Capítulo 3| O preço

— Gente que sangra por mim, normalmente, me deve algo — disse, por fim. — E dívida é o tipo de coisa que nunca deixo passar.

Virou-se então, os olhos fixos nela, e caminhou de volta com passos lentos, precisos. A cada passo, o ar do quarto parecia se contrair.

— Mas, por enquanto, só precisa sobreviver. — Tocou o lençol perto do braço dela, sem encostar na pele. — Já fiz minha parte. Agora é com você.

Ele se afastou antes que ela pudesse responder. Parou à porta e olhou uma última vez.

— Aqui ninguém entra sem minha permissão. Ninguém te tocará — nem para o bem, nem para o mal — enquanto eu decidir que você me pertence.

Sol ficou em silêncio, o coração descompassado.

A porta se fechou com um clique quase inaudível. Ela respirou fundo, tentando entender o que significava “pertencer” para um homem como ele. Mas havia uma certeza latejando sob a dor: fosse o que fosse, ela havia saído do inferno apenas para cair em outro. E, ainda assim, algo dentro dela — talvez a mesma parte que sempre acreditou — não conseguia odiá-lo completamente. Não ainda.

Naquela noite, a dor do ferimento se misturava ao som distante de chuva batendo nos vidros da casa. Sol não sabia onde estava, nem o que o destino planejava, mas uma coisa era clara: Dmitri Valenko não a salvara por piedade.

E, cedo ou tarde, ele cobraria o preço.

Ela não sabia quanto tempo dormira, mas acordou num quarto diferente, vasto e silencioso, onde o ar tinha um perfume frio e metálico — como se fosse misturado a algodão e couro caro. A janela diante dela revelava um mar de luzes artificiais: Doha brilhava noite adentro, como uma cidade que não dormia. Arranha-céus cobertos de vidro refletiam néons coloridos, e a paisagem árida lá fora parecia ter sido esquecida sob a opulência.

O quarto onde despertava era um santuário de luxo extremo. Paredes de mármore branco, tapetes persas finíssimos, uma cama enorme com lençóis que pareciam flutuar sob o corpo. Ao redor, mobiliário impecável — mesas em ébano, vasos de cristal com flores perfumadas, obras de arte modernas pendendo como enigmas silenciosos. O silêncio era quase absoluto, interrompido apenas pelo leve pulsar da cidade além do vidro.

E ele estava ali. Dmitri Valenko. Encostado no batente da porta, imóvel, observando-a dormir. Era um homem que parecia talhado para dominar qualquer ambiente. A camisa preta aberta na gola revelava um peito firme, a pele marcada por cicatrizes que pareciam ter histórias próprias. O cabelo escuro levemente desalinhado, a barba bem aparada, o olhar pesado como chumbo. Havia nele a calma controlada de quem se sente dono não apenas do espaço, mas das próprias vidas ao seu redor.

E ele não tirava os olhos dela.

Sol dormia ainda, o corpo relaxado na cama enorme, ferido mas intacto. O tecido fino dos lençóis revelava contornos suaves, uma vulnerabilidade que ele estudava como quem analisa um mapa de território conquistado.Sol dormia ainda, o corpo relaxado na cama enorme, ferido mas intacto. O tecido fino dos lençóis revelava contornos suaves, uma vulnerabilidade que ele estudava como quem analisa um mapa de território conquistado.

A face dela tinha a inocência da madrugada e a força da madrugada quebrada. Pele clara, quase translúcida, como porcelana delicada, tingida por um leve rubor natural nas maçãs do rosto. O contorno dos lábios, rosados e suaves, carregava uma expressão involuntária de serenidade — como se ignorasse a dor e o perigo. O nariz pequeno e perfeitamente desenhado, arqueando-se com delicadeza sobre traços harmoniosos, dava-lhe um ar quase angelical, como se tivesse saído de uma pintura clássica. Os cabelos caíam sobre o travesseiro em cascata, sedosos, com reflexos dourados que se misturavam ao escuro da noite, criando mechas que lembravam fios de luz e sombra. Alguns caíam sobre o rosto, roçando a pele com leveza, quase como se protegessem o segredo de sua fragilidade.

Mas havia nela algo além da doçura: uma feminilidade intensa, natural, impossível de ignorar. As linhas do pescoço eram elegantes, o ombro descoberto pelo lençol revelava a curva suave e firme de uma mulher jovem, ainda envolta numa aura de inocência, mas já marcada pelo mundo. Havia uma harmonia delicada entre sua fragilidade e a força que seu corpo insinuava — aquela combinação de pureza e presença fazia com que ela parecesse ao mesmo tempo uma criatura etérea e alguém inteiramente capaz de resistir ao peso do mundo.

