um grupo estranho

A base era fria e asséptica, como um laboratório que nunca conheceu o calor humano. Mas a nossa sala… era outro mundo.

O sofá já tava afundado de tanto uso, coberto por um cobertor peludo roxo que a Parona jurava ser uma “relíquia emocional”. No canto, a TV exibia uma playlist aleatória de aberturas de animes, enquanto as luzes de LED mudavam de cor como se sentissem o humor da gente. O chão? Coberto por almofadas, cabos, um tablet quebrado e restos da pipoca da Aru. Aquilo não era bagunça. Era território.

Eu tava sentada no chão, costas encostadas na parede, girando a bainha da faca entre os dedos. Não era alarme. Era hábito. Pensava. Na missão. No governo. Em quem eu era — ou fingia ser. Mas por fora, meu rosto permanecia sereno. Líder até em silêncio.

— Se a gente morrer, pelo menos essa playlist é top — murmurou Kai, jogando a cabeça pra trás no sofá.

Parona gargalhou alto. Deitada de barriga pra baixo, pés cruzados no ar, os olhos colados num holograma que exibia um crânio aberto em 3D. Jaleco com glitter, chiclete estalando.

— Kai, se eu morrer, quero fazer minha própria autópsia. Tipo, em forma de IA. Ia ser poético.

— Você é muito perturbada — ele respondeu.

— Cientificamente empolgada, obrigada.

Sorri. Daquele jeito que dura pouco, mas esquenta por dentro.

Na cozinha, Aru empilhava camadas de um sanduíche desproporcional, vestindo um moletom largo de pixel art e chinelo de coelho. Olhos grudados numa tela com gráficos instáveis — dados da fossa, ainda processando.

— O que você tá fuçando aí, Aru? — perguntou Parona, sem tirar os olhos do holograma.

— Tentando entender uma coisa. O DNA que a gente coletou? Nem devia existir. Tem assinatura sintética. Tipo… como se alguém tivesse fabricado genes do zero. Não modificado. Criado. Isso é assustador. — Ela parou. — E tô com fome. Esse sanduíche é meu.

— Nunca duvidei das suas prioridades — disse Kai, jogando uma almofada nela.

Maya entrou do nada, jogando a mochila no canto. Tinha dado uma volta pelos corredores, como sempre que queria pensar. Se jogou no tapete entre mim e Aru com um suspiro.

— Tá pesado, né? — perguntei.

Ela só assentiu. Silêncio.

Cada um com seus próprios fantasmas, medos e perguntas. Mas juntos.

— Sério, alguém me explica como o Kai ainda não pegou nenhuma doença — disse Aru, encarando o sanduíche como se ele fosse mais confiável que o Kai.

— Genética superior — respondeu ele, com um sorriso convencido. — E exames mensais, gata. Relaxa, tô limpo.

— Até demais — murmurou Maya, com um sorrisinho.

Parona se virou, aquele brilho maluco nos olhos.

— Você devia doar esperma pra ciência. Sério. Seu índice de reprodução social é estatisticamente impressionante.

— Eu não sou um coelho, Parona — rebateu Kai, rindo. — Eu só sou... sociável. E gostoso.

Maya, que até então estava quieta, arqueou uma sobrancelha e disse com a voz calma:

— E ainda assim, eu malho mais que você.

Kai virou o rosto devagar, com cara de indignado.

— O quê?!

— Só dizendo — respondeu ela, dando de ombros, mas com um sorrisinho vitorioso.

Parona soltou uma risada escandalosa, e até Aru levantou o polegar sem olhar da tela.

— Humilha, mas com classe — murmurou eu, meio sorrindo.

— Essa semana foi quem? — perguntou Maya.

— Técnica de infiltração da divisão 9. Cabelos roxos. Sotaque do sul. Um charme. Me cobriu numa simulação quando quase chutei a porta errada. Rolou química.

— Literalmente — riu Aru. — Ela usava spray ácido, né?

— Detalhes.

Parona o analisava como se ele fosse um experimento ambulante.

— Você é o tipo de caso que desafia padrões psicológicos. Fascinante.

— E funcional. — Ele beijou a própria mão como um idiota.

A verdade? Ninguém ali julgava o Kai. Ele era um bobo, sim. Um romântico compulsivo. Mas também era o cara que cobria a gente quando dormíamos no sofá. Que lembrava de todos os aniversários, mesmo dizendo que odiava datas.

Olhei pra ele. Depois pros outros. E senti um negócio estranho: alívio. Depois de tudo o que vimos nas últimas missões… a gente ainda conseguia rir.

