Capítulo 11

Pierre a colocou sobre um altar de mármore no centro da câmara ampla e os estalos de ossos precederam a transformação de besta em homem. Os outros tentaram invadir, contudo, Pierre disse algo no idioma dos lobos, e eles se retiraram do recinto, não obstante, mantiveram-se por perto, trotando de um lado para o outro no corredor, arfando e choramingando como cachorrinhos.

Pierre se aproximou, as pontas dos dedos de Cibele escorregaram sobre o peito firme e definido, a pele macia, cálida, o corpo viril não demonstrava qualquer anormalidade. Arriscou-se e o afago escorreu para o abdômen, sobre o estômago, porém ele rosnou e sacudiu a cabeça em negativa. Ela insistiu e quando se aventurou a tocar a barriga, ele se afastou como um animal que protege a parte mais vulnerável do corpo. Pierre era um homem e um dos mais bonitos que já encontrou, e, no entanto, também era uma besta instintiva e selvagem.

— Não posso te tocar?

— Pode — respondeu Pierre e se reaproximou. Fechou as pálpebras quando os dedos de Cibele se enroscaram no cabelo macio.

Tão bonito. Dedilhou o rosto dele, seduzida, intrigada. Como da primeira vez que o viu sentado naquela poltrona azul na mansão de Arthur, atraente, irresistível. Entretanto, tratava-se de um sequestrador, de um monstro que a devoraria se não pudesse parir. Cibele nem queria estar ali, não que sua vida fosse das melhores, porém era livre, gostava de seu trabalho, das aventuras que vivia ao se enfiar em criptas, perambular em ruínas, escavar túmulos. Além disso, nada a ameaçava, não vivia sob medo constante e nunca quis ter filhos, menos ainda lobinhos monstrengos. Teria a raptado se fosse somente um homem? Teria a devorado se não fosse a possibilidade de ser uma Onnir? O quanto de humano havia em Pierre?

— Vocês têm sentimentos?

— Claro que temos — Pierre respondeu e apertou o nariz contra o dela.

— Você pode me amar como um humano me amaria?

— Não. Só posso te amar como um lobo te amaria.

— E é diferente?

— Totalmente.

— Não sou da sua espécie. Poderia me amar ainda assim?

— Se for uma Onnir...

— Se não for?

— Sou um Alfa, preciso de uma parceira saudável capaz de me dar filhotes.

Uma voragem se abriu entre eles. E Pierre a notou. E como se esforçasse para saltar a fenda gigantesca que os separava, as mãos ávidas agarraram-se ao rosto de Cibele. O que fazia?

— Sobreviva — Pierre apertou ainda mais o nariz contra o dela. — Não me desaponte. Não me prove errado.

Um pedido.

E o anseio.

Cibele o desejava. O cheiro viril, inconfundível. Feromônio? As bocas se encaixaram como se assim o destino determinasse, e provou do beijo dele. A saliva quente, a língua ardente, mais quente do que o corpo dela. E mesmo o beijo tinha sabor, contudo, nada que tivesse provado antes para assimilar. A saliva de Pierre tinha um gosto peculiar, agradável. Como se os fluidos dissessem ao seu paladar de que embora parecesse com um, não era um homem. Outra coisa. Gostoso e sensual. Mas, outra coisa.

E as emoções de Cibele não se assimilavam a uma simples atração sexual, ardiam e borbulhavam, como uma paixão incontrolável, em que nada mais no mundo importava senão estar nos braços de Pierre, saboreando a saliva exótica, a quentura desproporcional de seu corpo. Ela o desejava. E não só isso, não apenas isso, o queria para si. Dela. Algo como um amor ciumento e possessivo. O problema se dava ao fato de que Cibele nunca foi ciumenta e possessiva, e a estranheza desses sentimentos a fazia acreditar em sua teoria de hormônios de lobos imperceptíveis aos sentidos humanos.

Lembrou-se do que a Velha dissera sobre as Onnir. E todo o afago com o qual Pierre a acalentava poderia se transformar de uma hora para outra num instinto assassino e brutal, se alimentaria da carne dela e sequer se importaria em enterrar os ossos, talvez devorassem os humanos com ossos e tudo.

— Está com medo de novo — falou, calmo.

— Como sabe que estou com medo?

— Sinto o cheiro de cada emoção humana.

Sabia tanto sobre ela apenas pelo faro e por algum motivo incompreensível a constatação a entristeceu.

— Está triste também — parecia querer impressioná-la. — Deve estar pensando. Humanos pensam demais. Seriam mais sábios se pensassem menos e observassem mais. — Afagou a bochecha de Cibele. — Queria te dar um pouco de minha força, mas não há mais tempo.

Os uivos ecoaram e ribombaram no corredor. E Cibele tomou-se conta de que não estava num mundo de sonho, e nenhuma paixão afastou o temor que a tomou quando os lobos invadiram a câmara. Os olhos de Pierre eram calmos como uma brisa a ondular campos de trigo, como um sonho que escorrega para a inconsciência após o despertar.

