Em seu sono mais profundo, Sora estava sonhando. Era um sonho glorioso. Havia um pão. Um pão enorme, quentinho, que falava com ela.
"Me coma, Sora," dizia o pão. "Eu sou tão saboroso."
Sora, no sonho, lambia os beiços e balançava a cabeça em afirmação. Ela passava a mão pelo pão, que ficava cada vez mais quente sob seu toque. Sem perder tempo, ela lambeu o pão.
"Sora, eu sei que você quer me devorar," o pão sussurrou. "Por favor, me morda."
No ápice de seu sonho, Sora deu uma mordida caprichada naquele pão quentinho...
E foi acordada para a realidade por um grito estridente de dor.
Abrindo os olhos e bocejando de um jeito preguiçoso, Sora olhou para o lado. E ficou ainda mais confusa.
Ao seu lado, Kael estava encolhido contra a cabeceira da cama, assustado, com os braços escondendo o peitoral forte. Em um grito agudo que não combinava com seu tamanho, ele disse:
"SUA MOLESTADORA!"
Sora, sem entender nada, já foi retrucando: "Qual é!? Você nem faz meu tipo!"
"Você me apalpou!" Kael continuou, indignado, cortando a fala dela. "Você apalpou meu peito! E como se não fosse o suficiente, você... você me lambeu e me mordeu!" ele disse, num tom melancólico, fazendo bico.
"Como... assim?" disse Sora, negando.
"Olha aqui! Você me mordeu, olha!" Kael apontou para uma pequena, mas muito nítida, marca de dentes carimbada em um lado de seu grande peitoral.
Naquele momento, em um clique de lucidez, Sora lembrou do sonho com o pão quentinho.
"Mas o pão me pediu pra morder," disse ela, com uma cara confusa.
"Você é um perigo ambulante!" Kael disse, se encolhendo como se alguém tivesse tirado sua virgindade. "Além de ser instável, é uma pervertida!"
Sora, já irritada com as acusações (das quais ela era 90% inocente), partiu para o ataque. "E você? Por que você está deitado comigo? O pervertido aqui é você, seu gatinho astuto!" disse ela, fingindo choque.
Kael imediatamente desfez a pose de "molestado". "Essa cama é minha! Você dormiu e não acordava, não importava o quanto eu te chamasse! Então, eu deixei você dormir SÓ essa noite na cama."
"Aaaa, entendi!" disse Sora, ligando os pontos. "Isso foi consciência pesada, né? Por me fazer bater a cabeça."
Ela levou a mão ao local do machucado para dramatizar... mas não encontrou nada. Nem galo, nem casca de ferida, nem sangue seco. A pele estava lisa.
O susto a fez ficar de pé na cama. "Puta que pariu! O machucado sumiu! O que você passou nele ontem? Isso é bruxaria?" disparou ela, chocada.
"Como assim, 'sumiu'?" Kael respondeu, mais chocado ainda. "Deixa de ser louca!"
Sora chegou mais perto de Kael, tão perto que dava para sentir a respiração quente dele em seu rosto. Ela abaixou a cabeça e disse: "Olha aí! Não tem nada!" E fez um sinal com as mãos para o local, que não tinha marca alguma.
Kael, chocado e sem pensar muito, agarrou a cabeça dela com as duas mãos para ver direito. Mas o movimento brusco assustou Sora, que perdeu o equilíbrio e caiu em cima dele, fazendo os dois rolarem da cama para o chão.
BUMM! Fez o barulho surdo das costas de Kael encontrando o piso de madeira.
Sem dar tempo dos dois entenderem a situação, a porta da cabana se abriu com tudo.
"BOM DIA, CASAL!" Aby gritou em tom debochado, e logo atrás dela vinha o xamã Rikka.
Os dois pararam na porta, chocados com a cena: Kael no chão, gemendo de dor, e Sora esparramada em cima dele.
"Meu Deus!" Aby disse, levando as mãos à boca em um tom choroso e dramático. "Eu vou ser tia!"
O velho xamã disparou logo atrás: "Meu Deus! Precisamos de um casamento, logo!"
Sora pulou de cima de Kael, assustada, balançando as mãos em negação. "Aby! Não diga bobagens! Velhote, não é nada disso!"
Kael se levantou bufando, limpando a poeira das costas. "Até parece que eu casaria com uma pessoa igual a ela," ele desdenhou, saindo de perto.
O insulto atingiu Sora em cheio, fazendo-a perder a paciência.
"Não foi isso que você disse ontem à noite!" ela soltou, fazendo uma pose de "dama abandonada".
Kael congelou. Aby e o velho xamã ficaram visivelmente chocados. "O que... você está falando?" Kael sibilou, quase cuspindo de ódio.
"Ah!" disse Sora, colocando as mãos no rosto com uma expressão melancólica. "Ontem à noite! Você sabe bem o que aconteceu! Você foi tão... tão duro comigo!"
A reação no quarto foi hilária. Aby estava de boca aberta e o velho xamã ficou corado até as orelhas.
"Pare de bobagens! Ela está alucinando!" Kael disse, olhando desesperado para os dois espectadores e apontando para Sora.
"Eu estou alucinando? Não é verdade que você foi tão bruto comigo... que me fez sangrar?" ela terminou, soltando a bomba e quase não conseguindo controlar o riso.
Kael, em agonia pura, gritou: "SIM, PORQUE VOCÊ SE MACHUCOU!"
A plateia de dois olhou chocada para Kael, que percebeu tarde demais o que tinha confirmado. Sora, imensamente satisfeita pelo caos instaurado, virou de costas e foi em direção a Aby, que ainda estava de boca aberta.
Mudando de assunto rapidamente, Sora perguntou: "Ei, velhote! O que te traz aqui tão cedo?"
O xamã, ainda se recuperando da situação, pigarreou. "Sora! Tenho um trabalho pra você!"
"Um trabalho?" ela respondeu, curiosa.
"Sim! Preciso de sua ajuda para uma coisa," disse ele, lembrando da urgência do assunto. Ele a puxou pelo braço, sem dar tempo dela sequer lavar o rosto.
O velho a arrastou para fora, até a praça da vila, onde uma mãe desesperada empurrou seu pequeno filho em direção a Sora, suplicando.
"Por favor! Me ajude, Salvadora!"
O menino estava quase roxo, claramente engasgado com alguma coisa.
Sora pensou consigo mesma: "FERROU! Eu não sou médica, porra!"
Mais apavorada que a própria mãe-lobo e já irritada com toda a situação, ela deu um tapa forte e estalado nas costas da criança.
Incrivelmente, funcionou. O menino deu uma tossida alta e cuspiu um pedaço de osso.
Todos os olhares curiosos que observavam foram à loucura. Gritos começaram: "Viva a Salvadora! Ela curou o menino!" Era como se Sora fizesse parte de uma seita e eles fossem seus seguidores.
Chocada em como seu improviso problemático deu certo, e se deixando levar pela multidão que a aclamava, Sora ergueu os braços para cima, fez um sinal de "rock and roll" com as mãos e gritou:
"EU SOU DO CARALHO!!"
Ao fundo, perto de sua cabana, Kael ficou chocado olhando a situação, sem saber se ela era a pessoa mais sortuda do mundo... ou se aquela profecia idiota era real.
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Atualizado até capítulo 27
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