Capítulo 5 – O Convite Que Assusta

Eu não sabia que ouvir o som de uma notificação poderia me tirar o ar.

Mas, desde que Rafael passou a me escrever com frequência, qualquer vibração do celular me deixava em alerta. Como se uma parte de mim — que até então estava adormecida — tivesse acordado e não quisesse mais voltar a dormir.

Naquela manhã, a mensagem chegou cedo, enquanto eu tomava café na varanda dos fundos.

Rafael:

“Acha que consigo te convencer a sair comigo amanhã?

Só nós dois.

Sem relatórios, sem projetos, sem desculpas.”

Engoli o café rápido demais e engasguei.

Respirei fundo.

Li de novo.

E de novo.

E depois mais uma vez, só pra ter certeza de que ele não estava brincando.

Só nós dois.

Era um convite direto. Simples. Sem rodeios. E ainda assim, carregado de tudo o que eu mais temia: expectativa.

Respondi horas depois.

Demorei não por querer jogar — eu não sabia jogar.

Demorei porque o medo era real.

Helena:

“Se for um lugar sem espelhos e sem gente olhando, talvez eu vá.”

A resposta dele foi quase imediata:

Rafael:

“Feito. Amanhã às 19h. Eu te busco.”

E ali estava.

O convite que eu esperei a vida toda e que, ao mesmo tempo, me dava vontade de correr para o quarto e me esconder debaixo das cobertas.

Passei o dia seguinte tentando escolher uma roupa.

Nada parecia certo. O preto disfarçava, mas me fazia parecer apagada. O vestido azul era bonito, mas justo demais. A calça jeans favorita me deixava confortável, mas não... desejável.

E foi aí que percebi o que eu estava tentando fazer.

Ser desejável.

Por ele.

Por alguém que, pela primeira vez, não me fazia sentir como uma aberração tentando caber em um espaço que não era meu.

No fim, escolhi um vestido verde-escuro de tecido leve. Um decote discreto, mangas três quartos, cintura marcada. Não para agradá-lo. Mas porque, ao me olhar no espelho, eu me senti bem. Pela primeira vez em muito tempo.

Ele chegou no horário.

Estava de blazer escuro, camisa aberta no colarinho e um sorriso tranquilo que me deixou nervosa demais.

— Você está linda — disse, assim que me viu.

— E você tem um péssimo juízo estético — retruquei, tentando manter o escudo do humor para não desmoronar.

— Ou talvez eu enxergue o que os outros não conseguem — ele respondeu.

Aquela frase me desmontou. De novo.

O restaurante era pequeno, intimista, com iluminação baixa e música ambiente suave. Nenhuma multidão. Nenhuma vitrine. Nenhuma Isadora para ofuscar. Nenhuma mãe controlando minha postura.

Só nós dois.

Ele puxou a cadeira para mim, perguntou o que eu queria beber e deixou que o silêncio nos envolvesse até que eu estivesse confortável para falar.

— Por que está fazendo isso? — perguntei, num sussurro.

— Isso o quê?

— Me tratando como alguém que importa.

Ele franziu o cenho, apoiando os cotovelos na mesa, se inclinando um pouco na minha direção.

— Porque você importa.

Simples assim.

E, por algum motivo, foi pior ouvir isso do que se ele tivesse dito que estava apaixonado.

Porque era crível. Era verdadeiro. Era real demais.

E eu ainda não sabia o que fazer com isso.

Depois do jantar, caminhamos até o carro em silêncio. Mas era um silêncio bom. Um que dizia mais do que qualquer conversa. Um silêncio de quem estava cheio demais por dentro para tentar preencher com palavras.

Ele abriu a porta para mim. Antes de entrar, hesitei.

Me virei para ele.

— Você sabe no que está se metendo?

— Não. Mas sei quem está me puxando pra dentro. E eu quero ir.

Eu o encarei por um instante, tentando entender como aquele homem, tão fora da minha realidade, conseguia me tocar de um jeito tão preciso.

— Eu sou complicada, Rafael.

— Ótimo. Nunca tive paciência pra gente rasa.

E sorriu.

Aquele sorriso.

Quente. Verdadeiro. E absurdamente perigoso para meu coração cansado.

Cheguei em casa antes das dez.

Minha mãe estava na sala com Isadora. Elas pararam de falar quando me viram entrar.

Isadora me analisou dos pés à cabeça.

— Saiu? — perguntou, como quem já sabia a resposta.

— Sim.

— Com quem?

— Não te interessa.

Ela riu.

— Você está mesmo se iludindo, não está? Acha que um homem como o Rafael Monteiro vai se envolver com alguém como você? Helena, vamos ser realistas...

