Herdeira da Máfia
O cheiro de alecrim ainda tava no ar quando minha mãe me chamou.
— Meu amor, o jantar está pronto!
Eu nem levantei. Fiquei deitada na cama, olhando pro teto rachado, contando as fissuras como se elas fossem mapas de um mundo que eu nunca ia conhecer. Tinha dezessete anos, mas me sentia velha. Velha de tanto fingir que tava tudo bem.
Será que hoje ela vai me perguntar de novo por que eu não saio com os meninos da escola?
— Já vou, mãe — gritei, sem vontade.
Desci as escadas devagar, como sempre. Cada degrau rangia um lamento. Minha mãe adorava dizer que aquela casa era “cheia de vida”. Mas eu sabia a verdade: era cheia de silêncios. Silêncios sobre meu pai. Silêncios sobre por que a gente vivia escondida num bairro onde ninguém perguntava nome.
Foi aí que ouvi.
Uma voz de homem. Grossa. Fria. Como navalha passando na pedra.
— Hora, hora… a princesa acabou de chegar.
Princesa? Que porra é essa?
Congelei no meio da escada. Meu coração bateu tão forte que achei que ia explodir no peito. Não era a voz de nenhum vizinho. Não era a voz de ninguém que eu conhecia.
E então eu vi.
Ele tava de costas pra mim, mas segurava uma arma — preta, brilhante, mortal — apontada direto pra cabeça da minha mãe.
Minha mãe. De vestido florido. De mãos trêmulas. De olhos cheios de uma calma que eu sabia que era mentira.
— Solte minha mãe! — gritei, mas minha voz saiu fina, quebrada, de menina.
Ele se virou. Sorriu. Tinha um dente de ouro. Um olho mais fundo que o outro. E um cheiro… Deus, o cheiro dele era de cigarro velho e suor podre.
— Você tá bonita quanto sua mãe — ele disse, e a voz dele escorreu pela minha espinha como óleo quente. — Mas acho que ainda posso me divertir com você.
— Não encoste em mim, seu monstro! — berrei, mas minhas pernas não se mexiam.
Corre, Alicia. Corre!
Mas eu não corri. Porque se eu corresse, ele atirava nela. E eu não podia perder ela. Não podia.
— Por favor… — sussurrei, as lágrimas quentes escorrendo sem pedir licença. — Deixe ela ir. Eu fico no lugar.
Minha mãe balançou a cabeça, os olhos marejados.
— Filha, vai ficar tudo bem.
Mas eu vi nos olhos dela: não vai. Ela sabia. Ela sempre soube que um dia isso ia acontecer.
O homem riu. Um som seco, sem alma.
— Vamos acabar com isso agora.
E antes que eu pudesse gritar de novo, antes que eu pudesse me jogar na frente dela, o tiro ecoou.
Pá.
Um som seco. Definitivo.
Minha mãe caiu como um boneco de pano. Devagar. Sem graça. Sem drama. Só… caiu.
— Não! — berrei, e dessa vez minha voz saiu de algum lugar que eu nem sabia que existia. Corri até ela, ajoelhei na poça quente que já se espalhava pelo chão de madeira.
— Mãe! Fale comigo! Por favor!
Ela abriu os olhos. Só um pouco. Sorriu. Com sangue na boca.
— Filha… eu te amo muito.
— Eu também te amo! Não vai embora! Por favor, não vai embora!
Mas ela foi.
Seus olhos ficaram vidrados no teto. Naquela rachadura que eu tanto contei.
E então veio a raiva. Uma onda quente, escura, que subiu da minha barriga até a garganta.
— Por que fez isso com minha mãe, seu monstro? — gritei, me virando pra ele.
Ele riu de novo. Aquele riso sem alma.
— Cale a boca. Eu não quero matar você antes da hora.
Antes da hora?
Antes de quê?
Antes que eu pudesse entender, antes que eu pudesse pensar, mãos fortes me agarraram. Me amarraram. Me arrastaram.
Pelo caminho, vi o rosto da minha mãe uma última vez. Os olhos abertos. Fixos em mim. Como se dissesse: desculpa.
Dentro do carro, com a arma apontada pro meu joelho, eu não chorei mais.
Chorei antes. Agora, só pensava.
Vou te encontrar. Vou te matar. Vou fazer você sentir cada segundo do que fez com ela.
E foi assim que minha infância morreu.
Não com um adeus.
Com um tiro.
E com uma promessa sussurrada no escuro:
— Eu volto, mãe. E quando eu voltar, o mundo vai sangrar por você.
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Atualizado até capítulo 24
Comments
Mariliaa vitoria
Eita porra, vai voar merda no ventilador🥰🤭.já estou.apaixonada pela história, é de cara, parabenizando a Autora.
2025-10-06
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