5 A noite do leilão

Amélia (narrando):

A noite em Verona não era apenas mais uma. Era a noite em que eu deixaria de ser apenas luto e me tornaria aviso. O leilão clandestino não veria uma viúva. Veria uma rainha.

Nina entrou no quarto com o cabide nas mãos, quase em reverência. O vestido branco caía como uma segunda pele, o tecido acetinado refletindo a luz do lustre. Um corte estratégico na lateral revelava a perna até o meio da coxa, e a gola alta compensava com sofisticação. O branco, ao contrário do preto que carreguei no luto, era a minha declaração: não havia manchas de sangue que me intimidassem. Eu me vestia da cor da vitória.

Passei o tecido sobre a pele lentamente, sentindo cada curva se moldar ao corte perfeito. O zíper subiu como se selasse uma armadura. A cada movimento, o vestido parecia dizer: a fragilidade morreu junto ao cemitério.

Sentei-me diante do espelho. Nina ajeitou meus cabelos em ondas largas e volumosas, soltos como uma coroa dourada. Nos olhos, delineado escuro prolongado, sombra cintilante em dourado claro, e nos lábios, o vermelho profundo que já se tornara minha assinatura.

Por fim, deslizei os brincos de diamante e fechei no pulso a pulseira herdada da minha mãe. O anel Grimaldi reluzia no dedo, como uma promessa viva.

NINA: — Senhora, a cidade não vai esquecer essa imagem.

AMÉLIA: — Que não esqueça. Eu quero que Verona se curve antes mesmo que eu diga uma palavra.

Quando me levantei, Enrico já me esperava à porta.

O terno preto dele parecia esculpido sob medida: o corte italiano ajustava-se ao corpo poderoso como se tivesse sido moldado na pele. A camisa de seda, branca, estava aberta o suficiente para revelar parte do peito forte, em contraste com a gravata preta solta, mais símbolo de poder do que obrigação de etiqueta. Nos punhos, abotoaduras de ouro traziam discretamente o brasão dos Bellucci.

Ele me olhou de cima a baixo com a intensidade de um predador satisfeito.

ENRICO: — Moglie… Verona inteira pode tentar se ajoelhar para você esta noite. Mas não se esqueça… você já tem um trono. Ao meu lado.

Aproximei-me, deslizando os dedos pela lapela do terno, sentindo o calor da respiração dele próximo ao meu rosto.

AMÉLIA: — Eu não me esqueço, Enrico. Mas quero que eles saibam que não sou apenas a sua esposa. Sou a mulher que vai arrancar a coroa da cabeça da minha inimiga.

Ele sorriu de canto, um sorriso sombrio, antes de entrelaçar minha mão na dele.

ENRICO: — Então vamos mostrar ao mundo quem são os donos de Verona.

Descemos juntos pela escadaria de mármore, nossos passos ecoando como tambores de guerra. Ricci já nos esperava do lado de fora, ao volante do carro blindado. Nina seguiu atrás, silenciosa, mas com o olhar atento.

O vento frio da noite envolveu minha pele, mas nada poderia apagar o fogo que me consumia por dentro. Ao cruzarmos os portões, soube que Verona iria testemunhar mais do que um leilão. Verona iria testemunhar a ascensão da moglie do Don.

As luzes da noite refletiam no vidro escuro da limusine enquanto ela avançava pelas ruas de Verona. O coração batia forte no peito, não de medo, mas de antecipação. Enrico estava ao meu lado, impecável no terno negro, e eu sentia a energia dele vibrar como uma sombra protetora.

Quando as portas se abriram, a cena diante de nós era um espetáculo calculado: o leilão acontecia em uma mansão histórica, cujos portões de ferro estavam iluminados por tochas. Homens e mulheres trajados em seda e joias se misturavam no pátio, suas risadas abafadas pelo som de taças de champanhe tilintando.

Todos os olhares se voltaram para nós no instante em que atravessamos a entrada. Eu, de vestido preto ajustado e maquiagem impecável, segurava o braço de Enrico. Era impossível não notar os sussurros que surgiam, como se fosse novidade ver a moglie do Don Bellucci caminhando com tanto porte em meio aos tubarões da máfia.

RECEPCIONISTA (em italiano, reverente): — Don Bellucci, signora… sejam bem-vindos. É uma honra recebê-los esta noite.

Enrico apenas inclinou a cabeça, e sua mão pousou firme sobre a minha cintura, como se quisesse lembrar a todos que eu era intocável. Caminhamos pelo saguão principal, e cada passo ecoava como se marcasse território.

Dentro, o salão era ainda mais luxuoso: lustres de cristal iluminavam mesas cobertas por veludo, enquanto obras de arte e antiguidades aguardavam para serem leiloadas. A elite da máfia estava presente — velhos aliados, possíveis traidores, e curiosos que aguardavam qualquer sinal de fraqueza.

Eu sabia o que todos esperavam: que eu vacilasse, que mostrasse ainda o peso do luto. Mas ergui o queixo e encarei cada olhar com firmeza. Minha presença era tão parte do jogo quanto o martelo que em breve bateria pelas peças expostas.

Enrico manteve-se próximo, trocando acenos calculados com alguns homens. Os anfitriões nos receberam como se fôssemos o centro do espetáculo, mas havia algo no ar — uma ausência gritante.

Nenhum sinal de Lúcia. Nenhum sinal de Matteo.

Eles sabiam que viríamos. Verona inteira já deveria estar murmurando sobre nossa chegada. Então por que não apareceram?

Enquanto o mestre de cerimônias se preparava para iniciar o leilão, Enrico se inclinou em minha direção, a voz baixa e tensa contra meu ouvido.

ENRICO: — Se Lúcia estivesse aqui, eu sentiria. Ela não ousaria me encarar… ainda não.

Assenti devagar, mas por dentro a chama queimava ainda mais forte. Eles podiam tentar se esconder, podiam se mover nas sombras, mas cedo ou tarde o jogo nos colocaria frente a frente.

E quando isso acontecesse, não haveria misericórdia.

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Roseli Inês da Silva e Silva

Roseli Inês da Silva e Silva

Mulher forte essa! Feito Fênix!

2025-09-10

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