O primeiro abraço que Romeu tentou me dar foi como um soco no estômago.
Não no corpo.
Na alma.
Eu tava tremendo. Suor frio escorrendo na nuca. As pernas bambas, como se o chão tivesse virado areia. Anthony me segurava pelo cotovelo, firme, mas não apertado — só o suficiente pra eu não desabar ali mesmo, na varanda daquela mansão absurda.
E então ele apareceu.
Alto. Cabelos brancos nas têmporas. Terno preto, olhos vermelhos de quem não dorme há dias.
E aquele olhar…
Meu Deus, aquele olhar era igual ao meu no espelho.
— Graças a Deus — ele sussurrou, e a voz dele quebrou no meio da frase. — Você está bem, minha filha.
Filha.
A palavra me atingiu como um tiro de raspão. Dói, mas não mata. Só deixa sangrando por dentro.
— Filha do quê você me chamou? — minha voz saiu fina, trêmula, quase infantil.
Ele engoliu seco. Os olhos marejaram.
— Sou seu pai.
— Meu pai? — ri, mas não era riso. Era desespero mascarado de ironia. — Meu pai sumiu quando eu tinha dois meses de vida. Meu pai deixou minha mãe chorando na varanda todos os dias, fingindo que tava tudo bem. Meu pai não existe.
Ele abaixou a cabeça. Como se merecesse cada palavra.
— Eu fiz isso pelo bem de vocês — ele disse, quase sem voz.
— Pelo bem? — gritei, e dessa vez minha voz ecoou na varanda inteira. — Minha mãe tá morta! Morta! E você tá aqui falando de “bem”?
Anthony deu um passo à frente, mas eu levantei a mão.
— Não. Deixa eu terminar.
Olhei direto nos olhos de Romeu. Queria que ele visse o ódio. Queria que ele sentisse.
— Ela sabia? — perguntei, a voz agora baixa, perigosa. — Minha mãe sabia que você era… isso?
Ele assentiu, devagar.
— Sim. Ela sabia de tudo.
— Então ela mentiu pra mim. Todos os dias.
— Ela fez isso pra te proteger — ele tentou explicar.
— Proteger de quê? Do seu mundo de sangue e traição? Porque olha no que deu! — minha voz quebrou. — Ela tá morta, Romeu. Morta. E a culpa é sua.
Ele não respondeu. Só ficou ali, parado, como um fantasma carregando o próprio caixão.
Foi aí que entendi: ele não era um vilão.
Era um homem quebrado.
Assim como eu.
Mas isso muda alguma coisa?
— Eu não quero a sua ajuda — sussurrei. — E não me chame de filha.
Ele assentiu de novo, os olhos cheios de uma dor que eu não queria entender.
— Sei que você precisa de tempo — ele disse. — Mas vou vingar o Levi por matar sua mãe.
— Então você sabe que foi ele?
— Sim. Ele queria se vingar de mim. Por um negócio antigo. Por traição. Por orgulho ferido.
— E minha mãe virou alvo porque você fugiu? — minha voz tremeu.
— Sim.
— A culpa é sua.
— Eu não tenho culpa, filha.
— Não me chame assim! — berrei, e dessa vez as lágrimas vieram. Quentes, grossas, impossíveis de segurar.
Scarlet apareceu na porta, como se soubesse que eu ia desmoronar.
— Romeu, acho melhor deixar — ela disse, suave, mas firme. — Ela está confusa com tudo.
Ele olhou pra mim por um longo segundo. Depois, virou as costas e foi embora, os ombros curvados como se carregasse o peso do mundo.
Scarlet me puxou pra dentro, sem dizer nada. Só me abraçou.
E eu chorei.
Chorei como uma menina que perdeu a mãe.
Chorei como uma mulher que descobriu que seu pai é um monstro… e também um homem.
— Minha mãe morreu — sussurrei contra o ombro dela. — E a culpa é dele.
— Sei — ela disse, acariciando meu cabelo. — Mas o ódio não vai trazê-la de volta, Alicia.
— Então o que vai? — perguntei, desesperada.
— A verdade. A justiça. E, um dia… talvez, o perdão.
— Eu não sei se consigo perdoar.
— Você não precisa decidir hoje.
Ela me levou pro quarto. Flora já tinha deixado roupas limpas na cama — macias, cheirosas, como se o mundo ainda tivesse gentileza pra oferecer.
— Aqui, Alicia — Scarlet disse, abrindo um armário. — Flora comprou tudo pra você.
— Obrigada — murmurei, sem olhar nos olhos dela.
— Você vai ficar bem aqui — ela insistiu. — Segura.
— Tudo tá confuso — confessei, sentando na beira da cama. — Minha mãe mentiu. Meu pai é da máfia. E eu… eu nem sei quem eu sou mais.
Scarlet se sentou ao meu lado.
— Eu também já me senti assim, filha.
— Você?
— Quando conheci o pai do Anthony, eu não sabia que ele era da máfia. Fiquei com raiva. Com medo. Mas o amor foi maior que tudo.
— Você o perdoou?
— Sim. E fomos felizes. Até… — ela parou, os olhos úmidos. — Até o Levi matar ele.
Meu sangue gelou.
— Levi matou seu marido?
— Sim. Ele era o melhor amigo do meu marido. E do seu pai.
— Então esse homem… ele destruiu duas famílias.
— Três — ela corrigiu, olhando pra mim. — A sua, a minha… e a dele próprio.
Fiquei em silêncio. O ódio queimava no peito, mas agora tinha algo novo misturado: determinação.
— Esse Levi tem que pagar — eu disse, firme.
— Anthony quer vingar ele — ela respondeu. — Mas eu tenho medo…
— De quê?
— De perder meu filho também.
Ela me olhou, e pela primeira vez, vi medo verdadeiro nos olhos dela. Não de mim. Por mim.
— Você é igual à sua mãe — ela sussurrou. — Corajosa. Teimosa. Cheia de amor, mesmo quando o mundo dá só dor.
— Você conhecia minha mãe?
— Sim. Éramos amigas. Conversávamos sobre tudo. Até… até o dia em que tudo desmoronou.
— Por que pararam de se falar?
— Depois que o Anthony perdeu o pai, eu me fechei. Me afastei. Foi errado, mas… eu não sabia lidar com a dor.
— Ela ficaria feliz em saber que estamos conversando?
— Com certeza — Scarlet sorriu, triste. — E eu… eu quero ser uma mãe pra você agora. Você não tá sozinha.
As lágrimas voltaram. Mas dessa vez, não eram só de dor.
— Obrigada — sussurrei.
Ela me deu um copo com água e um comprimido.
— Tome. Vai te ajudar a dormir.
— Eu não quero dormir. Quero pensar.
— Seu corpo precisa descansar. A mente também.
Relutei, mas acabei tomando. Em minutos, o mundo ficou mais leve. Mais distante.
Antes de fechar os olhos, ouvi Scarlet sussurrar:
— Descanse, Alicia. Amanhã, a guerra continua.
E eu soube que, pela primeira vez desde que minha mãe morreu…
eu tinha um exército.
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Atualizado até capítulo 24
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