— Seja minha Onnir — leu nos lábios dele. — Não me decepcione.

E Sasha, nua, foi colocada como uma boneca de pano sobre um banco esculpido nas várias rochas que se elevavam acima do piso da câmara. Atrás de Cibele, dois tronos, Lisandra estava sentada em um, e Pierre se dirigia ao outro, ao lado dela. Yan mantinha um semblante severo, os olhos heterocromáticos estavam apertados sob o cenho franzido. Arthur ao seu lado esparramava o negrume de seus olhos de um lado a outro até se voltarem urgentemente para Nina, quando a amiga adentrou a câmara na companhia das outras mulheres.

Cibele tremeu sob a onda de terror que a devastou. Escorreu as pontas dos dedos no mármore frio e liso, seguindo seus veios amarronzados.

“Sobreviva. Não me desaponte. Não me prove errado.”

Se nem ela sabia o que sentia, os lobos sabiam?

Adruna estava linda, tinha de reconhecer. O cabelo caía vermelho e revolto sobre os contornos definidos de seu corpo. Dois lobos a seguiam lado a lado.

— Desça daí! — ordenou Adruna apontando o dedo em riste para Cibele.

Desceu.

Sem pensar. Sem sentir. Se não houvesse emoções não haveria aromas. Como controlar as emoções? Imensa, decidida, nua e selvagem, Adruna parou diante de Cibele, alguns poucos centímetros maior do que ela, e uma espécie inteira de um passado lendário que abria um abismo de diferenças entre as duas.

— Eu sou uma Beta dessa alcateia. Sou uma autêntica Makrar. Meus pais, ambos eram lobos. Meu sangue é puro.

— Grande bosta se não pode engravidar.

Lana!

Cibele ergueu a cabeça, os lobos faziam ruídos estranhos no fundo da garganta, como se estivessem tentando conter o riso. Com a camisola horrível e comprida, suja por manchas de ensopado, o cabelo loiro, liso e desgrenhado dava à Lana a aparência de uma paciente manicomial.

— O que você disse? — Adruna estava furiosa.

— Que se eu provar que o meu útero é melhor do que o seu, todos esses filhos da puta vão me proteger. E você com seu sangue real terá que enfiar o rabo entre as pernas e me respeitar.

Adruna desferiu um soco tão violento que Lana caiu no chão, atordoada. Cuspiu o sangue e gargalhou. Levantou-se, despiu-se e vociferou:

— Vamos, seus desgraçados, me façam parir uma ninhada de cachorrinhos, que eu vou instruir para destruir cada um de vocês, seus filhos da puta!

Cibele não sabia qual o senso de moral da alcateia, contudo surpreendeu-se ao ver muitos deles se alvoroçando, como se Lana tivesse dito a coisa mais sensual do mundo. Rosnavam uns para os outros, e os mais atrevidos, ameaçavam a se aproximar dela. Cibele gargalhou. A expressão indignada e perplexa de Adruna era engraçada demais.

Tonteou com o golpe e caiu no chão. Adruna a endireitou, forçando-a a deitar-se de barriga para cima e a socou uma e outra vez. Cibele continuava rindo. O riso, no entanto, era de ódio. E detestou sentir ódio, pois Adruna sabia o que sentia pelo faro, e a raiva de Cibele a contentava. As garras machucaram a pele de Cibele quando Adruna a suspendeu pelas axilas e a arremessou contra a pequena escadaria, aos pés de Pierre e Lisandra.

— Façam! — vociferou, furiosa. — Ordenem agora! Mostre para essas vadias o que acontece se não nos respeitarem!

Lisandra se levantou e como uma rainha, declarou.

— Concordamos não machucá-las até provarem o valor de vocês...

— Como valor ela quer dizer “até provarmos que não somos humanas” — cuspiu Lana.

— Cale-se! — ordenou Lisandra, e um grupo de lobos avançaram sobre Lana, e a arrastaram até o canto próximo dos tronos. — Ao contrário do Alfa e alguns Betas que conseguem através da mordida transformar humanos em lobos, o que é conhecido como a maldição da lua, ou seja, quando sob a lua cheia humanos se transformam em feras violentas e irracionais, devorando a própria espécie para se arrepender amargamente de seus atos na manhã seguinte. Os Gamas são incapazes de transformá-las. Entretanto, suas mordidas são fatais. Como um veneno, se espalha pelo corpo humano e mata em poucos dias.

Houve um silêncio sepulcral e Cibele petrificou.

— Somente lobos, algumas espécies bem específicas e Onnir são capazes de sobreviver a mordida de um Gama. Ou se o Alfa preparar o humano para recebê-la.

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Comments

Regiane Pimenta

Regiane Pimenta

Coisa que eu pensei também kkkkkk

2024-04-10

1

Maria

Maria

Já são 3:03 da madrugada e não consigo parar de ler, mesmo com muita dor de cabeça por causa da virose, a estória esta demais autora parabéns 👏👏👏👏👏👏👏.

2024-03-27

5

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