22:09 — Zona industrial da cidade.(estrada do terreno abandonado)
O ronco velho da viatura ecoava entre galpões abandonados e placas enferrujadas. As luzes intermitentes dos postes mal iluminavam a estrada de terra batida.
Mais uma patrulha de rotina.
O policial do banco do carona esfregou os olhos, lutando contra o sono.
— Esse lugar tá morto. Como sempre.
O motorista deu um leve riso nasal.
— Tomara que continue assim.
Mas a tranquilidade foi cortada pelo farol alto. Uma figura solitária surgia no meio da estrada. Parado. No escuro. Imóvel.
O motorista pisou no freio, fazendo a viatura ranger e parar alguns metros antes de atropelar o homem.
— Merda… — murmurou.
Era um jovem. Ou algo próximo disso. Cabelos azuis desgrenhados, pele pálida manchada de terra. Usava roupas largas — uma camisa branca, suja e amarrotada, que balançava com o vento fraco da madrugada. Calças igualmente largas, cobrindo parcialmente os pés descalços.
Mas o que fez os dois policiais se enrijecerem não foi o estado dele. Foram os olhos.
Vermelhos. Não como lentes. Não como reflexo. Mas como luz viva.
Um vermelho escuro, profundo, como carvão em brasa prestes a explodir em fogo.
O carona estendeu a mão até a arma.
— O que é isso...? Um tipo de aberração? Droga, ele tá encarando a gente!
O motorista pegou o alto-falante:
— Afaste-se da via! Último aviso!
Nada.
O homem não reagiu. Nem mesmo piscou. Apenas observava. O rosto sem expressão. Frio. Vazio.
A ausência total de emoção naquele olhar fazia algo instintivo gritar no fundo da espinha dos dois.
Aquilo não era normal.
— Saí da viatura. Vai precisar de contenção — disse o motorista, abrindo a porta com cautela pulando pra fora do carro.
Foi a última coisa que ele fez.
O homem se moveu.
Não correu. Não saltou. Apenas apareceu.
O som do osso quebrando veio antes mesmo do grito.
A mão do estranho agarrou o queixo do motorista com uma precisão cirúrgica — e então apertou.
O maxilar inferior se deslocou de forma grotesca, num estalo surdo, e a mandíbula inteira foi arrancada, pele e carne rasgadas com brutalidade.
O grito virou um chiado, depois silêncio.
O corpo caiu com um baque seco. Sangue quente esguichando do pescoço rasgado como uma fonte descontrolada.
O segundo policial gritou. Um som rouco, histérico, cheio de medo primitivo.
Tentou correr.
Conseguiu abrir a porta. Deu dois passos.
Não chegou ao terceiro.
O homem o alcançou pelas costas, como uma sombra se materializando no ar. Puxou-o para trás com uma força descomunal, prensando-o contra a lataria da viatura.
O policial tentou se virar, apavorado, mas uma mão fria segurou seu rosto.
Os dedos se abriram como garras.
E então veio o momento final.
Com uma força absurda, o homem puxou para cima e para os lados, rasgando o couro cabeludo, quebrando o crânio com estalos horríveis, enquanto o rosto do policial era destruído, como massa de vidro sendo esmagada.
Um som de gosma e estalos preencheu o ar.
O corpo tremia, espasmando, até cair mole no chão.
O homem se afastou dois passos. Suas mãos cobertas de sangue fresco. O peito subia e descia devagar. Não por cansaço. Mas como se estivesse se concentrando.
Não havia emoção em seu rosto. Nem satisfação. Nem fúria. Só... ausência.
A luz da viatura piscava, ainda ligada, pintando o cenário de azul e vermelho.
O terreno baldio estava em silêncio.
Só os corpos caídos e a respiração estável daquele ser.
Ele olhou para as próprias mãos ensanguentadas.
Depois ergueu os olhos para o céu nublado.
— hah... Não era o que eu queria.
O silêncio voltava, denso e pesado, como se o próprio ar estivesse com medo de se mover.
Dois corpos jaziam no chão de terra batida, sangue escorrendo em rios vermelhos que se infiltravam lentamente nas rachaduras do solo seco. A sirene da viatura piscava intermitente, jogando flashes azuis e vermelhos sobre a cena grotesca.
O garoto de cabelo azul permanecia ali, imóvel por um momento. O peito subindo e descendo de forma contida. As mãos pingavam sangue ainda quente.
Não parecia arrependido.
Mas também não parecia presente.
Seus olhos vermelhos estavam fixos na viatura. Como se... algo ali chamasse.
