A Detetive e a Morte

A Detetive e a Morte

CAPÍTULO 1 – ERRO

A detetive Lara Mendes não acreditava em destino.

 Nem em sorte.

 Nem em nada que não pudesse ser provado com evidências, impressões digitais ou sangue seco sob uma lâmina de vidro.

Ela acreditava em fatos.

 E naquele dia, os fatos estavam todos errados.

O corpo diante dela pertencia a Caio Duarte, ator, trinta e quatro anos, uma das maiores estrelas do país.

 Tinha fama, dinheiro, saúde e uma carreira em ascensão.

 E agora estava morto.

Lara observava o corpo em silêncio. O rosto dele estava sereno, quase bonito demais para uma cena de morte. Não havia sangue, nem ferimento, nem sinal de luta. O laudo preliminar do legista dizia apenas: parada cardíaca sem causa aparente.

Ela não gostava de causas “sem aparente”.

O relógio marcava duas e quarenta e cinco da manhã.

 A sala do Instituto Médico Legal estava vazia, exceto pelo zumbido dos aparelhos e o som de sua própria respiração.

 Lara estava exausta. Duas noites sem dormir. Um café frio esquecido na mesa.

Pegou o bloco de anotações e escreveu, com letra firme:

“Vítima aparentemente saudável. Nenhum trauma visível. Inconsistência entre tempo de morte e relatos de testemunhas.”

Suspirou. Era só mais um caso impossível numa pilha que nunca diminuía.

 Mas havia algo naquele corpo que a incomodava. Algo errado, invisível.

A luz do teto piscou.

 Depois piscou de novo.

Lara ergueu os olhos, irritada.

 — Ótimo. Falta só a luz queimar. — murmurou.

Foi quando o ar mudou.

 Um vento gelado atravessou o corredor, como se alguém tivesse aberto uma porta invisível.

 Ela sentiu um arrepio percorrer a nuca.

Virou-se lentamente — e congelou.

Um homem estava parado atrás dela.

 Alto, magro, de terno preto impecável.

 Tinha a pele pálida, quase translúcida, e olhos tão escuros que pareciam absorver a luz da sala.

 Apesar da aparência fria, havia algo cativante nele. Um tipo de beleza impossível de ignorar.

Ele a observava em silêncio, com um meio sorriso nos lábios.

— Não era pra ele morrer ainda — disse ele, com voz calma, grave e quase suave demais.

Lara recuou um passo, a mão indo direto para a arma no coldre.

 — Quem é você? Como entrou aqui?

O homem inclinou a cabeça, como se achasse a pergunta divertida.

 — Digamos que eu não uso portas.

Ela deu mais um passo pra trás, avaliando a distância entre eles.

 — Isso é uma cena de crime. Você acabou de cometer invasão.

Ele deu um meio sorriso.

 — Tecnicamente, eu só vim verificar o erro.

Lara o estudou com atenção. Nenhum crachá, nenhum documento, nenhum sinal de identificação.

 — Que erro? — perguntou.

O homem apontou para o corpo sobre a mesa.

 — Esse. Ele não devia estar morto. — Disse isso com a naturalidade de quem comenta sobre o tempo.

Lara ergueu as sobrancelhas.

 — E como você sabe disso?

Ele olhou para ela, como se a resposta fosse óbvia.

 — Porque sou eu quem vem buscar as pessoas quando chega a hora delas.

Ela ficou em silêncio por um instante, tentando entender se era uma piada.

 — Você é o quê, um tipo de vidente?

— Não. — Ele sorriu. — Sou a Morte.

Lara bufou, impaciente.

 — Ótimo. Mais um maluco. Já tive o suficiente por hoje.

— Não sou maluco. — respondeu ele, sem se ofender. — Sou um profissional. E alguém anda interferindo no meu trabalho.

Ela cruzou os braços.

 — Seu trabalho.

— Exato. — Ele fez um gesto leve com a mão. — Pessoas morrem quando chega a hora. É simples, ordenado. Mas esse homem morreu antes. Isso bagunça tudo.

Lara manteve o olhar fixo nele.

 — Você tá dizendo que… alguém matou um homem antes da hora e isso te prejudica.

