Capítulo 17

— É seu dever cuidar da sua alcateia — Yan continuou. — E não os deixar inquietos e temerosos como estão. Mesmo papai, um dos alfas mais poderosos que já tivemos, deixou uma carta escrita de próprio punho para evitarmos Linaet a todo custo.

Talvez fosse a qualidade ambígua de Yan que o levasse, instintivamente, a esconder o que sentia por Cibele. Contudo, não teria se importado de confessar o quanto preferia em ser um Beta em lugar de Alfa e dizer com exatidão suas motivações em relação a Cibele. Havia algo um tanto indecoroso nessa oposição à tradição da família. O irmão entenderia como fraqueza, pois Yan sempre estava disposto em encontrar nele mesmo a menor das falhas. E Pierre conscientizava-se de que tinha muitas, milhares delas. Frequentemente se esgueiravam nos cantos escuros da mente, saltavam em imagens e cenas irresistíveis, e o fazia questionar-se se nasceu mesmo para liderá-los.

E sob o olhar tácito de Yan, meio malicioso meio terno, meio dourado meio azul, não podia ter dúvidas. Acompanhou Cibele por vários meses, acreditava conhecê-la bem, ao menos tão bem quanto poderia ante os limites estabelecidos, que naquela altura não mais existiam, e tampouco o aborreceriam. No fundo Pierre sempre soube, não somente pelo cheiro tão peculiar, velho como era, saltou de pontes em ruínas, viu cidades urbanas virarem pó, e previa com certa exatidão a natureza de homens e lobos. Por isso encontrou Lana, e mulheres bem mais propícias a serem Onnir do que conseguiram seus irmãos quando ele ainda não participava da caçada de acasalamento. Assim como previa ser incapaz de dizer “adeus”, de concordar com Yan e deixar Cibele partir.

E como se acordasse de um transe, notou que Yan, também, mergulhara em algum devaneio, mais visionário do que o seu, porque embora o irmão se fincasse no passado como uma árvore velha de raízes profundas, vislumbrava o futuro com tal precisão que o moldava com as próprias mãos. E de si mesmo esperava jamais quebrar os juramentos que há muito se encontravam entre os mortos.

— Não tem curiosidade em conhecê-la? — Pierre arriscou, amistoso. — De experimentar e ver com seus próprios sentidos àquilo que vovô nos deixou em suas estranhas poesias? Não tem a menor curiosidade de saber como é estar diante de alguém que pode te controlar? Que pode te aproximar do Deus Chacal?

— Sua semelhança com o vovô Aubin me aborrece, Pierre. Caminha pela mesma trilha de ruína que ele caminhou. Morrerá jovem se continuar com sua teimosia.

A tolerância de Yan o abandonava. A revelação de Cibele o desgastou. O irmão se mostrava num estado de espírito, conhecido por ambos, em que as diferenças de um e de outro distinguiam-se claramente, como se jamais tivessem sido dois filhotinhos a correr pelas encostas e rolar no vale em amáveis brincadeiras. E a necessidade de associação seria degradante, porque Pierre sentia naquele momento, como em tantos outros, que o laço afetuoso com Yan era um desejo só dele. E como se amarrasse ao pescoço, tal qual uma corda mágica, o machucava.

— E quanto a mordida de Vicente? — Yan recobrou-se.

— Se for Linaet, deve ser capaz de sobreviver até a lua cheia.

— Se fizermos com que Cibele beba do sangue de Olavi ou Arthur...

— Sim, as chances de que sobreviva serão maiores, mas não. Não a alimente de nós.

— Posso alimentá-la sem que Adruna perceba e as humanas não entenderão os motivos, passará desapercebido.

— Eu disse que não! — vociferou Pierre. — Não dê sangue para Cibele. Ela deve provar, como todas as outras terão, de que é uma Onnir.

— Se Cibele for mesmo Linaet pode dar um filhote a cada um dos Betas ao menos. É capaz de te dar uma prole, Pierre. Por que arriscar?

— Não... dê... sangue... para... Cibele. Fui claro? — Rosnou, furioso.

Yan balançou a cabeça em concordância.

— Vou tentar apaziguar os ânimos dos nossos irmãos, Pierre. Não demore em retornar.

— Não vou demorar. Só preciso espairecer.

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