Capítulo 2 – O Espelho Que Me Quebra

Fui embora da sacada com as mãos tremendo.

Não pelo frio — a noite estava morna, abafada até — mas pela sensação de ter sido despida emocionalmente em poucos minutos. Rafael Monteiro me olhou como se tivesse enxergado o que nem eu mesma conseguia ver. Como se houvesse algo de valor em mim, mesmo envolto por todas as camadas de proteção, vergonha e medo.

E eu não sabia lidar com isso.

Enquanto atravessava o salão, tentando encontrar um lugar para me esconder, as palavras dele ecoavam:

“Você não é invisível. Está olhando no espelho errado.”

Aquele homem não fazia ideia de quantos espelhos já haviam me rejeitado.

— Helena! — a voz aguda da minha mãe me cortou os pensamentos. — Onde você estava?

Seu tom era ríspido, mas polido o suficiente para manter a pose diante dos convidados. Ela sorriu para um casal atrás de mim antes de me puxar discretamente pelo braço.

— Conversando — murmurei.

— Com quem?

— Com Rafael Monteiro.

Ela me olhou como se eu tivesse dito que estava tomando vinho direto da garrafa no banheiro.

— O quê? Por quê?

— Porque ele falou comigo.

Minha mãe piscou, surpresa. Como se não conseguisse entender o motivo pelo qual um homem como ele perderia tempo com alguém como eu. Aquilo doeu. Mas era previsível. Fazia parte do jogo silencioso que jogávamos há anos. O jogo onde ela fingia que me aceitava e eu fingia que não notava sua decepção constante.

— Helena... — ela suspirou, mais cansada do que irritada — você sabe que ele é uma peça-chave para a negociação do seu pai. Não precisamos que ele fique com... impressões erradas.

Engoli a seco.

Impressões erradas.

Sim, claro. Porque se ele me visse como alguém interessante, inteligente ou minimamente desejável, estaria obviamente enganado.

Era assim que ela me via. Que todos me viam. E, na maior parte do tempo, era assim que eu também me via.

Mas algo naquele encontro, naquele olhar firme e tranquilo de Rafael, fez uma rachadura na armadura que eu passei anos construindo.

De volta ao meu quarto, no andar superior da mansão, retirei os brincos com pressa e me olhei no espelho.

Mesmo com a maquiagem impecável e o vestido alinhado, tudo o que eu via era o que estava errado. O que era demais. O que ocupava espaço. A gordura no braço, a curva do quadril, a barriga que marcava mais do que deveria.

Mas, pela primeira vez, algo se rebelava dentro de mim.

E se ele estivesse certo?

E se eu tivesse aprendido a me ver pelos olhos errados?

Larguei os brincos sobre a penteadeira e me sentei na beirada da cama, abraçando os joelhos, ainda com o vestido. A festa continuava lá embaixo. Os risos, os brindes, os nomes importantes sendo ditos em voz alta. O mundo onde Isadora brilhava e onde eu era apenas sombra.

Mas, de repente, a sombra tinha sentido. Porque alguém havia parado para vê-la. E aquilo era novo. Assustador, mas novo.

Nos dias seguintes, tentei esquecer. Me afundei nos compromissos do instituto onde eu trabalhava — um pequeno projeto social financiado pela família para “melhorar a imagem pública”. Era meu refúgio. Lá eu podia ser útil, invisível do jeito certo. Sem câmeras, sem vestidos caros, sem gente esperando que eu fingisse ser alguém que não era.

Mas ele estava em toda parte.

Na capa das revistas de economia. Em uma entrevista no rádio do carro. Em um trecho do noticiário da TV da recepção. Rafael Monteiro parecia me seguir, mesmo quando eu tentava evitar lembrar do seu rosto. Ou da sua voz. Ou do jeito como ele disse meu nome, como se fosse um segredo entre nós dois.

No quarto dia após o evento, entrei em casa e ouvi a voz do meu pai na sala de reuniões.

— A apresentação foi um sucesso. Rafael ficou impressionado com a condução do projeto.

— Quem foi o responsável pela proposta de impacto social? — ele perguntou do outro lado da ligação.

Minha mãe respondeu antes que meu pai dissesse qualquer coisa:

— Helena. Ela está cuidando disso.

O silêncio dele do outro lado foi breve, mas intenso.

— Estou gostando do trabalho dela. Dê a ela liberdade para seguir com isso.

Meu coração bateu forte.

Eu?

Ele estava gostando... de algo que eu fiz?

Dei um passo para trás, antes que eles percebessem que eu estava ouvindo. Subi as escadas correndo, com o coração descompassado.

Aquilo não era só um flerte. Não era uma gentileza de passagem. Ele estava observando. Acompanhando. Dando atenção ao que eu fazia. Como se eu tivesse alguma relevância real.

Naquela noite, antes de dormir, abri o e-mail do instituto e lá estava:

Assunto: Possível visita técnica – Rafael Monteiro

Prezada Helena,

Estou impressionado com o projeto social apresentado e gostaria de conhecer de perto.