— Mais ou menos isso. — Ele sorriu de novo. — É como se alguém estivesse falsificando minha assinatura.

Ela deu um passo à frente.

 — Você tem ideia do quanto isso soa insano?

— Pra quem vive, quase tudo sobre mim soa insano.

Ela respirou fundo. Já tinha lidado com todo tipo de gente estranha, mas aquele homem tinha algo diferente.

 Não parecia drogado, nem delirante.

 Falava com calma, confiança e — o que era pior — com uma pontinha de humor.

— Qual é o seu nome? — ela perguntou.

— M. — respondeu ele. — Só M.

— Isso é um apelido?

— Um atalho. — disse ele. — “Morte” assusta as pessoas.

Lara revirou os olhos.

 — Você devia estar num hospital psiquiátrico.

Ele deu um leve riso.

 — Já fui. Levei metade do andar comigo.

Ela o observou por um momento. Nenhum movimento brusco, nada ameaçador.

 Mesmo assim, algo nela dizia que ele era perigoso.

 Talvez não no sentido físico — mas no tipo de perigo que faz a mente duvidar do real.

Lara tirou as algemas do cinto.

 — Senhor M., está preso por invasão de local sob investigação e possível envolvimento em homicídio.

Ele arqueou uma sobrancelha, parecendo genuinamente surpreso.

 — Vai me prender?

— Vou.

— Isso é novo. — murmurou ele, divertido. — Ninguém nunca tentou me algemar antes.

— Pois vai ser o primeiro.

Ela se aproximou, mantendo a arma apontada. Ele não reagiu.

 Deixou que ela prendesse suas mãos atrás das costas.

 O metal das algemas fez um clique alto, frio, definitivo.

Ele olhou o punho preso e sorriu.

 — Interessante. — disse baixinho. — Isso realmente funciona.

Lara o empurrou levemente em direção à saída.

 — Vamos ver se ainda vai achar interessante depois do interrogatório.

Enquanto caminhavam pelo corredor, ele continuou falando, como se fosse um passeio.

 — Você é diferente, detetive. A maioria das pessoas grita quando me vê. Você, não.

— É que eu não acredito em você. — respondeu ela, seca.

— Mesmo assim, me algemou.

— Por precaução. — disse ela. — E porque você parece um ótimo mentiroso.

Ele deu uma risada curta.

 — Posso garantir que nunca minto. Só omito detalhes.

— Tipo o de como entrou num prédio trancado e sem câmeras funcionando?

Ele olhou para o teto.

 — Ah, sim. As câmeras. Elas nunca gostam de mim.

Lara apertou o passo, sem responder.

 O som das botas ecoava pelo corredor silencioso.

Quando chegaram à porta principal, ele se virou de leve, observando o corredor escuro atrás deles.

 — Sabe, detetive, prender a Morte é uma ideia ousada.

— E você devia saber que eu não gosto de piadas.

Ele sorriu de novo, calmo.

 — Isso vai ser divertido.

Lara o empurrou para fora da sala e chamou um dos oficiais de plantão.

 — Leva esse homem pra delegacia. Quero ele na sala de interrogatório em dez minutos.

O oficial o olhou, confuso.

 — Ele é suspeito?

— Por enquanto, ele é o único que apareceu num necrotério de madrugada dizendo que é a Morte. Acho que isso basta.

Enquanto o oficial o conduzia, M olhou para ela por cima do ombro e disse, com um sorriso quase gentil:

 — Você está cometendo um erro, Lara. Mas é um erro adorável.

Ela cruzou os braços, observando-o desaparecer no corredor.

 — Veremos. — murmurou.

Sozinha de novo, olhou para o corpo sobre a mesa.

 O rosto do ator parecia mais tranquilo agora, como se soubesse algo que ela ainda não sabia.

Lara respirou fundo, sentindo o frio da sala se intensificar.

 Por um instante, teve a estranha sensação de que alguém — ou algo — ainda estava ali.

 Mas não havia mais ninguém.

Apenas o som distante das botas de M sendo levadas pelos corredores.

 E o relógio, marcando três da manhã, insistindo em dizer que a noite estava longe de acabar.

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