investigar? nós?

O vídeo era tremido, granulado, claramente gravado às pressas. Mostrava uma estrada deserta, uma viatura largada, luzes piscando no escuro. Vozes adolescentes em pânico, correndo pela cena. A câmera parou sobre dois corpos de policiais. Um deles jazia com a mandíbula arrancada, a língua pendendo como uma fita molhada. O outro tinha o rosto... ausente. Carne retalhada por garras ou algo pior. O cheiro de medo parecia atravessar até a tela.

— EU FALEI PRA NÃO VIR! — gritou uma das garotas, a voz oscilando entre o medo e a culpa, quase um soluço.

Aru pausou o vídeo com um pedaço de pipoca quase na boca. O estalo foi abafado pela tensão.

— Edição horrível — murmurou, franzindo o nariz como se sentisse o cheiro da cena. — Quem grava um massacre com 30 FPS e lente suja?

Fiquei em silêncio, braços cruzados. O cenho franzido entregava mais do que qualquer palavra. Maya, ao meu lado, não piscava. Os dedos apertavam o assento como se pudesse se segurar no presente. Kai tamborilava na mesa com os nós dos dedos, inquieto. Parona abriu um relatório no tablet, olhos frios e precisos, como bisturis.

— O vídeo vazou ontem. Foi bloqueado rápido, mas viralizou antes. A polícia isolou a área. E... a gravação foi enviada pra gente por engano. Com um relatório marcado como classificação fantasma.

— Fantasma? — Maya inclinou o corpo para frente, a testa franzida, o olhar ainda na tela congelada.

— Material que não devia existir — respondeu Aru, agora largada no sofá como se aquilo fosse só mais um dia comum. Equilibrava a tigela no peito. — Mas existe. E o sistema não consegue mais fingir que não.

O silêncio caiu denso como névoa de chumbo.

Rebobinei o vídeo. O corpo sem rosto pulsava na tela. As marcas eram precisas. Não era vandalismo. Era... técnica. Força bruta com intenção.

— Isso não é um ataque comum — falei, mais pra mim mesma do que pra eles.

— Nem é o primeiro — Parona deslizou o dedo pela tela do tablet. — Três registros semelhantes nos últimos seis meses. Mesmo estilo. Nenhuma solução.

— Agora o governo está assustado — Aru completou com um meio sorriso irônico. — Estão tentando apagar pegadas... e cogitam jogar a gente no buraco de novo.

Kai bufou, cruzando os braços.

— Claro. Quando o buraco é fundo demais, jogam a corda pros invisíveis.

— Se for pra morrer, que seja com estilo — Aru levantou a pipoca num brinde silencioso. — De skin lendária equipada.

Me aproximei da tela. Algo naquela brutalidade parecia ensaiado. Treinado. Um predador que conhecia cada ponto fraco do corpo humano. E que sabia aproveitar.

— E se não for humano? — Maya sussurrou, tão baixo que mal parecia uma pergunta.

Parona hesitou antes de responder:

— Oficialmente, "mutantes" são teoria da conspiração. Mas o governo... não descarta totalmente. Eles fingem.

— E agora querem que a gente investigue o que nem eles conseguem rastrear — resumi, firme.

Na tela, um último aviso piscava:

...> Solicitação de ativação dos agentes especiais. Aguardar confirmação do Conselho Central....

Respirei fundo. Mais uma vez, lançados no escuro. Mais uma vez, só nós.

— Se é pra investigar o impossível, faremos do nosso jeito — falei, sem hesitar.

Kai assentiu devagar. Maya olhou pra mim e concordou com um movimento de queixo. Parona já acessava os canais seguros. Aru esticou os braços como quem acorda de um cochilo.

— Vai ser divertido. Ou fatal. Um dos dois.

...ΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩ...

O corredor era longo, limpo, sem janelas. As luzes brancas zumbiam como insetos nervosos. O prédio parecia desconfortável com a nossa presença ali de madrugada. Seguíamos em silêncio, todos uniformizados de preto com detalhes prata. No peito, o símbolo do governo. No ombro, a insígnia branca da nossa unidade.

Kai ajeitou a gola, visivelmente incomodado.

— Detesto esse traje. Me sinto num velório.

— Tecnicamente, você está — comentou Aru, sem perder o ritmo da caminhada. — Velório do bom senso.

Maya deu um empurrão de leve no ombro de Aru. Eu seguia à frente, rosto impassível, mas olhos atentos a cada canto.

A porta de aço se abriu com um suspiro hidráulico.

A sala do Comando Superior era escura, iluminada por hologramas e monitores. Três figuras sentadas em cadeiras elevadas, rostos cobertos pelas sombras. Vozes distorcidas.