Estaria disponível para uma visita ao espaço na próxima semana?

Rafael Monteiro

Li e reli o e-mail sete vezes.

Não pelo conteúdo.

Mas pela forma.

Ele me escreveu diretamente. Me chamou pelo nome. E pediu algo. Pediu algo a mim, como se minha opinião importasse. Como se eu importasse.

Minhas mãos tremiam de novo.

Mas dessa vez, era diferente.

Não era medo.

Era expectativa.

Era o começo de algo.

E pela primeira vez em muito tempo, eu quis ver até onde aquilo poderia ir.

Mesmo que fosse perigoso.

Mesmo que eu não soubesse como sobreviver à queda.

Capítulos
1 Capítulo 1 – A Invisível da Família Vasconcellos
2 Capítulo 2 – O Espelho Que Me Quebra
3 Capítulo 3 – Quando Ele Me Enxerga
4 Capítulo 4 – Quando Começa a Doer de Verdade
5 Capítulo 5 – O Convite Que Assusta
6 Capítulo 6 – E Se For Só Um Capricho?
7 Capítulo 7 – A Verdade à Luz do Dia
8 Capítulo 8 – Onde Doem os Olhares
9 Capítulo 9 – A Coragem de Ficar
10 Capítulo 10 – O Lugar Que Me Cabe
11 Capítulo 11 – O Homem Que Me Enxerga
12 Capítulo 12 – Aquilo Que Não Se Esconde Mais
13 Capítulo 13 – Aquilo Que Eu Não Devo Mais a Ninguém
14 Capítulo 14 – O Peso da Voz Que Não Cala Mais
15 Capítulo 15 – Tudo o Que Podemos Ser Juntos
16 Capítulo 16 – As Partes Que Eu Escondi Até de Mim
17 Capítulo 17 – Quando Minha Voz Encontrou o Mundo
18 Capítulo 18 – Quando o Mundo Me Leu Inteira
19 Capítulo 19 – Verdades Que Ninguém Vai Suavizar Por Mim
20 Capítulo 20 – Eu Me Reconheço Nela
21 Capítulo 21 – Quando A Dor Vem Com Vozes De Fora
22 Capítulo 22 – O Peso de Ser Vista Por Quem Me Apagou
23 Capítulo 23 – A Mãe Que Eu Quase Desisti de Esperar
24 Capítulo 24 – A Menina Que Queria Ser Invisível
25 Capítulo 25 – Quando o Mundo Começa a Escutar
26 Capítulo 26 – Entre Fronteiras e Futuros
27 Capítulo 27 – O Amor Também Pode Ser Casa
28 Capítulo 28 – A Mulher que Planta o Amanhã
29 Capítulo 29 – Onde a Voz Encontra o Mundo
30 Capítulo 30 – De Volta à Casa que Eu Construí
31 Capítulo 31 – A Menina no Espelho
32 Capítulo 32 – Novos Começos Não Avisam
33 Capítulo 33 – Corpo que Gera, Corpo que Sente
34 Capítulo 34 – Quando a Espera É Também Recomeço
35 Capítulo 35 – E Aurora Chegou
36 Capítulo 36 – Onde Tudo Recomeça em Silêncio
37 Capítulo 37 – Um Lugar Para Recomeçar
38 Capítulo 38 – O Tempo Também Cuida
39 Capítulo 39 – Voz Que Alcança
40 Capítulo 40 – Quando As Vozes Viram Ecos
41 Capítulo 41 – Quando a Ponte Range
42 Capítulo 42 – Entre o que se guarda e o que se revela
43 Capítulo 43 – Voltar Não é Retroceder
44 Capítulo 44 – Entre o Sucesso e o Sentido
45 Capítulo 45 – Quando a Voz Ecoa Alto Demais
46 Capítulo 46 – A Casa que Nunca Foi Lar
47 Capítulo 47 – A Ponte que se Constrói em Silêncio
48 Capítulo 48 – O Mundo Me Chama pelo Nome
49 Capítulo 49 – Onde o Silêncio Também Fala
50 Capítulo 50 – Quando o Mundo Te Escuta com o Coração
51 Capítulo 51 – Quando o Lar Reconhece Você de Volta
52 Capítulo 52 – A Casa Que Eu Nunca Tive
53 Capítulo 53 – Onde Mulheres Constroem Janelas
54 Capítulo 54 – Onde o Silêncio Se Transforma em Voz
55 Capítulo 55 – A Vida que Renasce em Mim
56 Capítulo 56 – Aquilo Que Nasce e Também Abala
57 Capítulo 57 – A Voz Que Ficou Em Silêncio Tempo Demais
58 Capítulo 58 – O Livro Que Me Escreve de Volta
59 Capítulo 59 – O Círculo Que Nunca Se Rompe
60 Capítulo 60 – O Primeiro Choro de Clara
61 Capítulo 61 – Aquilo Que Se Expande e Aquilo Que Permanece
62 Capítulo 62 – Voltar Sem Se Encolher
63 Capítulo 63 – O Livro que Mora em Muitas Vozes
64 Capítulo 64 – Onde As Palavras Criam Raízes
65 Capítulo 65 – Quando o Mundo Chama
66 Capítulo 66 – Quando Outras Vozes Conduzem
67 Capítulo 67 – O Tempo Que se Escreve em Nós
68 Epílogo – O Corpo Onde as Palavras Voltaram a Morar
Capítulos

