Além das Aparências
As paredes de mármore refletiam o brilho dourado do lustre imponente, como se a cada relance quisessem lembrar a todos ali o quanto aquela família era poderosa. Eu me sentia sufocada. Não pelo calor — o ar-condicionado fazia sua parte — mas pelo ambiente. Pelos olhares. Pelas comparações invisíveis que, para mim, sempre foram gritantes.
A festa era para minha irmã, claro.
Isadora Vasconcellos, a joia da família. Formada em Direito, fluente em três idiomas, magra, elegante, o sorriso treinado na frente do espelho. Era a mulher que todos queriam ver. E eu? A que ninguém percebia. A que servia champanhe para si mesma enquanto os garçons ignoravam sua presença. A filha que só estava ali para completar a foto de família — desde que ficasse em segundo plano, de preferência atrás de alguém mais bonito.
Ajustei a alça do meu vestido cor de vinho. Era o mais discreto que encontrei. Justo o suficiente para não parecer um saco, mas largo o bastante para esconder o que eu não conseguia aceitar. Meu corpo. As curvas que diziam ser "exageradas", os braços que eu nunca mostrava, a barriga que aprendi a esconder com casacos, mesmo no verão.
— Helena, querida, poderia se afastar um pouco? Você está tampando a luz da foto — minha mãe sussurrou entre os dentes, com aquele sorriso social nos lábios.
Dei um passo para trás, o coração afundando no peito como se cada gesto sutil dela fosse um lembrete de que, por mais que eu tentasse, nunca seria suficiente.
Não como Isadora.
— Pelo menos tenta sorrir — ela completou antes de se virar, colocando o braço ao redor da filha favorita com orgulho.
Sorri. Porque era mais fácil fingir que não doía.
Afastei-me do grupo e fui até a sacada. Precisava de ar. A cidade se estendia diante de mim, luzes piscando como se celebrassem tudo o que eu não era. Senti o vento bagunçar meus cabelos e fechei os olhos, tentando imaginar como seria ser outra pessoa. Uma Helena que ocupasse espaço sem pedir desculpas. Que se olhasse no espelho e gostasse do que via.
— Está tudo bem? — a voz masculina me tirou do devaneio.
Me virei rapidamente, constrangida. E ali estava ele.
Rafael Monteiro.
CEO do Grupo Alcor. Jovem, bem-sucedido, absurdamente bonito. Um homem que andava como se o mundo pertencesse a ele e todos apenas viviam nele por permissão.
Claro que ele estaria ali. Ele era o grande convidado da noite. A fusão entre as empresas dependia da assinatura dele. Meu pai quase teve um colapso de felicidade quando Rafael confirmou presença.
— Sim, está tudo bem — menti, cruzando os braços na tentativa instintiva de esconder meu corpo.
Ele se aproximou devagar, sem o olhar invasivo que eu esperava. Não percorreu meu corpo como tantos outros já fizeram, como se estivessem julgando cada centímetro fora do padrão. Ele apenas... olhou nos meus olhos.
— Tem muita gente lá dentro. Imagino que seja sufocante às vezes — ele comentou, com um sorriso de canto que parecia sincero demais para alguém como ele.
Não respondi. Não sabia o que dizer. Homens assim não falavam comigo. Nunca. E se falavam, era por obrigação. Por educação. Ou por zombaria.
— Helena, certo?
— Sim... — fiquei surpresa por ele saber meu nome. A maioria não sabia. Alguns pensavam que eu era prima da Isadora. Ou uma amiga. Nunca parte da família.
— Rafael — ele disse, estendendo a mão.
Eu a aceitei com hesitação. A dele era firme, quente. E ali, por um segundo, me senti vista. Não pela filha do meio. Não pela garota gorda. Apenas por mim.
— Está com cara de quem quer fugir — ele disse, inclinando levemente a cabeça. — E se eu dissesse que estou exatamente na mesma vibe?
Soltei uma risada nervosa. Quase pedi desculpas por isso. Mas ele sorriu também. Um sorriso que me deu vontade de ficar.
— Se você quiser, podemos fugir discretamente pela lateral — ele sugeriu, com um leve humor nos olhos, os braços cruzados sobre o peito, como se estivesse mesmo considerando a ideia.