— Equipe Orbe Sombra. Obrigado por comparecerem prontamente — disse Alfa.

— Como se tivéssemos escolha — murmurei para Kai, quase sem mover os lábios.

O chão se abriu, revelando uma mesa holográfica. A projeção brilhou: imagens flutuantes como lembranças que não queríamos revisitar.

— Caso classificado como Nível Sete. Sigilo absoluto — disse Sigma. — Apoio investigativo e contenção preliminar.

Kai arqueou uma sobrancelha.

— Que gracinha de eufemismo pra "se virem com o desconhecido".

As imagens mudaram.

Fotos das fossas. Corpos. Jovens. Olhos brancos. Veias saltadas. Pele rígida. Unhas negras. Dentes caninos longos. Costelas quebradas de dentro pra fora.

— Modificação genética — disse Delta. — Mas não da forma conhecida. Alguns tinham quatro tipos diferentes de sangue.

Aru arregalou os olhos.

— Isso... isso é um bug biológico. Não devia existir.

— E ainda assim existiu — Parona apertava os lábios, os olhos fixos no relatório como se pudesse espremer mais verdades dele.

Todos colapsaram. Morreram de dentro pra fora. Falência sistêmica. O corpo rejeitou as mudanças.

— Implodiram — Maya murmurou, num tom tão baixo que parecia um eco.

Mais imagens. Um coração negro. Ossos deformados.

— Motivo? — Kai perguntou, direto.

— Implantes genéticos clandestinos. Origem desconhecida. Não sabemos quando começou.

O gráfico apareceu: trinta anos atrás. Crianças desaparecidas entre 1995 e 1998. Casos arquivados.

Parona lia tão rápido que parecia absorver as palavras pelos olhos.

— Todos ligados ao Hospital Ravel.

— Fechado após um incêndio. Nunca investigado — Sigma completou.

A imagem voltou à viatura. Massacre. Nenhum rastro.

— O assassino... sumiu. Como se nunca tivesse existido.

— Ou foi treinado pra isso — falei.

Três corpos frescos. Veias azuis como galhos mortos. Corações em câmara fria. Silêncio.

— Queremos acesso total — pedi, firme.

— Está liberado. Vocês estão oficialmente no caso Lux

Nos entreolhamos. Nenhum de nós sorriu.

— Nome sem graça — resmungou Kai.

Ao sair da sala, todos sabíamos: não era uma nova missão.

Era um recomeço. De algo que começou muito antes de a gente nascer.

...ΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩ...

ele caminhava pela beira da estrada como uma sombra esquecida. O céu era cinza, e a cidade seguinte se estendia à frente como uma promessa envenenada. O casaco preto colava ao corpo esculpido, e mesmo sujo de poeira, sangue seco e desgaste, seu físico chamava atenção onde passava. As pessoas olhavam — algumas por desejo, outras por puro instinto de alerta. Mas ninguém sabia o que realmente estavam vendo.

Ele desviou de um carro de carga, olhos vermelhos escondidos sob a aba do capuz. Já havia aprendido a andar entre eles. Já havia sentido o calor de mãos humanas, já havia ouvido risos ao redor de praças. Tentou uma vez sentar num banco público. Ninguém se sentou ao lado. Um cachorro latiu sem parar. Um homem bêbado vomitou a três passos de distância, mesmo sem olhar pra ele.

— Você não é daqui, né? — sussurrou uma mulher, numa noite chuvosa, quando ele tentou comprar pão com moedas enferrujadas.

Ele apenas olhou. Ela recuou, sem saber por quê.

A fome era constante. Não por comida. Mas por carne viva. Era como uma febre que começava nos ossos e subia até os dentes. Resistiu. Queria resistir. Mas duas semanas antes, no beco atrás do hotel abandonado, ele cedeu. queria vomitar depois, as mãos ainda vermelhas. O gosto de sangue humano não era amargo como esperava. Era doce, quente, viciante. E pior: necessário.

“Você foi feito assim”, dizia uma voz na cabeça.

Passos ecoaram na estrada, e ele parou.

Dois homens de preto se aproximaram, roupas táticas, armamento discreto. Sete não se moveu. Reconheceu o símbolo no ombro deles — a serpente cruzando um DNA quebrado.

— Sete. — Um dos homens falou com calma. — Já faz sete meses.

o garoto não respondeu. O vento balançava os fios do seu cabelo. A cidade estava perto. Mas não perto o suficiente.

— O Pai quer ver você. Disse que está na hora.

Os olhos vermelhos dele brilharam.

Nenhuma escolha. Nenhuma fuga.

Apenas o sistema. Apenas o Criador.

E ele...

Ele estava com fome..

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