Atualizado até capítulo 68

1
Capítulo 1 – A Invisível da Família Vasconcellos
2
Capítulo 2 – O Espelho Que Me Quebra
3
Capítulo 3 – Quando Ele Me Enxerga
4
Capítulo 4 – Quando Começa a Doer de Verdade
5
Capítulo 5 – O Convite Que Assusta
6
Capítulo 6 – E Se For Só Um Capricho?
7
Capítulo 7 – A Verdade à Luz do Dia
8
Capítulo 8 – Onde Doem os Olhares
9
Capítulo 9 – A Coragem de Ficar
10
Capítulo 10 – O Lugar Que Me Cabe
11
Capítulo 11 – O Homem Que Me Enxerga
12
Capítulo 12 – Aquilo Que Não Se Esconde Mais
13
Capítulo 13 – Aquilo Que Eu Não Devo Mais a Ninguém
14
Capítulo 14 – O Peso da Voz Que Não Cala Mais
15
Capítulo 15 – Tudo o Que Podemos Ser Juntos
16
Capítulo 16 – As Partes Que Eu Escondi Até de Mim
17
Capítulo 17 – Quando Minha Voz Encontrou o Mundo
18
Capítulo 18 – Quando o Mundo Me Leu Inteira
19
Capítulo 19 – Verdades Que Ninguém Vai Suavizar Por Mim
20
Capítulo 20 – Eu Me Reconheço Nela
21
Capítulo 21 – Quando A Dor Vem Com Vozes De Fora
22
Capítulo 22 – O Peso de Ser Vista Por Quem Me Apagou
23
Capítulo 23 – A Mãe Que Eu Quase Desisti de Esperar
24
Capítulo 24 – A Menina Que Queria Ser Invisível
25
Capítulo 25 – Quando o Mundo Começa a Escutar
26
Capítulo 26 – Entre Fronteiras e Futuros
27
Capítulo 27 – O Amor Também Pode Ser Casa
28
Capítulo 28 – A Mulher que Planta o Amanhã
29
Capítulo 29 – Onde a Voz Encontra o Mundo
30
Capítulo 30 – De Volta à Casa que Eu Construí
31
Capítulo 31 – A Menina no Espelho
32
Capítulo 32 – Novos Começos Não Avisam
33
Capítulo 33 – Corpo que Gera, Corpo que Sente
34
Capítulo 34 – Quando a Espera É Também Recomeço
35
Capítulo 35 – E Aurora Chegou
36
Capítulo 36 – Onde Tudo Recomeça em Silêncio
37
Capítulo 37 – Um Lugar Para Recomeçar
38
Capítulo 38 – O Tempo Também Cuida
39
Capítulo 39 – Voz Que Alcança
40
Capítulo 40 – Quando As Vozes Viram Ecos
41
Capítulo 41 – Quando a Ponte Range
42
Capítulo 42 – Entre o que se guarda e o que se revela
43
Capítulo 43 – Voltar Não é Retroceder
44
Capítulo 44 – Entre o Sucesso e o Sentido
45
Capítulo 45 – Quando a Voz Ecoa Alto Demais
46
Capítulo 46 – A Casa que Nunca Foi Lar
47
Capítulo 47 – A Ponte que se Constrói em Silêncio
48
Capítulo 48 – O Mundo Me Chama pelo Nome
49
Capítulo 49 – Onde o Silêncio Também Fala
50
Capítulo 50 – Quando o Mundo Te Escuta com o Coração
51
Capítulo 51 – Quando o Lar Reconhece Você de Volta
52
Capítulo 52 – A Casa Que Eu Nunca Tive
53
Capítulo 53 – Onde Mulheres Constroem Janelas
54
Capítulo 54 – Onde o Silêncio Se Transforma em Voz
55
Capítulo 55 – A Vida que Renasce em Mim
56
Capítulo 56 – Aquilo Que Nasce e Também Abala
57
Capítulo 57 – A Voz Que Ficou Em Silêncio Tempo Demais
58
Capítulo 58 – O Livro Que Me Escreve de Volta
59
Capítulo 59 – O Círculo Que Nunca Se Rompe
60
Capítulo 60 – O Primeiro Choro de Clara
61
Capítulo 61 – Aquilo Que Se Expande e Aquilo Que Permanece
62
Capítulo 62 – Voltar Sem Se Encolher
63
Capítulo 63 – O Livro que Mora em Muitas Vozes
64
Capítulo 64 – Onde As Palavras Criam Raízes
65
Capítulo 65 – Quando o Mundo Chama
66
Capítulo 66 – Quando Outras Vozes Conduzem
67
Capítulo 67 – O Tempo Que se Escreve em Nós
68
Epílogo – O Corpo Onde as Palavras Voltaram a Morar

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