Além das Aparências

Além das Aparências

Capítulo 1 – A Invisível da Família Vasconcellos

As paredes de mármore refletiam o brilho dourado do lustre imponente, como se a cada relance quisessem lembrar a todos ali o quanto aquela família era poderosa. Eu me sentia sufocada. Não pelo calor — o ar-condicionado fazia sua parte — mas pelo ambiente. Pelos olhares. Pelas comparações invisíveis que, para mim, sempre foram gritantes.

A festa era para minha irmã, claro.

Isadora Vasconcellos, a joia da família. Formada em Direito, fluente em três idiomas, magra, elegante, o sorriso treinado na frente do espelho. Era a mulher que todos queriam ver. E eu? A que ninguém percebia. A que servia champanhe para si mesma enquanto os garçons ignoravam sua presença. A filha que só estava ali para completar a foto de família — desde que ficasse em segundo plano, de preferência atrás de alguém mais bonito.

Ajustei a alça do meu vestido cor de vinho. Era o mais discreto que encontrei. Justo o suficiente para não parecer um saco, mas largo o bastante para esconder o que eu não conseguia aceitar. Meu corpo. As curvas que diziam ser "exageradas", os braços que eu nunca mostrava, a barriga que aprendi a esconder com casacos, mesmo no verão.

— Helena, querida, poderia se afastar um pouco? Você está tampando a luz da foto — minha mãe sussurrou entre os dentes, com aquele sorriso social nos lábios.

Dei um passo para trás, o coração afundando no peito como se cada gesto sutil dela fosse um lembrete de que, por mais que eu tentasse, nunca seria suficiente.

Não como Isadora.

— Pelo menos tenta sorrir — ela completou antes de se virar, colocando o braço ao redor da filha favorita com orgulho.

Sorri. Porque era mais fácil fingir que não doía.

Afastei-me do grupo e fui até a sacada. Precisava de ar. A cidade se estendia diante de mim, luzes piscando como se celebrassem tudo o que eu não era. Senti o vento bagunçar meus cabelos e fechei os olhos, tentando imaginar como seria ser outra pessoa. Uma Helena que ocupasse espaço sem pedir desculpas. Que se olhasse no espelho e gostasse do que via.

— Está tudo bem? — a voz masculina me tirou do devaneio.

Me virei rapidamente, constrangida. E ali estava ele.

Rafael Monteiro.

CEO do Grupo Alcor. Jovem, bem-sucedido, absurdamente bonito. Um homem que andava como se o mundo pertencesse a ele e todos apenas viviam nele por permissão.

Claro que ele estaria ali. Ele era o grande convidado da noite. A fusão entre as empresas dependia da assinatura dele. Meu pai quase teve um colapso de felicidade quando Rafael confirmou presença.

— Sim, está tudo bem — menti, cruzando os braços na tentativa instintiva de esconder meu corpo.

Ele se aproximou devagar, sem o olhar invasivo que eu esperava. Não percorreu meu corpo como tantos outros já fizeram, como se estivessem julgando cada centímetro fora do padrão. Ele apenas... olhou nos meus olhos.

— Tem muita gente lá dentro. Imagino que seja sufocante às vezes — ele comentou, com um sorriso de canto que parecia sincero demais para alguém como ele.

Não respondi. Não sabia o que dizer. Homens assim não falavam comigo. Nunca. E se falavam, era por obrigação. Por educação. Ou por zombaria.

— Helena, certo?

— Sim... — fiquei surpresa por ele saber meu nome. A maioria não sabia. Alguns pensavam que eu era prima da Isadora. Ou uma amiga. Nunca parte da família.

— Rafael — ele disse, estendendo a mão.

Eu a aceitei com hesitação. A dele era firme, quente. E ali, por um segundo, me senti vista. Não pela filha do meio. Não pela garota gorda. Apenas por mim.

— Está com cara de quem quer fugir — ele disse, inclinando levemente a cabeça. — E se eu dissesse que estou exatamente na mesma vibe?

Soltei uma risada nervosa. Quase pedi desculpas por isso. Mas ele sorriu também. Um sorriso que me deu vontade de ficar.

— Se você quiser, podemos fugir discretamente pela lateral — ele sugeriu, com um leve humor nos olhos, os braços cruzados sobre o peito, como se estivesse mesmo considerando a ideia.