Ele caminhou devagar próximo ao carro. Os faróis iluminavam sua figura magra, com músculos tensos como cabos de aço, pele manchada por terra e sangue, roupas largas que pareciam roubadas de algum abrigo ou hospital.
Ele se abaixou, passou os dedos pela lataria, como quem toca algo estranhamente familiar.
A ponta dos dedos deslizou pelo capô... pela maçaneta... até o espelho retrovisor externo.
E então, parou.
Se olhou.
O reflexo no espelho vibrava levemente com o motor ainda ligado.
Os olhos vermelhos encararam de volta.
Frio. Vazio. Inumano.
Mas por um segundo, uma faísca.
Como se ele estivesse vendo seu próprio rosto pela primeira vez em anos. Como se não reconhecesse mais aquela expressão. A pele. O sangue. O olhar.
Como se estivesse... se perguntando quem era.
Ele levou a mão até o ombro direito, puxando a gola da camisa larga.
Ali, tatuado na pele pálida, em traço simples e militar:
|||007
Três barras. Um número.
Sete.
Ele encarou a marca por longos segundos. A respiração mais lenta agora. Como se aquele número pesasse em seu corpo.
Como se contasse uma história que ele não conseguia lembrar — mas sentia nos ossos.
Uma história feita de dor, de experimentos, de ordens. De isolamento, e transformação.
A luz do espelho piscou. Um barulho ao longe — talvez um trem, ou uma sirene distante.
Ele abaixou a manga da camisa, cobrindo o número.
Depois voltou o olhar para os corpos dos policiais. Nenhuma emoção.
Se virou.
E caminhou para dentro do terreno baldio, passos firmes e silenciosos, como um animal noturno retornando para seu esconderijo.
Atrás dele, a viatura ainda apitava. Mas ninguém viria a tempo de entender o que aconteceu ali.
Não completamente.
Afinal, o que restaria para contar... já tinha sido arrancado.
!
...ΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩ...
23:02 — Periferia da Zona Industrial.
— Certeza que é por aqui? — perguntou Lucas, tentando manter a voz firme. Ele segurava a lanterna do celular como se fosse uma arma.
— Uhum — respondeu Gabi, andando na frente com passos decididos demais pra quem estava usando uma saia curta e tênis de plataforma.
— A Clara falou que viu a viatura passando por esse terreno. E o lugar é perfeito pro nosso vídeo de terror fake. Cem mil views garantidos.
— Ai, ai, ai... por que eu vim... — murmurou Carol, agarrada ao braço de Rafa como se ele fosse um escudo humano. Ela tremia mais do que o LED da câmera do celular.
— A gente podia ter feito o vídeo numa casa abandonada como todo mundo!
— Silêncio! — Gabi parou. — Escutaram isso?
Os quatro ficaram imóveis. O vento balançava as folhas secas pelo chão, e um poste de luz piscava como se fosse parte do cenário de um pesadelo barato.
— Nada. Vamos logo — disse Rafa. — Fazemos o vídeo, editamos uns sustos falsos e vazamos. Quero dormir hoje.
Eles andaram por mais alguns metros até que a luz dos celulares refletiu em algo metálico.
A viatura.
— Uau... isso tá com a porta aberta? — Lucas murmurou.
— Espera... tem sangue? — Carol recuou imediatamente. — Gente... a gente devia ir embora. Sério!
— É encenação, idiota — disse Gabi, rindo
. — Deve ter alguém gravando uma série de YouTube. Sangue falso, cadáver de mentirinha...
—AAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHH!!!
O grito de Carol cortou o ar como uma lâmina.
Todos viraram ao mesmo tempo — e então viram.
Os corpos.
Caídos um ao lado do outro, no chão de terra. Um deles sem mandíbula. O outro com o rosto dilacerado. O sangue ainda fresco, brilhando à luz da lanterna. Os olhos arregalados, a expressão de puro pânico congelada no último segundo de vida.
Lucas vomitou.
Rafa ficou pálido como papel.
Carol, aos prantos, tremia tanto que o celular caiu da mão dela.
— I-isso não é maquiagem... — ela choramingou.
— CORRE. AGORA! — Gabi gritou, puxando os outros.
Os quatro correram pela trilha tortuosa de volta ao bairro, tropeçando, gritando, com os celulares tremendo na mão. O vídeo que gravaram sem querer — cheio de gritos, imagens tremidas, e um breve vislumbre dos corpos — viralizaria no dia seguinte.
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Atualizado até capítulo 22
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