Silvia sempre acreditou que a dor física era mais suportável que a dúvida. Até aquele dia.
A noite estava abafada, e o ar da casa parecia mais espesso do que o normal. Júnior saíra para uma reunião. Era o que ele sempre dizia. Reunião. Viagem. Compromissos. Palavras vagas que delimitavam sua ausência, sem nunca explicá-la.
Silvia terminava de organizar uma das estantes do escritório quando um envelope mal colocado escorregou entre dois livros. Era um envelope grosso, amarelado nas bordas, com o nome dela rabiscado com a caligrafia de uma secretária apressada.
No início, ela apenas o olhou. O instinto dizia para ignorar. Mas o silêncio da casa era um convite.
Abriu.
Lá dentro, havia cópias de documentos. A certidão de casamento. O pedido de arquivamento do processo contra Sabrina. Uma procuração assinada por Silvia — ou pelo menos com uma assinatura que deveria ser dela.
Franziu o cenho.
Pegou o papel com a suposta certidão e o ergueu contra a luz. A marca d’água era diferente da original que ela lembrava. As assinaturas dos “oficiais” do cartório pareciam idênticas — como se tivessem sido carimbadas.
O sangue começou a sumir das pontas dos dedos.
Passou ao próximo documento: o pedido de arquivamento. Lá estava: “Em virtude do perdão concedido pela vítima e da reconciliação entre as partes, solicitamos o encerramento definitivo do processo referente ao atropelamento de Silvia Menezes, ocorrido em…”
Silvia leu e releu a mesma frase mais de cinco vezes. “Perdão concedido.” “Reconciliação entre as partes.” Que partes? Ela e Sabrina nunca trocaram uma palavra desde o hospital.
Suas mãos tremiam.
Puxou o laptop da gaveta, digitou o nome do cartório, o número do registro de casamento. O site era lento. Mas quando a página finalmente carregou, o golpe final veio: “Registro não encontrado.”
Foi como levar outro atropelamento.
Silvia caiu sentada na cadeira, encarando a tela. O casamento não existia. Nunca existiu.
Cada momento, cada gesto frio de Júnior agora fazia sentido. Ele nunca a beijou. Nunca a tocou. Nunca a chamou de esposa — não com verdade. O que ela viveu por três anos foi um teatro, e ela, a única que não sabia o roteiro.
E pior: usaram o nome dela para salvar Sabrina.
O perdão não foi concedido. Foi forjado.
O casamento foi forjado.
Ela, uma marionete silenciosa num espetáculo cruel.
As lágrimas vieram, quentes, raivosas, diferentes das outras. Não havia tristeza. Havia indignação. Pela primeira vez em muito tempo, ela sentia o corpo pulsar — não pela dor, mas pela necessidade de ação.
Levantou-se com firmeza. Foi até o quarto de Júnior. Girou a maçaneta devagar. Estava destrancada.
O ambiente era impecável. Frio. O closet cheirava a couro e madeira polida. Havia pastas organizadas, gavetas trancadas, dispositivos de segurança. Mas Silvia conhecia a forma como ele escondia as coisas. Sempre deixava algo em um local mais óbvio, para disfarçar os verdadeiros esconderijos.
No fundo de uma gaveta, sob camisas dobradas milimetricamente, encontrou uma caixa de metal. Dentro dela, pen drives.
Pegou todos.
Voltou ao próprio quarto. Colocou o primeiro no computador. Estavam criptografados. Mas um deles, o menor, abriu sem senha. Vídeos. Pastas nomeadas com datas. Os arquivos eram pesados, mas carregavam miniaturas: imagens da sala de estar, da cozinha, do corredor.
Câmeras escondidas.
O coração de Silvia quase saiu pela boca.
Clicou no primeiro vídeo. Era ela, na sala, lendo um livro. Outro mostrava ela dormindo. Outro — esse ela não teve coragem de ver inteiro — a mostrava entrando no quarto dele, com o vestido vinho.
A vergonha queimou o rosto. O estômago revirou. Ela estava sendo vigiada.
Gravada.
Humilhada.
Silvia desligou tudo. Sentou-se no chão. Abraçou os joelhos. Ficou ali, por longos minutos, talvez horas. E então, como se puxasse o próprio espírito de dentro de um poço escuro, ela se levantou.
Se Júnior achava que ela era fraca, silenciosa, quebrada — ele logo veria quem ela realmente era.
Ele construiu essa prisão. Mas ela aprenderia a dançar dentro dela. E faria as grades virarem palco.
E no fim, faria a plateia aplaudir a queda dele.
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Atualizado até capítulo 49
Comments
Sônia Ribeiro
Adoro essas histórias que a mulher dá volta por cima pisando no marido escroto, infiel e sem caráter.Amando essa história ♥️👏👏👏👏
2025-07-11
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lua 🌙
que canalha
2025-07-11
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