Fui embora da sacada com as mãos tremendo.
Não pelo frio — a noite estava morna, abafada até — mas pela sensação de ter sido despida emocionalmente em poucos minutos. Rafael Monteiro me olhou como se tivesse enxergado o que nem eu mesma conseguia ver. Como se houvesse algo de valor em mim, mesmo envolto por todas as camadas de proteção, vergonha e medo.
E eu não sabia lidar com isso.
Enquanto atravessava o salão, tentando encontrar um lugar para me esconder, as palavras dele ecoavam:
“Você não é invisível. Está olhando no espelho errado.”
Aquele homem não fazia ideia de quantos espelhos já haviam me rejeitado.
— Helena! — a voz aguda da minha mãe me cortou os pensamentos. — Onde você estava?
Seu tom era ríspido, mas polido o suficiente para manter a pose diante dos convidados. Ela sorriu para um casal atrás de mim antes de me puxar discretamente pelo braço.
— Conversando — murmurei.
— Com quem?
— Com Rafael Monteiro.
Ela me olhou como se eu tivesse dito que estava tomando vinho direto da garrafa no banheiro.
— O quê? Por quê?
— Porque ele falou comigo.
Minha mãe piscou, surpresa. Como se não conseguisse entender o motivo pelo qual um homem como ele perderia tempo com alguém como eu. Aquilo doeu. Mas era previsível. Fazia parte do jogo silencioso que jogávamos há anos. O jogo onde ela fingia que me aceitava e eu fingia que não notava sua decepção constante.
— Helena... — ela suspirou, mais cansada do que irritada — você sabe que ele é uma peça-chave para a negociação do seu pai. Não precisamos que ele fique com... impressões erradas.
Engoli a seco.
Impressões erradas.
Sim, claro. Porque se ele me visse como alguém interessante, inteligente ou minimamente desejável, estaria obviamente enganado.
Era assim que ela me via. Que todos me viam. E, na maior parte do tempo, era assim que eu também me via.
Mas algo naquele encontro, naquele olhar firme e tranquilo de Rafael, fez uma rachadura na armadura que eu passei anos construindo.
De volta ao meu quarto, no andar superior da mansão, retirei os brincos com pressa e me olhei no espelho.
Mesmo com a maquiagem impecável e o vestido alinhado, tudo o que eu via era o que estava errado. O que era demais. O que ocupava espaço. A gordura no braço, a curva do quadril, a barriga que marcava mais do que deveria.
Mas, pela primeira vez, algo se rebelava dentro de mim.
E se ele estivesse certo?
E se eu tivesse aprendido a me ver pelos olhos errados?
Larguei os brincos sobre a penteadeira e me sentei na beirada da cama, abraçando os joelhos, ainda com o vestido. A festa continuava lá embaixo. Os risos, os brindes, os nomes importantes sendo ditos em voz alta. O mundo onde Isadora brilhava e onde eu era apenas sombra.
Mas, de repente, a sombra tinha sentido. Porque alguém havia parado para vê-la. E aquilo era novo. Assustador, mas novo.
Nos dias seguintes, tentei esquecer. Me afundei nos compromissos do instituto onde eu trabalhava — um pequeno projeto social financiado pela família para “melhorar a imagem pública”. Era meu refúgio. Lá eu podia ser útil, invisível do jeito certo. Sem câmeras, sem vestidos caros, sem gente esperando que eu fingisse ser alguém que não era.
Mas ele estava em toda parte.
Na capa das revistas de economia. Em uma entrevista no rádio do carro. Em um trecho do noticiário da TV da recepção. Rafael Monteiro parecia me seguir, mesmo quando eu tentava evitar lembrar do seu rosto. Ou da sua voz. Ou do jeito como ele disse meu nome, como se fosse um segredo entre nós dois.
No quarto dia após o evento, entrei em casa e ouvi a voz do meu pai na sala de reuniões.
— A apresentação foi um sucesso. Rafael ficou impressionado com a condução do projeto.
— Quem foi o responsável pela proposta de impacto social? — ele perguntou do outro lado da ligação.
Minha mãe respondeu antes que meu pai dissesse qualquer coisa:
— Helena. Ela está cuidando disso.
O silêncio dele do outro lado foi breve, mas intenso.
— Estou gostando do trabalho dela. Dê a ela liberdade para seguir com isso.
Meu coração bateu forte.
Eu?
Ele estava gostando... de algo que eu fiz?
Dei um passo para trás, antes que eles percebessem que eu estava ouvindo. Subi as escadas correndo, com o coração descompassado.
Aquilo não era só um flerte. Não era uma gentileza de passagem. Ele estava observando. Acompanhando. Dando atenção ao que eu fazia. Como se eu tivesse alguma relevância real.
Naquela noite, antes de dormir, abri o e-mail do instituto e lá estava:
Assunto: Possível visita técnica – Rafael Monteiro
Prezada Helena,
Estou impressionado com o projeto social apresentado e gostaria de conhecer de perto.
Estaria disponível para uma visita ao espaço na próxima semana?
Rafael Monteiro
Li e reli o e-mail sete vezes.
Não pelo conteúdo.
Mas pela forma.
Ele me escreveu diretamente. Me chamou pelo nome. E pediu algo. Pediu algo a mim, como se minha opinião importasse. Como se eu importasse.
Minhas mãos tremiam de novo.
Mas dessa vez, era diferente.
Não era medo.
Era expectativa.
Era o começo de algo.
E pela primeira vez em muito tempo, eu quis ver até onde aquilo poderia ir.
Mesmo que fosse perigoso.
Mesmo que eu não soubesse como sobreviver à queda.
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Atualizado até capítulo 68
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