A porta da sala se abriu com um rangido pesado — estranho, pra um sistema automático. Virei devagar.

Ryo estava lá. Parado. Uniforme preto novo, ajustado ao corpo. Postura impecável.

— …E aí? — disse, como se tivesse só ido buscar pão.

— RYO?! — Kai pulou do sofá. — Tu caiu num buraco negro ou o quê?

Se abraçaram do jeito bruto de quem se conhece desde moleque.

Aru fez careta.

— Ótimo. Mais testosterona no recinto.

Ryo olhou ao redor, os olhos avermelhados refletindo a luz da sala. Parecia ter voltado pra casa… e percebido que a casa já mudou.

— Fui transferido. O Conselho me realocou pro Orbe Sombra — ele disse, olhando direto pra mim. — Aparentemente, estamos jogando o mesmo jogo agora.

Assenti. Mas por dentro, uma parte de mim relaxou.

— Estão puxando peças externas — murmurou Parona. — Isso é raro. Ou muito bom… ou muito ruim.

— Isso é ótimo! — Kai jogou o braço no ombro de Ryo. — Sabiam que a gente quase foi expulso da base por explodir o simulador quando tinha 14?

— “Quase” é bondade — corrigiu Ryo. — A gente foi expulso. Quatro dias.

— Detalhes — riu Kai.

E pronto. Em segundos, eles estavam relembrando histórias, zoando Aru, brigando sobre qual comida do refeitório era pior… transformando a tensão da base num dormitório barulhento.

E eu, quieta, só observava. Sorrindo de canto.

Porque ali, por um instante, mesmo em meio ao caos... a gente ainda era família.

Porém No meio das risadas, Parona fechou o holograma com um estalo dos dedos. O crânio 3D encolheu até sumir.

— Volto depois.

— Vai pra onde? — perguntou Kai, já sabendo que era inútil.

Ela apenas sorriu de canto, jogando o jaleco pelos ombros como uma capa de supervilã científica. O glitter brilhou sob a luz roxa da TV.

— Preciso de silêncio pra pensar. Aqui tá barulhento demais.

— Você é o barulho, Parona — retrucou Aru, rindo.

Mas Parona já tinha saído, sem olhar pra trás.

Era sempre assim. Ela desaparecia por horas, às vezes voltava com um corte novo no braço, às vezes com uma teoria absurda sobre neurotransmissores de mutantes. Nunca dizia onde esteve. Ninguém insistia.

A porta se fechou com um sussurro pneumático.

E o vazio que ela deixava… era sempre maior do que parecia.

...ΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩ...

...Em algum lugar... :...

O prédio estava morto. Mas algo ali ainda respirava.

Parona se moveu com cautela entre os escombros. O jaleco estava sujo de graxa e poeira, os cabelos presos de qualquer jeito. Um arranhão no rosto, o corpo exausto — mas os olhos? Firmes. Determinados.

Ninguém sabia que ela vinha aqui. Nem Isa. Nem Aru.

Esse prédio não estava nos arquivos oficiais. Mas ela sabia o que procurar. Os algoritmos de segurança não tinham previsto os padrões nos cabos de energia, nem o pulso fraco nos dados esquecidos.

No fundo, era ela tentando ouvir a voz da Lys no silêncio.

Lys.

A garota mais teimosa da Avedon. E a única que fazia Parona rir quando ela pensava que já não sabia mais como. Elas estudavam na mesma sala de biotecnologia e ciências pó três anos, dividiram códigos, frustrações e segredos. Quando Avedon caiu, ninguém achou o corpo dela. Só silêncio.

E isso partiu Parona em lugares que ela nunca mostrou a ninguém.

Na frente dos outros, era sarcástica, fria, brilhante. Mas por dentro… ela estava em guerra.

Parona puxou a alavanca do painel improvisado. O elevador chiou, hesitou… e então se moveu. Ela mesma havia consertado — com peças roubadas da base e códigos que só ela entendia.

A porta se fechou com um estalo metálico. Ela desceu.

O coração batia forte. Mas ela não hesitou.

Porque se havia algo lá embaixo — algo que Avedon tentou esconder, algo que pudesse explicar o sumiço de Lys — então ela não iria parar.

Nem que tivesse que cavar com as próprias mãos.

— Me espera, irmãzinha — sussurrou. — Eu tô chegando...

Ela sabe que deveria ter contado para Isa, pro grupo.

Ela sabia que era a Avedon mas não esperava que visse pessoas mortas com mutações de verdade

E tinha haver com o sumiço de lys

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Comments

Codigo cereza

Codigo cereza

Que história fascinante, não saiu da minha cabeça!

2025-08-02

1

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