Eu não sabia que ouvir o som de uma notificação poderia me tirar o ar.
Mas, desde que Rafael passou a me escrever com frequência, qualquer vibração do celular me deixava em alerta. Como se uma parte de mim — que até então estava adormecida — tivesse acordado e não quisesse mais voltar a dormir.
Naquela manhã, a mensagem chegou cedo, enquanto eu tomava café na varanda dos fundos.
Rafael:
“Acha que consigo te convencer a sair comigo amanhã?
Só nós dois.
Sem relatórios, sem projetos, sem desculpas.”
Engoli o café rápido demais e engasguei.
Respirei fundo.
Li de novo.
E de novo.
E depois mais uma vez, só pra ter certeza de que ele não estava brincando.
Só nós dois.
Era um convite direto. Simples. Sem rodeios. E ainda assim, carregado de tudo o que eu mais temia: expectativa.
Respondi horas depois.
Demorei não por querer jogar — eu não sabia jogar.
Demorei porque o medo era real.
Helena:
“Se for um lugar sem espelhos e sem gente olhando, talvez eu vá.”
A resposta dele foi quase imediata:
Rafael:
“Feito. Amanhã às 19h. Eu te busco.”
E ali estava.
O convite que eu esperei a vida toda e que, ao mesmo tempo, me dava vontade de correr para o quarto e me esconder debaixo das cobertas.
Passei o dia seguinte tentando escolher uma roupa.
Nada parecia certo. O preto disfarçava, mas me fazia parecer apagada. O vestido azul era bonito, mas justo demais. A calça jeans favorita me deixava confortável, mas não... desejável.
E foi aí que percebi o que eu estava tentando fazer.
Ser desejável.
Por ele.
Por alguém que, pela primeira vez, não me fazia sentir como uma aberração tentando caber em um espaço que não era meu.
No fim, escolhi um vestido verde-escuro de tecido leve. Um decote discreto, mangas três quartos, cintura marcada. Não para agradá-lo. Mas porque, ao me olhar no espelho, eu me senti bem. Pela primeira vez em muito tempo.
Ele chegou no horário.
Estava de blazer escuro, camisa aberta no colarinho e um sorriso tranquilo que me deixou nervosa demais.
— Você está linda — disse, assim que me viu.
— E você tem um péssimo juízo estético — retruquei, tentando manter o escudo do humor para não desmoronar.
— Ou talvez eu enxergue o que os outros não conseguem — ele respondeu.
Aquela frase me desmontou. De novo.
O restaurante era pequeno, intimista, com iluminação baixa e música ambiente suave. Nenhuma multidão. Nenhuma vitrine. Nenhuma Isadora para ofuscar. Nenhuma mãe controlando minha postura.
Só nós dois.
Ele puxou a cadeira para mim, perguntou o que eu queria beber e deixou que o silêncio nos envolvesse até que eu estivesse confortável para falar.
— Por que está fazendo isso? — perguntei, num sussurro.
— Isso o quê?
— Me tratando como alguém que importa.
Ele franziu o cenho, apoiando os cotovelos na mesa, se inclinando um pouco na minha direção.
— Porque você importa.
Simples assim.
E, por algum motivo, foi pior ouvir isso do que se ele tivesse dito que estava apaixonado.
Porque era crível. Era verdadeiro. Era real demais.
E eu ainda não sabia o que fazer com isso.
Depois do jantar, caminhamos até o carro em silêncio. Mas era um silêncio bom. Um que dizia mais do que qualquer conversa. Um silêncio de quem estava cheio demais por dentro para tentar preencher com palavras.
Ele abriu a porta para mim. Antes de entrar, hesitei.
Me virei para ele.
— Você sabe no que está se metendo?
— Não. Mas sei quem está me puxando pra dentro. E eu quero ir.
Eu o encarei por um instante, tentando entender como aquele homem, tão fora da minha realidade, conseguia me tocar de um jeito tão preciso.
— Eu sou complicada, Rafael.
— Ótimo. Nunca tive paciência pra gente rasa.
E sorriu.
Aquele sorriso.
Quente. Verdadeiro. E absurdamente perigoso para meu coração cansado.
Cheguei em casa antes das dez.
Minha mãe estava na sala com Isadora. Elas pararam de falar quando me viram entrar.
Isadora me analisou dos pés à cabeça.
— Saiu? — perguntou, como quem já sabia a resposta.
— Sim.
— Com quem?
— Não te interessa.
Ela riu.