A piada arrancou de mim outra risada — mais tímida, mais contida, mas verdadeira. E, por algum motivo que eu não entendia, ele parecia satisfeito com isso. Aquilo me desconcertava. Homens como Rafael Monteiro não buscavam a aprovação de mulheres como eu.

— Não sei se meu pai ficaria feliz se o futuro sócio escapasse da festa antes do brinde — comentei, encarando a cidade além da sacada, evitando o olhar dele que queimava demais para o meu conforto.

— Talvez. Mas acho que ele sobreviveria se soubesse que eu prefiro conversar com a filha dele a continuar ouvindo o discurso do ministro de Comércio pela terceira vez essa semana.

Eu virei o rosto para ele, tentando interpretar aquilo. Havia sarcasmo, sim, mas também uma espécie de franqueza rara. E isso me incomodava. Porque eu queria duvidar, como sempre duvidei de tudo — dos elogios vazios, dos olhares forçados, das tentativas de simpatia que sempre escondiam algum tipo de piedade. Mas não era isso que eu via nos olhos dele.

— Não sou o tipo de pessoa que costuma prender a atenção de CEOs arrogantes — soltei, como quem se defende antes de ser atacada.

Ele arqueou uma sobrancelha.

— E quem te convenceu disso?

“Todos”, pensei.

Minha mãe, com seus olhares de reprovação cada vez que eu pegava uma sobremesa a mais.

Isadora, com suas frases passivo-agressivas sobre "como eu poderia ser bonita se me esforçasse".

Os rapazes do colégio que riam pelas costas — e às vezes, nem tanto pelas costas.

— A vida — respondi, com um encolher de ombros.

Rafael se encostou no parapeito da sacada, de lado para mim. O terno bem cortado parecia ter sido moldado para o corpo dele. Perfeito, como tudo que ele representava.

— Sabe o que eu acho curioso, Helena? — ele disse, depois de alguns segundos de silêncio.

— O quê?

— A forma como você tenta se esconder mesmo quando está em evidência. Como se pedisse desculpas por existir, mesmo quando não está fazendo nada além de respirar.

Aquela frase me atingiu com mais força do que eu gostaria de admitir. E me deixou furiosa.

— Desculpe se minha existência te incomoda — rebati, seca, a vergonha se misturando com raiva.

Ele virou o rosto para mim, calmo. Inabalável.

— Não me incomoda. Só me faz querer entender por que alguém como você acredita que merece menos do que qualquer outra pessoa nessa sala.

Meu coração bateu forte demais. Não por romantismo. Mas porque ele estava mexendo em algo que ninguém jamais ousou tocar.

A verdade.

Eu não sabia como responder. Meu silêncio pareceu suficiente para ele, porque Rafael apenas soltou um leve suspiro e olhou para a cidade à nossa frente.

— Eu cresci com gente assim — ele disse, devagar. — Que te diz quem você deve ser, como deve parecer, o que deve calar. Eu aprendi a jogar o jogo. A usar o terno certo, o tom de voz adequado, a arrogância na medida exata pra não parecer fraco. Mas... isso cansa.

Virei para encará-lo, surpresa pela honestidade inesperada.

— E por que está aqui, então?

— Porque, às vezes, você precisa entrar no castelo antes de poder derrubá-lo por dentro.

Ficamos em silêncio por alguns segundos. Eu absorvendo cada palavra, ele talvez respeitando o tempo que eu precisava para digerir tudo aquilo. E quando nossos olhares se cruzaram novamente, não havia nada de flerte barato ali. Nada de condescendência.

Havia verdade.

— Você não é invisível, Helena — ele disse, sem sorrir, sem adornar. Apenas falou.

— E se acha que é, está olhando no espelho errado.

Eu me senti exposta. Como se alguém tivesse acendido uma luz em mim depois de anos vivendo na penumbra.

Mas também me senti… viva.

E pela primeira vez em muito tempo, não quis fugir.

Nem me esconder.

Quis ficar.

Com ele.

Mesmo sem entender o porquê.

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Comments

Nazivania Dias Carvalho

Nazivania Dias Carvalho

começando a ler /CoolGuy//CoolGuy//CoolGuy//CoolGuy/

2025-07-14

2

Elo Maia

Elo Maia

Iniciando hj, 16/07. Vamos ver no que vai dar.

