Sora acordou com duas certezas: primeiro, sua cabeça parecia que ia se dividir em duas; segundo, ela não estava na floresta.
O cheiro era de pinho e fumaça de lareira. Ela estava deitada em uma cama de peles macias, dentro de uma cabana rústica. A luz do sol entrava por uma fresta na madeira.
A mente de Sora, sempre rápida em saltar para a pior conclusão possível, conectou os pontos: floresta isolada + desmaio + cabana estranha.
"Puta que pariu," ela sussurrou, sentando-se abruptamente, o que fez o mundo girar. "É tráfico de órgãos! Me sequestraram e querem meus rins!"
Em pânico, ela pulou da cama. Precisava de uma arma. Vasculhou o cômodo pequeno e encontrou, ao lado de uma tigela de madeira, uma colher. Uma colher de pau grande e pesada.
Bom, pensou ela, não é uma faca, mas com certeza é melhor que aquele graveto inútil.
Nas pontas dos pés, ela foi até a porta e espiou pela fresta. Do lado de fora não havia uma floresta vazia, mas várias outras cabanas. Uma vila.
"Ok, é uma organização de tráfico de órgãos", ela concluiu, agora em pânico total.
Sem pensar duas vezes, ela chutou a porta e saiu correndo, gritando a plenos pulmões:
"CHAMEM A POLÍCIA! FUI SEQUESTRADA! QUEREM MEUS ÓRGÃOS!"
Ela provocou o maior fuzuê que aquela vila provavelmente já tinha visto. Pessoas (ou algo parecido) saíram de suas cabanas, parando o que estavam fazendo para olhar para ela. Ela correu até o que parecia ser uma praça rústica no centro da vila antes de parar para respirar.
E foi aí que ela prestou atenção ao seu redor.
As pessoas que a observavam não eram normais. Eram como o homem-lobo que ela encontrou mais cedo. Homens, mulheres e até crianças com orelhas e caudas de lobo, alguns com mais pelos que outros, todos olhando para ela com uma curiosidade chocada.
A ficha de Sora caiu pela segunda vez.
"Meu Deus," ela ofegou, o terror dando lugar a uma estranha resignação. "Eu morri. Morri e vim pro inferno."
Por um momento, ela quase aceitou. Sinceramente, com a vida que ela levou, não era exatamente uma surpresa ter parado ali.
Enquanto ela ponderava sobre sua danação eterna, uma moça de aparência próxima à sua idade se aproximou. Diferente do guardião demoníaco (que era basicamente um humano com acessórios de lobo), essa mulher tinha pelos castanhos visíveis nos braços e no rosto.
Sora, voltando à realidade, ergueu sua colher de pau.
"Se afaste, demônio peludo!"
A tensão no ar foi imediatamente rompida por uma gargalhada alta e cristalina. A mulher-lobo riu tanto que teve que se apoiar nos joelhos. Isso mudou o humor de Sora de assustada para instantaneamente irritada.
"Tá rindo do que?" ela rosnou, o pavio curto acendendo.
"De você!" A moça disse, secando uma lágrima. "Faz tempo que não me divirto tanto. Eu me chamo Aby."
Sora, ainda segurando sua "lança mortal" de madeira, ficou tão desarmada pela situação que respondeu por reflexo: "Muito prazer. Eu me chamo Sora." Ela piscou, confusa. "Olha, eu não sei o que tá acontecendo, mas se vocês forem me comer, eu já vou adiantando que minha carne não deve ser das melhores. Eu ando meio doente, sabe? E meus órgãos não são saborosos, tenho... er... febre reumática, gota e... e bicho geográfico."
Aby riu ainda mais, colocando a mão na barriga e quase rolando no chão de terra. "Hilário! Você é uma figura!"
Aproximando-se de Sora, Aby sorriu. "Querida, aqui não comemos humanos. Ainda mais uma como você... seria um desperdício, né?"
Sora balançou a cabeça em concordância, tão rápido que quase quebrou o pescoço. "Mas se não vão me devorar, onde eu estou? Que lugar é esse e por que vocês são... assim?"
Enquanto ela perguntava, mais pessoas-lobo se reuniram em volta dela, cochichando.
"Antes de conversarmos," disse Aby, "você aceita jantar primeiro? Assim podemos explicar tudo pra você."
O estômago de Sora roncou alto, respondendo por ela. "Sim, por favor. Estou com tanta fome que poderia comer minha própria perna." Ela olhou para Aby, desconfiada. "Não que ela seja saborosa, sabe?"
Enquanto andavam em direção a uma cabana que era três vezes maior que aquela em que Sora acordou, uma multidão curiosa as acompanhava.
"Sua pele é incrível!" disse uma mulher.
"Seu cabelo! Eu nunca vi algo assim!" apontou um homem.
Sora olhou para os olhares maravilhados. Caramba! ela pensou. -"Eu sei que não sou de se jogar fora, mas aqui eles me tratam como se eu fosse a Gisele Bundchen".
Aby a levou para dentro da cabana grande, deixando a multidão para trás. Era um tipo de salão comunal. Em uma mesa longa, havia travessas rústicas com carne assada e vegetais que Sora não reconheceu.
"Sente-se, coma à vontade."
Sem precisar ouvir duas vezes, Sora atacou a comida, enfiando um pedaço enorme de carne na boca e quase engasgando.
Enquanto Sora comia como se fosse sua última refeição, Aby começou a falar.
"—Então, Sora, como pode ver, não somos humanos. Na verdade, somos pessoas-lobos. Aqui é um mundo dividido do mundo humano." Aby se inclinou. "Aliás, o que me intriga mesmo é saber como você conseguiu entrar em nosso mundo. Isso... isso é a primeira vez que acontece."
Sora, com a boca cheia, respondeu, espirrando migalhas de carne: "Como assim, 'só eu' consegui passar?"
Aby continuou: "Eu também não sei! Geralmente, humanos não conseguem atravessar para este lado. Do mesmo jeito que nós também não conseguimos atravessar para o lado de vocês."
"Mas como sabem da existência de humanos se nunca saíram daqui?" perguntou Sora, já pegando outro pedaço de carne.
"Escrituras antigas!" explicou Aby. "Falam sobre um mundo vizinho, contam sobre vocês, humanos. Mas somente isso. Nunca vimos um... ao vivo e a cores."
Sora parou de mastigar por um segundo, chocada. "E você sabe se eu posso voltar pro meu mundo? Não que eu tenha deixado alguma coisa importante para trás..."
"Sinceramente?" Aby deu de ombros. "Não sei. Talvez? Não posso confirmar."
Sora suspirou, já não aguentando mais comer, e se recostou na cadeira de madeira. "Bom... pelo menos não preciso pagar boletos mais."
Enquanto Aby ria da praticidade dela, o som de uma bengala batendo no chão de madeira ecoou. Um velhote meio lobo, com longos pelos cinzentos, entrou na sala, todo animado, apoiado em sua bengala improvisada.
"Então!" ele exclamou com uma voz grave. "Você é a humana de que todos estavam falando!"
(Continua...)
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Atualizado até capítulo 27
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