3 A face da Força

A seda molhada do robe ainda grudava na minha pele quando decidi que não podia descer daquele jeito. Se todos estavam na biblioteca, esperando por Enrico, esperando por mim… eu não mostraria fraqueza.

Abri o guarda-roupa e encarei as fileiras de vestidos. O preto seria minha cor de luto, mas também meu uniforme de guerra. Escolhi um vestido justo, de mangas longas, com gola alta. Nada de decotes, nada de pele à mostra. A elegância estava nos detalhes, e eu queria que cada olhar lembrasse que a dor não me fez menor — me fez mais perigosa.

Vesti a peça lentamente, ajustando o tecido ao corpo. Depois, sentei diante do espelho da penteadeira.

Passei a base para apagar os sinais do choro, o pó frio da noite anterior. Delineei os olhos com firmeza, criando traços escuros que realçavam o azul que agora parecia ainda mais cortante. Nos lábios, um batom vermelho profundo, como sangue recém-derramado.

Soltei os cabelos úmidos em ondas largas sobre os ombros, deixando que caíssem com imponência, como uma moldura dourada para o rosto que já não pertencia apenas à filha em luto, mas à esposa do Don.

Enquanto deslizava os brincos de diamante pelas orelhas, encarei meu reflexo mais uma vez. A mulher diante de mim não era a mesma que chorava no cemitério.

Ajeitei o anel da família Grimaldi no dedo e senti o peso dele como uma lembrança de onde vim — e de onde precisava chegar.

Peguei o bilhete de Enrico novamente, dobrando-o com cuidado. Guardei-o dentro do sutiã, junto ao peito. Não como um lembrete, mas como combustível.

Levantei-me, respirei fundo e caminhei em direção à porta. O som dos saltos ecoando pelo corredor era quase uma declaração: eu estava pronta.

Ao descer as escadas de mármore, vi ao longe dois capangas que se curvaram em respeito. A cada passo, o silêncio se espalhava.

Eles não viam apenas a viúva de pais assassinados. Eles viam a moglie de Enrico Bellucci.

E ninguém ousaria duvidar da minha presença quando eu atravessasse as portas da biblioteca.

As portas pesadas da biblioteca se abriram com um rangido lento, e todos os olhares se voltaram para mim. O salão estava tomado pelos homens de confiança de Enrico, dispostos em volta da mesa de carvalho. Mapas, pastas e armas repousavam sobre o tampo polido, e o ar cheirava a tabaco e pólvora.

O silêncio que se seguiu à minha entrada era quase palpável. Eu podia sentir a forma como me observavam, medindo se eu era apenas a mulher em luto ou se já carregava em mim a postura da moglie do Don.

Enrico se levantou imediatamente. O terno escuro realçava ainda mais a imponência dele. Avançou até mim, sem se importar com os olhares. Quando me envolveu em seus braços, a dureza desapareceu por um instante. Ele me beijou, firme, diante de todos, como se quisesse deixar claro que eu era parte daquele trono.

ENRICO: — Como você está, moglie?

A pergunta atravessou minhas defesas. Apertei os lábios, mantendo a voz firme, mesmo que a dor ainda queimasse por dentro.

AMÉLIA: — Vou ficar melhor… depois que você me disser que tem notícias da Lúcia.

Os olhos verdes dele brilharam com algo que eu não conseguia definir se era fúria ou satisfação. Ele segurou meu queixo entre os dedos, aproximando-se de mim, e falou baixo o suficiente para apenas eu ouvir:

ENRICO: — Temos uma pista.

O coração acelerou dentro do peito.

AMÉLIA: — Onde?

Ele se afastou um passo, voltando à cabeceira da mesa. Com um gesto, abriu um mapa de Milão e de regiões vizinhas. Um dos capangas empurrou uma pasta para ele, que a abriu calmamente, tirando de dentro algumas fotos e relatórios.

ENRICO: — Lúcia foi vista em Verona. — A voz dele cortou o silêncio como uma lâmina. — Uma testemunha confiável afirma que ela esteve em um armazém antigo, próximo ao porto. Não ficou muito tempo, mas deixou rastros.

Aproximei-me da mesa, observando as imagens em preto e branco. Entre elas, havia a silhueta de uma mulher de cabelos longos e escuros entrando em um carro.

AMÉLIA: — Verona… não é longe demais?

ENRICO: — Não para alguém que conhece nossas rotas e tenta se esconder sob a proteção de quem ainda acredita que ela é útil.

Senti a raiva ferver sob a pele. A cidade parecia mais próxima do que nunca.

AMÉLIA: — Então é para lá que devemos ir.

Ele me olhou de frente, os olhos verdes faiscando, e por um instante percebi que aquela era a resposta que ele esperava ouvir de mim.

ENRICO: — Minha moglie quer vingança. E eu vou dar Verona inteira se for preciso, até arrancarmos essa cobra do buraco onde se esconde.

A sala permaneceu em silêncio, como se todos aguardassem minha reação. Respirei fundo, toquei o mapa com a ponta dos dedos e ergui o rosto com firmeza.

AMÉLIA: — Não quero Verona inteira. Quero apenas a cabeça de Lúcia.

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Comments

Sonhadora

Sonhadora

Lucia é a irmã da Teresa, mulher do Matteo que o Enrico matou pq ela atirou na Amélia.

2025-09-12

1

BIBI🌕🌑

BIBI🌕🌑

espero que não demore muito pra gente saber quem e Lúcia

2025-09-10

1

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