— Você está mesmo se iludindo, não está? Acha que um homem como o Rafael Monteiro vai se envolver com alguém como você? Helena, vamos ser realistas...
Minha mãe não disse nada. Nem precisava. O silêncio dela era o mesmo de sempre: a cumplicidade da vergonha.
Mas, dessa vez, algo em mim... não recuou.
— Talvez ele tenha coragem de ver o que vocês duas nunca conseguiram — respondi, com calma. — E talvez seja isso que mais incomoda.
Isadora ficou vermelha. Minha mãe franziu os lábios.
E eu subi as escadas com o coração acelerado, mas com uma coragem nova no peito.
Rafael estava mexendo em tudo.
Na minha rotina.
Nos meus medos.
No que eu achava que sabia sobre mim.
Quando fechei a porta do quarto atrás de mim, meu corpo cedeu.
Tirei os sapatos devagar e me sentei na beirada da cama, sentindo as batidas do meu coração ainda descompassadas. Eu sabia que não era só nervosismo. Era o peso do que aquela noite havia despertado em mim.
Porque eu tinha sentido algo. Não só por ele. Mas por mim mesma.
Era como se, por uma noite, eu tivesse saído da prisão invisível em que vivi durante anos. Como se finalmente alguém tivesse me permitido respirar fundo, rir de verdade, olhar nos olhos sem medo de ser desprezada.
E esse alguém tinha sido Rafael.
Meu celular vibrou. Outra mensagem dele.
Rafael:
“Você é ainda mais bonita quando está em silêncio.”
Respirei fundo.
Apertei o aparelho contra o peito.
E, depois de alguns segundos, respondi:
Helena:
“Não estou acostumada com elogios que não terminam em deboche.”
Rafael:
“Então acostume-se. Porque eu não pretendo parar.”
Senti um nó se formar na garganta.
Eu poderia fingir que não me importava. Poderia continuar me escondendo atrás das respostas sarcásticas e das barreiras emocionais. Mas algo dentro de mim já tinha cedido. Ele estava entrando. Devagar, respeitosamente, mas com firmeza.
E eu não queria impedi-lo.
No dia seguinte, Rafael apareceu no instituto com um café na mão e um sorriso indecente no rosto.
— Trouxe reforço — disse, entregando o copo.
— E intromissão — retruquei, sem conseguir conter o sorriso.
— Estou testando meus limites.
— Está se saindo bem.
Passamos a manhã revisando algumas propostas do núcleo de capacitação de jovens. Mas, na verdade, o trabalho era apenas desculpa para estarmos próximos. E nós dois sabíamos disso.
Ele era inteligente. Observador. E, acima de tudo, gentil. Não com gentilezas vazias — mas com aquela paciência que vem de quem está realmente interessado em conhecer a alma de alguém. E isso... era assustador.
— Às vezes eu penso que você está me idealizando — falei, enquanto fechava a pasta com os relatórios.
— Não. Estou tentando te ver como você é. O problema é que você se esconde o tempo todo.
— Porque é mais seguro.
— Talvez. Mas também é mais solitário.
Virei o rosto para ele e, pela primeira vez, deixei que visse a dor. Sem filtros. Sem defesas.
— Você não faz ideia de como é crescer ouvindo que nunca vai ser suficiente. Que precisa mudar pra ser aceita. Que não pode vestir, comer, falar, sonhar... como quer. Porque não tem o corpo certo. A voz certa. A imagem certa.
Ele se aproximou um passo. Depois outro.
Parou a centímetros de mim.
— Eu não posso apagar o que fizeram com você, Helena. Mas posso mostrar que existe outra forma de ser amada.
Fiquei imóvel. Sem ar.
E ele não me tocou.
Apenas ficou ali, próximo o suficiente para que eu sentisse sua presença. Forte. Quente. Real.
— Não precisa ter medo de mim — ele sussurrou.
— Eu tenho mais medo de mim mesma.
— Eu também — ele respondeu. — Mas ainda assim estou aqui.
Fechei os olhos, sentindo algo se romper dentro de mim. Uma parede, talvez. Um medo antigo. Uma crença que eu arrastava há anos, como uma sentença gravada na pele.
E quando abri os olhos de novo, Rafael ainda estava lá.
E, mesmo sem um beijo, sem um toque, sem nenhuma promessa dita em voz alta…
Eu já estava entregue.
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Atualizado até capítulo 68
Comments
Elo Maia
Ai meu coração ❤️❤️❤️❤️❤️❤️
2025-07-17
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