…
Dei um passo para trás, mas ele riu alto.
— Brincadeira! Biscoito é o cachorro mais dócil do mundo.
Bufei, pegando o petisco da mão dele e estendendo para o cachorro. Biscoito o pegou gentilmente, balançando o rabo com entusiasmo.
— Viu? — Ethan disse, sorrindo. — Ele gostou de você.
— Ele só gostou porque eu dei comida.
— Bom, as melhores amizades começam assim.
Revirei os olhos, mas não consegui evitar um pequeno sorriso.
— Você sempre tenta deixar tudo mais leve, né?
— Alguém tem que fazer isso. — Ele sorriu. — Se eu não deixar as coisas leves, quem vai?
Suspirei, encarando o chão.
— Acho que queria ser assim também.
Ethan bateu no meu ombro de leve.
— Você pode ser. Só precisa parar de pensar tanto e viver um pouco mais.
Ficamos em silêncio por alguns instantes, apenas observando Biscoito correr pela grama.
— E você? — Perguntei, quebrando o silêncio.
— O que tem eu?
— Sua família. Sua vida. Você tem essa energia toda o tempo todo, mas e quando você está sozinho?
Ele ficou quieto por um momento, depois sorriu, mas dessa vez seu sorriso foi um pouco mais contido.
— Minha família é… boa. — Ele disse, escolhendo as palavras com cuidado. — Mas eles não são como a sua. Eu meio que aprendi a lidar com tudo sozinho desde cedo.
Houve algo na forma como ele falou que me fez entender que ele não queria se aprofundar muito no assunto.
Então, não pressionei.
Ele então puxou a coleira de Biscoito e se levantou.
— Bom… — Ele me olhou de lado. — Sobre aquele sorvete que você me deve…
Arqueei uma sobrancelha.
— Você realmente quer um sorvete de manhã?
— Sorvete é bom a qualquer hora.
Bufei, me levantando também.
— Você é impossível.
— E você está sorrindo de novo.
Abaixei a cabeça, sentindo minhas bochechas ficarem levemente quentes.
Talvez Ethan tivesse razão.
Talvez eu realmente precisasse viver um pouco mais.
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