CAPÍTULO 5.
A capela dos Allencourt erguia-se como uma sentinela antiga em meio à neblina.
Torres finas, janelas góticas, vitrais que filtravam a luz do fim da tarde em tons de sangue e ouro.
A carruagem parou.
O cocheiro desceu e abriu a porta com rigidez.
Isadora demorou alguns segundos para se mover.
O vestido pesava mais do que devia.
Em sua mão fechada, escondido entre as dobras do tecido, o anel da mulher morta ainda queimava.
— Senhorita Vellmont?
Ela olhou.
Ali, à frente da escadaria de pedra da capela, estava o senhor Fontenelle.
Seu padrasto.
Frio como sempre. Rígido como o terno que vestia.
Ela desceu com cuidado. O véu cobria parte do rosto, mas não o suficiente para esconder os olhos cansados.
— Está atrasada, — disse ele, seco.
— Fui... interrompida.
Ele a olhou de cima a baixo, como se avaliasse um objeto prestes a ser vendido.
— Não derrame lágrimas. Não vacile. Não desonre o nome que carrega.
— O nome que não é meu, — murmurou ela.
Ele a ignorou.
Ofereceu o braço.
Ela o aceitou com dedos frios.
Subiram os degraus da capela. A cada passo, o mundo de Isadora parecia se afastar mais dela.
Cada toque do vestido no chão soava como uma marcha fúnebre.
As portas se abriram.
E lá dentro…
todos esperavam.
Os convidados — nobres, aliados, traidores vestidos de luxo.
As flores brancas pareciam pálidas demais, como se estivessem ali não para celebrar… mas para assistir.
E no altar, em traje escuro, estava Adrien.
Imóvel. Belo.
Olhos fixos nela como se quisesse lê-la antes mesmo que ela dissesse “sim”.
Ao lado dele, um passo atrás…
Damon.
Sorrindo. Como sempre. Como se já soubesse de tudo.
E naquele instante, Isadora sentiu:
Ela não caminhava para uma nova vida.
Ela caminhava para dentro da jaula.
Mas pelo menos agora… ela sabia o nome da fera.
A música ecoava entre as paredes da capela, lenta como uma marcha.
Isadora sentia os olhos de todos cravados nela enquanto avançava.
Ao seu lado, o padrasto mantinha o queixo erguido, orgulhoso por entregar a noiva como se entregasse uma peça rara a um colecionador.
Mas ela não ouvia mais a música.
O som era abafado pelo próprio coração.
Quando passou pela primeira fileira, viu Eloise, sentada, com as mãos entrelaçadas sobre o colo. Os olhos da irmã diziam tudo:
“Ainda dá tempo.”
Mas Isadora apenas caminhou.
À frente, Adrien a aguardava.
Frio. Imóvel.
Olhos presos nela como se quisesse encontrar algo que não soubesse explicar.
Ao lado, Damon estava inclinado, observando tudo com um sorriso malicioso nos lábios, como se esperasse a queda final.
Quando chegou ao último degrau e parou diante de Adrien, Isadora respirou fundo.
O anel da mulher morta ainda estava em sua mão.
Ela pensou em escondê-lo.
Pensou em jogá-lo no altar silenciosamente.
Pensou em engolir a dor, como sempre.
Mas então…
O anel escorregou.
Deslizou por entre seus dedos trêmulos.
Caiu no chão de pedra com um som nítido e metálico, como se tivesse sido arremessado.
CLINC.
O som ecoou.
Todos olharam.
Adrien baixou os olhos.
Viu o pequeno anel antigo — e reconheceu.
A expressão dele mudou.
Do controle ao espanto.
Do espanto ao vazio absoluto.
— Onde conseguiu isso? — ele perguntou, num tom que não combinava com a cerimônia.
Isadora hesitou.
— Ela me deu.
— Ela quem? — A voz dele baixou perigosamente.
— Sua cunhada. A irmã da esposa que morreu neste castelo.
Um silêncio cortante caiu entre os dois.
Damon, ao lado, soltou uma risada seca.