A piada arrancou de mim outra risada — mais tímida, mais contida, mas verdadeira. E, por algum motivo que eu não entendia, ele parecia satisfeito com isso. Aquilo me desconcertava. Homens como Rafael Monteiro não buscavam a aprovação de mulheres como eu.
— Não sei se meu pai ficaria feliz se o futuro sócio escapasse da festa antes do brinde — comentei, encarando a cidade além da sacada, evitando o olhar dele que queimava demais para o meu conforto.
— Talvez. Mas acho que ele sobreviveria se soubesse que eu prefiro conversar com a filha dele a continuar ouvindo o discurso do ministro de Comércio pela terceira vez essa semana.
Eu virei o rosto para ele, tentando interpretar aquilo. Havia sarcasmo, sim, mas também uma espécie de franqueza rara. E isso me incomodava. Porque eu queria duvidar, como sempre duvidei de tudo — dos elogios vazios, dos olhares forçados, das tentativas de simpatia que sempre escondiam algum tipo de piedade. Mas não era isso que eu via nos olhos dele.
— Não sou o tipo de pessoa que costuma prender a atenção de CEOs arrogantes — soltei, como quem se defende antes de ser atacada.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— E quem te convenceu disso?
“Todos”, pensei.
Minha mãe, com seus olhares de reprovação cada vez que eu pegava uma sobremesa a mais.
Isadora, com suas frases passivo-agressivas sobre "como eu poderia ser bonita se me esforçasse".
Os rapazes do colégio que riam pelas costas — e às vezes, nem tanto pelas costas.
— A vida — respondi, com um encolher de ombros.
Rafael se encostou no parapeito da sacada, de lado para mim. O terno bem cortado parecia ter sido moldado para o corpo dele. Perfeito, como tudo que ele representava.
— Sabe o que eu acho curioso, Helena? — ele disse, depois de alguns segundos de silêncio.
— O quê?
— A forma como você tenta se esconder mesmo quando está em evidência. Como se pedisse desculpas por existir, mesmo quando não está fazendo nada além de respirar.
Aquela frase me atingiu com mais força do que eu gostaria de admitir. E me deixou furiosa.
— Desculpe se minha existência te incomoda — rebati, seca, a vergonha se misturando com raiva.
Ele virou o rosto para mim, calmo. Inabalável.
— Não me incomoda. Só me faz querer entender por que alguém como você acredita que merece menos do que qualquer outra pessoa nessa sala.
Meu coração bateu forte demais. Não por romantismo. Mas porque ele estava mexendo em algo que ninguém jamais ousou tocar.
A verdade.
Eu não sabia como responder. Meu silêncio pareceu suficiente para ele, porque Rafael apenas soltou um leve suspiro e olhou para a cidade à nossa frente.
— Eu cresci com gente assim — ele disse, devagar. — Que te diz quem você deve ser, como deve parecer, o que deve calar. Eu aprendi a jogar o jogo. A usar o terno certo, o tom de voz adequado, a arrogância na medida exata pra não parecer fraco. Mas... isso cansa.
Virei para encará-lo, surpresa pela honestidade inesperada.
— E por que está aqui, então?
— Porque, às vezes, você precisa entrar no castelo antes de poder derrubá-lo por dentro.
Ficamos em silêncio por alguns segundos. Eu absorvendo cada palavra, ele talvez respeitando o tempo que eu precisava para digerir tudo aquilo. E quando nossos olhares se cruzaram novamente, não havia nada de flerte barato ali. Nada de condescendência.
Havia verdade.
— Você não é invisível, Helena — ele disse, sem sorrir, sem adornar. Apenas falou.
— E se acha que é, está olhando no espelho errado.
Eu me senti exposta. Como se alguém tivesse acendido uma luz em mim depois de anos vivendo na penumbra.
Mas também me senti… viva.
E pela primeira vez em muito tempo, não quis fugir.
Nem me esconder.
Quis ficar.
Com ele.
Mesmo sem entender o porquê.
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Atualizado até capítulo 68
Comments
Nazivania Dias Carvalho
começando a ler /CoolGuy//CoolGuy//CoolGuy//CoolGuy/
2025-07-14
2
Elo Maia
Iniciando hj, 16/07. Vamos ver no que vai dar.
2025-07-16
0
Maria Aparecida
começando a ler hoje 16/07/25
2025-07-16
0