2025-07-16

0

Maria Aparecida

Maria Aparecida

começando a ler hoje 16/07/25

2025-07-16

0

Ver todos
Capítulos
1 Capítulo 1 – A Invisível da Família Vasconcellos
2 Capítulo 2 – O Espelho Que Me Quebra
3 Capítulo 3 – Quando Ele Me Enxerga
4 Capítulo 4 – Quando Começa a Doer de Verdade
5 Capítulo 5 – O Convite Que Assusta
6 Capítulo 6 – E Se For Só Um Capricho?
7 Capítulo 7 – A Verdade à Luz do Dia
8 Capítulo 8 – Onde Doem os Olhares
9 Capítulo 9 – A Coragem de Ficar
10 Capítulo 10 – O Lugar Que Me Cabe
11 Capítulo 11 – O Homem Que Me Enxerga
12 Capítulo 12 – Aquilo Que Não Se Esconde Mais
13 Capítulo 13 – Aquilo Que Eu Não Devo Mais a Ninguém
14 Capítulo 14 – O Peso da Voz Que Não Cala Mais
15 Capítulo 15 – Tudo o Que Podemos Ser Juntos
16 Capítulo 16 – As Partes Que Eu Escondi Até de Mim
17 Capítulo 17 – Quando Minha Voz Encontrou o Mundo
18 Capítulo 18 – Quando o Mundo Me Leu Inteira
19 Capítulo 19 – Verdades Que Ninguém Vai Suavizar Por Mim
20 Capítulo 20 – Eu Me Reconheço Nela
21 Capítulo 21 – Quando A Dor Vem Com Vozes De Fora
22 Capítulo 22 – O Peso de Ser Vista Por Quem Me Apagou
23 Capítulo 23 – A Mãe Que Eu Quase Desisti de Esperar
24 Capítulo 24 – A Menina Que Queria Ser Invisível
25 Capítulo 25 – Quando o Mundo Começa a Escutar
26 Capítulo 26 – Entre Fronteiras e Futuros
27 Capítulo 27 – O Amor Também Pode Ser Casa
28 Capítulo 28 – A Mulher que Planta o Amanhã
29 Capítulo 29 – Onde a Voz Encontra o Mundo
30 Capítulo 30 – De Volta à Casa que Eu Construí
31 Capítulo 31 – A Menina no Espelho
32 Capítulo 32 – Novos Começos Não Avisam
33 Capítulo 33 – Corpo que Gera, Corpo que Sente
34 Capítulo 34 – Quando a Espera É Também Recomeço
35 Capítulo 35 – E Aurora Chegou
36 Capítulo 36 – Onde Tudo Recomeça em Silêncio
37 Capítulo 37 – Um Lugar Para Recomeçar
38 Capítulo 38 – O Tempo Também Cuida
39 Capítulo 39 – Voz Que Alcança
40 Capítulo 40 – Quando As Vozes Viram Ecos
41 Capítulo 41 – Quando a Ponte Range
42 Capítulo 42 – Entre o que se guarda e o que se revela
43 Capítulo 43 – Voltar Não é Retroceder
44 Capítulo 44 – Entre o Sucesso e o Sentido
45 Capítulo 45 – Quando a Voz Ecoa Alto Demais
46 Capítulo 46 – A Casa que Nunca Foi Lar
47 Capítulo 47 – A Ponte que se Constrói em Silêncio
48 Capítulo 48 – O Mundo Me Chama pelo Nome
49 Capítulo 49 – Onde o Silêncio Também Fala
50 Capítulo 50 – Quando o Mundo Te Escuta com o Coração
51 Capítulo 51 – Quando o Lar Reconhece Você de Volta
52 Capítulo 52 – A Casa Que Eu Nunca Tive
53 Capítulo 53 – Onde Mulheres Constroem Janelas
54 Capítulo 54 – Onde o Silêncio Se Transforma em Voz
55 Capítulo 55 – A Vida que Renasce em Mim
56 Capítulo 56 – Aquilo Que Nasce e Também Abala
57 Capítulo 57 – A Voz Que Ficou Em Silêncio Tempo Demais
58 Capítulo 58 – O Livro Que Me Escreve de Volta
59 Capítulo 59 – O Círculo Que Nunca Se Rompe
60 Capítulo 60 – O Primeiro Choro de Clara
61 Capítulo 61 – Aquilo Que Se Expande e Aquilo Que Permanece
62 Capítulo 62 – Voltar Sem Se Encolher
63 Capítulo 63 – O Livro que Mora em Muitas Vozes
64 Capítulo 64 – Onde As Palavras Criam Raízes
65 Capítulo 65 – Quando o Mundo Chama
66 Capítulo 66 – Quando Outras Vozes Conduzem
67 Capítulo 67 – O Tempo Que se Escreve em Nós
68 Epílogo – O Corpo Onde as Palavras Voltaram a Morar
Capítulos