Minha mãe não disse nada. Nem precisava. O silêncio dela era o mesmo de sempre: a cumplicidade da vergonha.

Mas, dessa vez, algo em mim... não recuou.

— Talvez ele tenha coragem de ver o que vocês duas nunca conseguiram — respondi, com calma. — E talvez seja isso que mais incomoda.

Isadora ficou vermelha. Minha mãe franziu os lábios.

E eu subi as escadas com o coração acelerado, mas com uma coragem nova no peito.

Rafael estava mexendo em tudo.

Na minha rotina.

Nos meus medos.

No que eu achava que sabia sobre mim.

Quando fechei a porta do quarto atrás de mim, meu corpo cedeu.

Tirei os sapatos devagar e me sentei na beirada da cama, sentindo as batidas do meu coração ainda descompassadas. Eu sabia que não era só nervosismo. Era o peso do que aquela noite havia despertado em mim.

Porque eu tinha sentido algo. Não só por ele. Mas por mim mesma.

Era como se, por uma noite, eu tivesse saído da prisão invisível em que vivi durante anos. Como se finalmente alguém tivesse me permitido respirar fundo, rir de verdade, olhar nos olhos sem medo de ser desprezada.

E esse alguém tinha sido Rafael.

Meu celular vibrou. Outra mensagem dele.

Rafael:

“Você é ainda mais bonita quando está em silêncio.”

Respirei fundo.

Apertei o aparelho contra o peito.

E, depois de alguns segundos, respondi:

Helena:

“Não estou acostumada com elogios que não terminam em deboche.”

Rafael:

“Então acostume-se. Porque eu não pretendo parar.”

Senti um nó se formar na garganta.

Eu poderia fingir que não me importava. Poderia continuar me escondendo atrás das respostas sarcásticas e das barreiras emocionais. Mas algo dentro de mim já tinha cedido. Ele estava entrando. Devagar, respeitosamente, mas com firmeza.

E eu não queria impedi-lo.

No dia seguinte, Rafael apareceu no instituto com um café na mão e um sorriso indecente no rosto.

— Trouxe reforço — disse, entregando o copo.

— E intromissão — retruquei, sem conseguir conter o sorriso.

— Estou testando meus limites.

— Está se saindo bem.

Passamos a manhã revisando algumas propostas do núcleo de capacitação de jovens. Mas, na verdade, o trabalho era apenas desculpa para estarmos próximos. E nós dois sabíamos disso.

Ele era inteligente. Observador. E, acima de tudo, gentil. Não com gentilezas vazias — mas com aquela paciência que vem de quem está realmente interessado em conhecer a alma de alguém. E isso... era assustador.

— Às vezes eu penso que você está me idealizando — falei, enquanto fechava a pasta com os relatórios.

— Não. Estou tentando te ver como você é. O problema é que você se esconde o tempo todo.

— Porque é mais seguro.

— Talvez. Mas também é mais solitário.

Virei o rosto para ele e, pela primeira vez, deixei que visse a dor. Sem filtros. Sem defesas.

— Você não faz ideia de como é crescer ouvindo que nunca vai ser suficiente. Que precisa mudar pra ser aceita. Que não pode vestir, comer, falar, sonhar... como quer. Porque não tem o corpo certo. A voz certa. A imagem certa.

Ele se aproximou um passo. Depois outro.

Parou a centímetros de mim.

— Eu não posso apagar o que fizeram com você, Helena. Mas posso mostrar que existe outra forma de ser amada.

Fiquei imóvel. Sem ar.

E ele não me tocou.

Apenas ficou ali, próximo o suficiente para que eu sentisse sua presença. Forte. Quente. Real.

— Não precisa ter medo de mim — ele sussurrou.

— Eu tenho mais medo de mim mesma.

— Eu também — ele respondeu. — Mas ainda assim estou aqui.

Fechei os olhos, sentindo algo se romper dentro de mim. Uma parede, talvez. Um medo antigo. Uma crença que eu arrastava há anos, como uma sentença gravada na pele.

E quando abri os olhos de novo, Rafael ainda estava lá.

E, mesmo sem um beijo, sem um toque, sem nenhuma promessa dita em voz alta…

Eu já estava entregue.