Não havia desejo declarado naquele olhar, apenas algo que beirava estudo, curiosidade e propriedade. Ela era pequena diante dele, ainda indefesa, e havia algo naquela cena que o prendia mais que qualquer contrato ou dívida. Ele permaneceu ali por minutos, em silêncio absoluto, até que ela respirou fundo e abriu os olhos.

Sol despertou com um sobressalto. O ar fresco da noite e a visão dele diante da porta fizeram-na prender a respiração.

— Você acordou — disse Dmitri, a voz baixa, carregada de um sotaque árabe pesado. Não era pergunta. Era constatação.

— Onde estou? — ela perguntou, a voz rouca e lenta, a dor ainda a rasgar-lhe o ombro.

Ele avançou alguns passos, fechando a distância até encostar-se à lateral da cama. Olhava-a como quem observa um quadro raro — com atenção e paciência cirúrgica.

— Está em Doha. — A resposta foi simples, mas carregada de peso. — No Qatar.

Sol piscou, tentando processar.

— Por quê?

— Porque é mais seguro aqui. — Ele recostou-se ao batente da porta, cruzando os braços. — Aqui eu controlo tudo. E é assim que funciona comigo: nada acontece sem meu conhecimento.

Ela cerrou o lábio, olhando-o com uma mistura de medo e dúvida.

 — E eu? O que sou aqui?

Ele se aproximou, mas manteve distância, como quem impõe um território.

— Você é minha dívida — respondeu, com a voz tão fria que soou como sentença. — Eu te salvei da morte. Em troca, existe um preço. E esse preço... você ainda vai descobrir qual é.

Sol engoliu em seco, tentando falar, mas ele ergueu uma mão em gesto simples, cortando qualquer tentativa dela.

— Não tenho interesse em sua resistência agora. Você precisa primeiro entender onde está.

Ele caminhou até a janela, olhando para a cidade iluminada.

 — Eu sou árabe, mas não sigo a religião islâmica. O que importa é o poder. E o meu poder me permite decidir quem vive e quem morre. Quem pertence a mim e quem não pertence.

Sol ficou calada, tentando assimilar. A sua mente corria por mil possibilidades, todas dolorosas. Ela queria se levantar, fugir, gritar. Mas a dor no ombro e o cansaço a mantinham imóvel.

— Então... qual é o preço? — ela perguntou finalmente, quase sussurrando.

Ele se voltou, o olhar fixo nela, penetrante.

 — Gerar meu herdeiro.

A frase caiu como chumbo sobre a sala silenciosa.

Sol piscou, incrédula.

— O que...?

Ele não respondeu de imediato. Aproximou-se dela com passos lentos e medidos, como quem escolhe cada palavra antes de pronunciá-la. Parou ao lado da cama, a sua presença pesada como um território inalcançável.

— Você vai ter um filho meu — disse ele finalmente. — É simples. Eu quero minha linhagem. Minha herança. E você será a escolhida.

O silêncio se alongou, carregado de choque e incredulidade. Ela queria responder, gritar, negar. Mas nenhuma palavra saiu. Só havia um eco frio dentro dela: pertencimento. Não por escolha dela, mas pela força dele. E, para Sol, não havia mais volta.

— Quando você estiver melhor, totalmente recuperada, falaremos sobre todos os detalhes.