Atualizado até capítulo 68

1
Capítulo 1 – A Invisível da Família Vasconcellos
2
Capítulo 2 – O Espelho Que Me Quebra
3
Capítulo 3 – Quando Ele Me Enxerga
4
Capítulo 4 – Quando Começa a Doer de Verdade
5
Capítulo 5 – O Convite Que Assusta
6
Capítulo 6 – E Se For Só Um Capricho?
7
Capítulo 7 – A Verdade à Luz do Dia
8
Capítulo 8 – Onde Doem os Olhares
9
Capítulo 9 – A Coragem de Ficar
10
Capítulo 10 – O Lugar Que Me Cabe
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Capítulo 11 – O Homem Que Me Enxerga
12
Capítulo 12 – Aquilo Que Não Se Esconde Mais
13
Capítulo 13 – Aquilo Que Eu Não Devo Mais a Ninguém
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Capítulo 14 – O Peso da Voz Que Não Cala Mais
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Capítulo 15 – Tudo o Que Podemos Ser Juntos
16
Capítulo 16 – As Partes Que Eu Escondi Até de Mim
17
Capítulo 17 – Quando Minha Voz Encontrou o Mundo
18
Capítulo 18 – Quando o Mundo Me Leu Inteira
19
Capítulo 19 – Verdades Que Ninguém Vai Suavizar Por Mim
20
Capítulo 20 – Eu Me Reconheço Nela
21
Capítulo 21 – Quando A Dor Vem Com Vozes De Fora
22
Capítulo 22 – O Peso de Ser Vista Por Quem Me Apagou
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Capítulo 23 – A Mãe Que Eu Quase Desisti de Esperar
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Capítulo 24 – A Menina Que Queria Ser Invisível
25
Capítulo 25 – Quando o Mundo Começa a Escutar
26
Capítulo 26 – Entre Fronteiras e Futuros
27
Capítulo 27 – O Amor Também Pode Ser Casa
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Capítulo 28 – A Mulher que Planta o Amanhã
29
Capítulo 29 – Onde a Voz Encontra o Mundo
30
Capítulo 30 – De Volta à Casa que Eu Construí
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Capítulo 31 – A Menina no Espelho
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Capítulo 32 – Novos Começos Não Avisam
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Capítulo 33 – Corpo que Gera, Corpo que Sente
34
Capítulo 34 – Quando a Espera É Também Recomeço
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Capítulo 35 – E Aurora Chegou
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Capítulo 36 – Onde Tudo Recomeça em Silêncio
37
Capítulo 37 – Um Lugar Para Recomeçar
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Capítulo 38 – O Tempo Também Cuida
39
Capítulo 39 – Voz Que Alcança
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Capítulo 40 – Quando As Vozes Viram Ecos
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Capítulo 41 – Quando a Ponte Range
42
Capítulo 42 – Entre o que se guarda e o que se revela
43
Capítulo 43 – Voltar Não é Retroceder
44
Capítulo 44 – Entre o Sucesso e o Sentido
45
Capítulo 45 – Quando a Voz Ecoa Alto Demais
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Capítulo 46 – A Casa que Nunca Foi Lar
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Capítulo 47 – A Ponte que se Constrói em Silêncio
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Capítulo 48 – O Mundo Me Chama pelo Nome
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Capítulo 49 – Onde o Silêncio Também Fala
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Capítulo 50 – Quando o Mundo Te Escuta com o Coração
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Capítulo 51 – Quando o Lar Reconhece Você de Volta
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Capítulo 52 – A Casa Que Eu Nunca Tive
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Capítulo 53 – Onde Mulheres Constroem Janelas
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Capítulo 59 – O Círculo Que Nunca Se Rompe
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Capítulo 60 – O Primeiro Choro de Clara
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Capítulo 61 – Aquilo Que Se Expande e Aquilo Que Permanece
62
Capítulo 62 – Voltar Sem Se Encolher
63
Capítulo 63 – O Livro que Mora em Muitas Vozes
64
Capítulo 64 – Onde As Palavras Criam Raízes
65
Capítulo 65 – Quando o Mundo Chama
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Epílogo – O Corpo Onde as Palavras Voltaram a Morar

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