Mais populares

Comments

Elo Maia

Elo Maia

Ai meu coração ❤️❤️❤️❤️❤️❤️

2025-07-17

1

Ver todos
Capítulos
1 Capítulo 1 – A Invisível da Família Vasconcellos
2 Capítulo 2 – O Espelho Que Me Quebra
3 Capítulo 3 – Quando Ele Me Enxerga
4 Capítulo 4 – Quando Começa a Doer de Verdade
5 Capítulo 5 – O Convite Que Assusta
6 Capítulo 6 – E Se For Só Um Capricho?
7 Capítulo 7 – A Verdade à Luz do Dia
8 Capítulo 8 – Onde Doem os Olhares
9 Capítulo 9 – A Coragem de Ficar
10 Capítulo 10 – O Lugar Que Me Cabe
11 Capítulo 11 – O Homem Que Me Enxerga
12 Capítulo 12 – Aquilo Que Não Se Esconde Mais
13 Capítulo 13 – Aquilo Que Eu Não Devo Mais a Ninguém
14 Capítulo 14 – O Peso da Voz Que Não Cala Mais
15 Capítulo 15 – Tudo o Que Podemos Ser Juntos
16 Capítulo 16 – As Partes Que Eu Escondi Até de Mim
17 Capítulo 17 – Quando Minha Voz Encontrou o Mundo
18 Capítulo 18 – Quando o Mundo Me Leu Inteira
19 Capítulo 19 – Verdades Que Ninguém Vai Suavizar Por Mim
20 Capítulo 20 – Eu Me Reconheço Nela
21 Capítulo 21 – Quando A Dor Vem Com Vozes De Fora
22 Capítulo 22 – O Peso de Ser Vista Por Quem Me Apagou
23 Capítulo 23 – A Mãe Que Eu Quase Desisti de Esperar
24 Capítulo 24 – A Menina Que Queria Ser Invisível
25 Capítulo 25 – Quando o Mundo Começa a Escutar
26 Capítulo 26 – Entre Fronteiras e Futuros
27 Capítulo 27 – O Amor Também Pode Ser Casa
28 Capítulo 28 – A Mulher que Planta o Amanhã
29 Capítulo 29 – Onde a Voz Encontra o Mundo
30 Capítulo 30 – De Volta à Casa que Eu Construí
31 Capítulo 31 – A Menina no Espelho
32 Capítulo 32 – Novos Começos Não Avisam
33 Capítulo 33 – Corpo que Gera, Corpo que Sente
34 Capítulo 34 – Quando a Espera É Também Recomeço
35 Capítulo 35 – E Aurora Chegou
36 Capítulo 36 – Onde Tudo Recomeça em Silêncio
37 Capítulo 37 – Um Lugar Para Recomeçar
38 Capítulo 38 – O Tempo Também Cuida
39 Capítulo 39 – Voz Que Alcança
40 Capítulo 40 – Quando As Vozes Viram Ecos
41 Capítulo 41 – Quando a Ponte Range
42 Capítulo 42 – Entre o que se guarda e o que se revela
43 Capítulo 43 – Voltar Não é Retroceder
44 Capítulo 44 – Entre o Sucesso e o Sentido
45 Capítulo 45 – Quando a Voz Ecoa Alto Demais
46 Capítulo 46 – A Casa que Nunca Foi Lar
47 Capítulo 47 – A Ponte que se Constrói em Silêncio
48 Capítulo 48 – O Mundo Me Chama pelo Nome
49 Capítulo 49 – Onde o Silêncio Também Fala
50 Capítulo 50 – Quando o Mundo Te Escuta com o Coração
51 Capítulo 51 – Quando o Lar Reconhece Você de Volta
52 Capítulo 52 – A Casa Que Eu Nunca Tive
53 Capítulo 53 – Onde Mulheres Constroem Janelas
54 Capítulo 54 – Onde o Silêncio Se Transforma em Voz
55 Capítulo 55 – A Vida que Renasce em Mim
56 Capítulo 56 – Aquilo Que Nasce e Também Abala
57 Capítulo 57 – A Voz Que Ficou Em Silêncio Tempo Demais
58 Capítulo 58 – O Livro Que Me Escreve de Volta
59 Capítulo 59 – O Círculo Que Nunca Se Rompe
60 Capítulo 60 – O Primeiro Choro de Clara
61 Capítulo 61 – Aquilo Que Se Expande e Aquilo Que Permanece
62 Capítulo 62 – Voltar Sem Se Encolher
63 Capítulo 63 – O Livro que Mora em Muitas Vozes
64 Capítulo 64 – Onde As Palavras Criam Raízes
65 Capítulo 65 – Quando o Mundo Chama
66 Capítulo 66 – Quando Outras Vozes Conduzem
67 Capítulo 67 – O Tempo Que se Escreve em Nós
68 Epílogo – O Corpo Onde as Palavras Voltaram a Morar
Capítulos