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Comments

Auxiliadora Silva

Auxiliadora Silva

vice Maria....ele. é muito arrogante.😭

2025-10-26

0

Patricia Sousa

Patricia Sousa

eita porra o árabe é direto e firme

2025-10-26

0

Ver todos
Capítulos
1 Capítulo 1| A sombra
2 Capítulo 2| A casa do inimigo
3 Capítulo 3| O preço
4 Capítulo 4| O contrato
5 Capítulo 5| Os Primeiros Passos
6 Capítulo 6| A ala
7 Capítulo 7| O primeiro dia
8 Capítulo 8| Conselhos ao amanhecer
9 Capítulo 9| A ceia do silêncio
10 Capítulo 10| Sob a luz de lua
11 Capítulo 11| A lua sobre nós
12 Capítulo 12| Silêncios e promessas
13 Capítulo 13| Sangue e silêncio
14 Capítulo 14| Amanhecer na ala
15 Capítulo 15| O corte da escolha
16 Capítulo 16| O olhar
17 Capítulo 17| O pacto de carne
18 Capítulo 18| O vestígio e a visita
19 Capítulo 19| Jardim de jasmins
20 Capítulo 20| Quando o destino muda o nome
21 Capítulo 21| O dia em que o palácio acordou em seda e ouro
22 Capítulo 22| Ecos de sangue e silêncio
23 Capítulo 23| O silêncio das tentativas
24 Capítulo 24| O peso do ouro
25 Capítulo 25| O peso do silêncio
26 Capítulo 26| Silêncio e recomeços
27 Capítulo 27| A quebra da armadura
28 Capítulo 28| O primeiro raio de sol
29 Capítulo 29| Ecos de um herdeiro
30 Capítulo 30| A linguagem dos gestos
31 Capítulo 31| O peso do tempo
32 Capítulo 32| Onde o mar cala o passado
33 Capítulo 33| O primeiro som do silêncio
34 Capítulo 34| O silêncio depois do mar
35 Capítulo 35| O segundo ritual
36 Capítulo 36| Retorno e renovação
37 Capítulo 37| O grande dia
38 Capítulo 38| O compromisso
39 Capítulo 39| Véu de seda
40 Capítulo 40| Ápice
41 Capítulo 41| Ecos do passado
42 Capítulo 42| O peso do sangue
43 Capítulo 43| O filho do deserto
44 Capítulo 44| O peso do nome & a leveza do amor
45 Capítulo 45| A apresentação da princesa de Ajman
46 Capítulo 46| Livros & pergaminhos
47 Capítulo 47| O brilho e o confronto
48 Capítulo 48| Fogo no deserto
49 49| O julgamento e a justiça
50 Capítulo 50| Sob o mesmo céu
51 Capítulo 51| Batimentos
52 Capítulo 52| O anúncio ao reino
53 Capítulo 53| O peso do desejo
54 Capítulo 54| Marcas de você
55 Capítulo 55| O anúncio ao povo
56 Capítulo 56| As areias e o amor
57 Capítulo 57| Sangue e justiça
58 Capítulo 58| Os filhos do deserto
59 Capítulo 59| Heranças do deserto
60 Capítulo 60| O herdeiro do deserto
Capítulos

Atualizado até capítulo 60

1
Capítulo 1| A sombra
2
Capítulo 2| A casa do inimigo
3
Capítulo 3| O preço
4
Capítulo 4| O contrato
5
Capítulo 5| Os Primeiros Passos
6
Capítulo 6| A ala
7
Capítulo 7| O primeiro dia
8
Capítulo 8| Conselhos ao amanhecer
9
Capítulo 9| A ceia do silêncio
10
Capítulo 10| Sob a luz de lua
11
Capítulo 11| A lua sobre nós
12
Capítulo 12| Silêncios e promessas
13
Capítulo 13| Sangue e silêncio
14
Capítulo 14| Amanhecer na ala
15
Capítulo 15| O corte da escolha
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Capítulo 16| O olhar
17
Capítulo 17| O pacto de carne
18
Capítulo 18| O vestígio e a visita
19
Capítulo 19| Jardim de jasmins
20
Capítulo 20| Quando o destino muda o nome
21
Capítulo 21| O dia em que o palácio acordou em seda e ouro
22
Capítulo 22| Ecos de sangue e silêncio
23
Capítulo 23| O silêncio das tentativas
24
Capítulo 24| O peso do ouro
25
Capítulo 25| O peso do silêncio
26
Capítulo 26| Silêncio e recomeços
27
Capítulo 27| A quebra da armadura
28
Capítulo 28| O primeiro raio de sol
29
Capítulo 29| Ecos de um herdeiro
30
Capítulo 30| A linguagem dos gestos
31
Capítulo 31| O peso do tempo
32
Capítulo 32| Onde o mar cala o passado
33
Capítulo 33| O primeiro som do silêncio
34
Capítulo 34| O silêncio depois do mar
35
Capítulo 35| O segundo ritual
36
Capítulo 36| Retorno e renovação
37
Capítulo 37| O grande dia
38
Capítulo 38| O compromisso
39
Capítulo 39| Véu de seda
40
Capítulo 40| Ápice
41
Capítulo 41| Ecos do passado
42
Capítulo 42| O peso do sangue
43
Capítulo 43| O filho do deserto
44
Capítulo 44| O peso do nome & a leveza do amor
45
Capítulo 45| A apresentação da princesa de Ajman
46
Capítulo 46| Livros & pergaminhos
47
Capítulo 47| O brilho e o confronto
48
Capítulo 48| Fogo no deserto
49
49| O julgamento e a justiça
50
Capítulo 50| Sob o mesmo céu
51
Capítulo 51| Batimentos
52
Capítulo 52| O anúncio ao reino
53
Capítulo 53| O peso do desejo
54
Capítulo 54| Marcas de você
55
Capítulo 55| O anúncio ao povo
56
Capítulo 56| As areias e o amor
57
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Capítulo 60| O herdeiro do deserto

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