— O senhor se lembra por que eu invadi sua sala naquele dia? — Sim... — ele responde, parecendo arrependido —. Você queria que eu a empregasse para pagar o tratamento do seu pai. — Então por que eu tentaria matar a única esperança de cura do meu pai? — Ana, eu não sabia que você estava presa, considerando meu estado de saúde... Eu preciso entender o que aconteceu naquele dia. — O que o senhor não entendeu, doutor? — Como você soube que o suco estava envenenado? — O senhor se lembra daquele rapaz que entrou antes de mim? Quando eu cheguei, ele já estava na sua sala. Eu o segui porque ouvi ele perguntando para aquela recepcionista arrogante se o senhor estava. Ela mal levantou os olhos e respondeu que sim. Ele entrou. Eu já estava esperando há três horas e, com fome, decidi segui-lo. — Quando cheguei à porta, ela estava entreaberta. Vi ele disfarçando e tirando um líquido do bolso. Pingou no seu suco. Eu não sabia o que era, mas se fosse algo bom, ele não teria disfarçado. — Obrigado... obrigado — responde o doutor, com os olhos marejados. — Não entendo. O senhor bebeu, quase morreu... e eu... bom, estou naquele lugar horrível. — Ana, você não entende. Se não tivesse seguido ele, se não tivesse entrado na minha sala naquele momento, eu estaria morto. Sua presença permitiu que eu chamasse a segurança a tempo. O atendimento foi rápido, sabiam o que fazer, conseguiram me salvar. Eu devo minha vida a você. Não sei como te agradecer. Ana levanta as mãos algemadas e o encara. Não precisa dizer nada. — Eu sei exatamente como agradecer — diz ele, emocionado. — Vou ligar agora para o meu advogado. Vamos tirar você daquele lugar. Ana sorri, com os olhos cheios de emoção. Estou tão feliz que o senhor não tenha morrido! E não é só por que vai me tirar daquele lugar horrível, é claro. Antes que ela pudesse concluir a frase, o médico a interrompeu: — Agora mesmo vou ligar para o doutor Oscar. Vou pedir a transferência do seu pai. Ana dá um pulo de alegria e se joga nos braços do médico. Logo em seguida, se contém e pede desculpas por não conseguir controlar a emoção, agradecendo repetidamente: — Doutor Humberto, eu estou tremendamente feliz! Muito obrigada. Deus vai te abençoar muito. Quando eu começo? — Começa o quê? — pergunta o médico, sem entender. — A trabalhar, doutor. Eu preciso pagar o tratamento do meu pai. Ele sorri diante da animação de Ana. — Vá resolver sua questão na delegacia. Meu advogado já está te esperando. Quando terminar venha direto falar comigo. Mas só te peço uma coisa: não fale nada sobre o homem que você viu na minha sala aquele dia. Meu advogado vai te orientar sobre o que dizer.
— Mas por quê? Se não for indiscrição... Por que ele queria te matar? — Ana, quando você voltar, eu te explico. E não se esqueça: nenhuma palavra a ninguém.
Não se preocupe, doutor. Ana sai do quarto sem conseguir conter as emoções. As lágrimas escorrem pelo seu rosto sem que ela consiga impedir. O caminho do hospital até a delegacia parece mais longo do que o normal, mesmo com os outros carros dando passagem à viatura.
Ana, por um instante, aprecia São Paulo: os grandes arranha-céus envidraçado, alguns com jardins contemporâneos; os bares cheios de risadas e mesas na calçada, onde jovens e adultos conversam distraídos; os ciclistas focados em seus trajetos. Por um momento, ela sente o calor de um dia tranquilo em casa, mesmo sabendo que seu pai enfrentará uma grande batalha. Ainda assim, a esperança estava viva — apesar do medo constante de que o doutor Humberto desistisse. Ao chegar na delegacia, o advogado já a esperava. Era um homem de meia-idade, sobrancelhas grossas, barba bem feita. Seus cabelos pretos, com alguns fios brancos, o deixavam ainda mais atraente. Vestia um terno impecável e a acompanhou com os olhos desde que ela entrou. Ana, ao perceber, se pegou pensando no doutor Humberto, que, mesmo aos 57 anos, era tão elegante quanto aquele advogado. Na sua cidade, ela nunca vira homens tão bem vestidos. Após resolver os trâmites na delegacia, ela volta ao hospital. Ainda duvidava se tudo aquilo era real. Mas, ao passar pela recepção, percebe que a recepcionista arrogante não estava mais lá. Depois ficou sabendo que ela foi dispensada.
Dirige-se ao quarto do doutor Humberto, mas, desta vez, ele não está na cama. Está de pé, todo arrumado, como se estivesse prestes a partir. — Olá, Ana. Seja bem-vinda — diz ele, voltando sua atenção para ela. — Doutor Humberto, o senhor já está bem a ponto de ficar em pé assim? — Não se preocupe. Já recebi alta. Agora, vamos conversar. Ana sentia um misto de emoções. Não sabia ao certo o que aquele homem queria. Nunca em sua vida havia passado por uma situação como aquela. Nunca teve que lidar com homens poderosos. O único que conhecera fora seu pai — foi o senhor João, dono da lanchonete onde trabalhava meio período, que só falava com ela para comentar os pedidos. Ela tentou decifrar a expressão daquele homem, mas era impossível. Ainda assim, percebeu um leve ar de decepção. — Ana — disse ele, com a voz falhando em alguns momentos —, conversei com o doutor Oscar. Seu pai chega a São Paulo amanhã. Ana abriu um sorriso esperançoso. — Seu pai terá todo o atendimento necessário. Você não precisa se preocupar com nada. Mas naquele instante, Ana pensou em sua mãe. E sentiu o peso da dúvida sobre o que viria a seguir. — Não se preocupe, Ana. Sua mãe virá com ele. Na verdade, vou precisar de você em tempo integral. Ela franziu a testa, surpresa com o modo como ele parecia ter lido seus pensamentos.
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Atualizado até capítulo 52
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