Atualizado até capítulo 68

1
Capítulo 1 – A Invisível da Família Vasconcellos
2
Capítulo 2 – O Espelho Que Me Quebra
3
Capítulo 3 – Quando Ele Me Enxerga
4
Capítulo 4 – Quando Começa a Doer de Verdade
5
Capítulo 5 – O Convite Que Assusta
6
Capítulo 6 – E Se For Só Um Capricho?
7
Capítulo 7 – A Verdade à Luz do Dia
8
Capítulo 8 – Onde Doem os Olhares
9
Capítulo 9 – A Coragem de Ficar
10
Capítulo 10 – O Lugar Que Me Cabe
11
Capítulo 11 – O Homem Que Me Enxerga
12
Capítulo 12 – Aquilo Que Não Se Esconde Mais
13
Capítulo 13 – Aquilo Que Eu Não Devo Mais a Ninguém
14
Capítulo 14 – O Peso da Voz Que Não Cala Mais
15
Capítulo 15 – Tudo o Que Podemos Ser Juntos
16
Capítulo 16 – As Partes Que Eu Escondi Até de Mim
17
Capítulo 17 – Quando Minha Voz Encontrou o Mundo
18
Capítulo 18 – Quando o Mundo Me Leu Inteira
19
Capítulo 19 – Verdades Que Ninguém Vai Suavizar Por Mim
20
Capítulo 20 – Eu Me Reconheço Nela
21
Capítulo 21 – Quando A Dor Vem Com Vozes De Fora
22
Capítulo 22 – O Peso de Ser Vista Por Quem Me Apagou
23
Capítulo 23 – A Mãe Que Eu Quase Desisti de Esperar
24
Capítulo 24 – A Menina Que Queria Ser Invisível
25
Capítulo 25 – Quando o Mundo Começa a Escutar
26
Capítulo 26 – Entre Fronteiras e Futuros
27
Capítulo 27 – O Amor Também Pode Ser Casa
28
Capítulo 28 – A Mulher que Planta o Amanhã
29
Capítulo 29 – Onde a Voz Encontra o Mundo
30
Capítulo 30 – De Volta à Casa que Eu Construí
31
Capítulo 31 – A Menina no Espelho
32
Capítulo 32 – Novos Começos Não Avisam
33
Capítulo 33 – Corpo que Gera, Corpo que Sente
34
Capítulo 34 – Quando a Espera É Também Recomeço
35
Capítulo 35 – E Aurora Chegou
36
Capítulo 36 – Onde Tudo Recomeça em Silêncio
37
Capítulo 37 – Um Lugar Para Recomeçar
38
Capítulo 38 – O Tempo Também Cuida
39
Capítulo 39 – Voz Que Alcança
40
Capítulo 40 – Quando As Vozes Viram Ecos
41
Capítulo 41 – Quando a Ponte Range
42
Capítulo 42 – Entre o que se guarda e o que se revela
43
Capítulo 43 – Voltar Não é Retroceder
44
Capítulo 44 – Entre o Sucesso e o Sentido
45
Capítulo 45 – Quando a Voz Ecoa Alto Demais
46
Capítulo 46 – A Casa que Nunca Foi Lar
47
Capítulo 47 – A Ponte que se Constrói em Silêncio
48
Capítulo 48 – O Mundo Me Chama pelo Nome
49
Capítulo 49 – Onde o Silêncio Também Fala
50
Capítulo 50 – Quando o Mundo Te Escuta com o Coração
51
Capítulo 51 – Quando o Lar Reconhece Você de Volta
52
Capítulo 52 – A Casa Que Eu Nunca Tive
53
Capítulo 53 – Onde Mulheres Constroem Janelas
54
Capítulo 54 – Onde o Silêncio Se Transforma em Voz
55
Capítulo 55 – A Vida que Renasce em Mim
56
Capítulo 56 – Aquilo Que Nasce e Também Abala
57
Capítulo 57 – A Voz Que Ficou Em Silêncio Tempo Demais
58
Capítulo 58 – O Livro Que Me Escreve de Volta
59
Capítulo 59 – O Círculo Que Nunca Se Rompe
60
Capítulo 60 – O Primeiro Choro de Clara
61
Capítulo 61 – Aquilo Que Se Expande e Aquilo Que Permanece
62
Capítulo 62 – Voltar Sem Se Encolher
63
Capítulo 63 – O Livro que Mora em Muitas Vozes
64
Capítulo 64 – Onde As Palavras Criam Raízes
65
Capítulo 65 – Quando o Mundo Chama
66
Capítulo 66 – Quando Outras Vozes Conduzem
67
Capítulo 67 – O Tempo Que se Escreve em Nós
68
Epílogo – O Corpo Onde as Palavras Voltaram a Morar

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!