— Ah… que presente apropriado para o casamento, não? — ele murmurou, com veneno. — O fantasma da anterior abençoando a próxima vítima.
— Cale-se, — rosnou Adrien.
Mas era tarde.
O ar da capela havia mudado.
Os convidados cochichavam.
Isadora manteve os olhos fixos nos de Adrien.
— Você a deixou morrer, não foi?
Adrien não respondeu.
Mas sua mandíbula travou.
— E agora quer que eu use seu nome como se fosse um manto. Mas ele pesa como um túmulo, Adrien.
Ela abaixou-se. Pegou o anel.
E o depositou suavemente sobre o altar.
— Enterre com ele o que restou da mulher que veio antes de mim.
Então se virou.
Olhou para o padre.
— Continue. Quero que isso acabe logo.
E Adrien…
não disse uma palavra.
A cerimônia prosseguiu, mas ninguém ali acreditava mais em bênção alguma.
Porque naquele altar, não havia amor.
Havia apenas uma promessa feita com o sangue dos que vieram antes.
E Isadora sabia:
Ela não foi a primeira.
Mas seria a última.
**
O castelo Allencourt não celebrou.
Após a cerimônia, nenhum riso ecoou pelos salões.
Não houve baile. Nem brindes. Nem alegria.
Houve apenas silêncio.
E uma noiva pálida sendo levada de volta à carruagem — desta vez com um novo sobrenome e nenhuma liberdade.
Isadora subiu as escadas do castelo com o vestido ainda sujo de poeira da capela.
As criadas abriram as portas dos aposentos conjugais, que agora eram seus também.
Um quarto amplo. Sombrio. Decorado em tons escuros.
A lareira ardia suavemente, mas não havia calor ali.
No centro da cama, um vestido de noite a esperava — delicado demais, transparente demais.
Ela não o tocou.
Tirou o véu devagar, encarando o espelho.
Mas não se via mais.
Só via uma mulher moldada pelo medo.
—
A porta rangeu atrás dela.
Adrien entrou.
Vestia a mesma roupa da cerimônia.
A gravata afrouxada. As luvas nas mãos.
Isadora se virou, firme, sem baixar os olhos.
— Veio completar o que começou?
Adrien parou no meio do quarto.
Não se aproximou.
— Você jogou o passado no altar como uma sentença.
— Eu só o expus à luz, — retrucou ela.
Ele respirou fundo. Olhos baixos por um instante.
— Ela não morreu por minha causa. Mas eu a deixei morrer. Há uma diferença, Isadora. Você entende isso?
— Entendo que sua culpa não me protege. — Os olhos dela estavam frios. — E que talvez eu seja apenas a nova cela onde você tenta se aprisionar para não pensar nela.
Silêncio.
Adrien se aproximou, finalmente.
Parou diante dela, perto o suficiente para que ela sentisse o cheiro discreto de madeira escura e cinza.
— Você me odeia?
Isadora hesitou.
— Não o suficiente para me salvar. Mas o bastante para não me entregar.
Ele passou a mão pela nuca, cansado. Diferente.
Mas ainda perigoso.
— Essa noite… não haverá nada. Não assim. — Sua voz abaixou. — Você não é minha. Não ainda.
— E nem pretendo ser.
Ele assentiu.
Deu um passo para trás.
Mas antes de sair, olhou para ela uma última vez.
— Amanhã… você terá seu quarto de volta. Por enquanto, durma onde quiser. Mas saiba disso, Isadora.
—O castelo escuta. E ele escolhe quem devora.
A porta fechou.
E a noiva…
ficou ali, com o vestido que não trocou, a cama que não tocou,
e o medo que agora não vinha apenas de..
Adrien…
Mas de tudo ao redor.
Porque naquela noite, pela primeira vez,
Isadora teve certeza de que o castelo estava vivo.
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Atualizado até capítulo 70
Comments
Joelma Oliveira
nem sei o que é pior! a casa da "família" ou o castelo do agora "marido" e ainda tem o tal cunhado
2025-07-10
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