CAPÍTULO 2.
Isadora não dormiu naquela noite.
Mesmo horas depois do fim do baile, sua mente ainda se fixava nos olhos de Adrien Dorne — frios, cinzentos e absolutamente certos do que viam.
Ela o conhecera com um único olhar.
E isso a apavorava.
No dia seguinte, o rumor correu como veneno entre as damas da sociedade:
“Ele pediu uma audiência com a Senhora Fontenelle.”
“Dizem que é por causa de Eloise.”
“Não, querida… é pela órfã.”
Ao entardecer, Isadora foi chamada à sala principal.
A mesma onde os Fontenelle só recebiam visitas de sangue azul.
Ela entrou com o que restava de dignidade, o que era pouco.
Estava sozinha, até que a porta se fechou atrás de si.
— Vellmont. — disse uma voz, grave e gélida.
Ela se virou devagar.
Adrien Dorne estava ali.
A poucos passos. De pé. Vestindo preto como um luto eterno.
Na mão, segurava uma luva que não usava.
Nos olhos, havia fome.
— Não uso esse nome há anos, — Isadora respondeu, tentando manter a voz firme.
— E, no entanto, ele é seu. — Ele deu um passo à frente. — Seus olhos são iguais aos do duque. Seu queixo também. Você é o que restou.
Ela empinou o queixo, irritada.
— Veio aqui apenas para me lembrar disso?
Ele se aproximou ainda mais. A poucos centímetros.
Ela sentiu o cheiro dele — madeira escura, tabaco, noite.
— Vim aqui para pedir sua mão em casamento.
Silêncio.
O tempo congelou.
— Está… brincando? — Ela riu, amarga. — Sou uma criada de luxo. Uma lembrança inconveniente. Há dezenas de damas aqui mais… apropriadas.
— Não quero uma dama apropriada, — ele respondeu. — Quero uma Vellmont.
Ela recuou um passo.
— Por quê? Vingança? Capricho? Ou deseja me envergonhar diante de todos?
Ele não respondeu. Apenas a observou com aquele olhar que fazia seu orgulho vacilar.
— Você será minha esposa, Isadora.
— E se eu recusar?
— Você não pode recusar.
A porta se abriu. A Senhora Fontenelle entrou, pálida como porcelana rachada.
— Ele tem o consentimento da casa, — disse, seca. — O casamento será anunciado amanhã.
Isadora olhou para ela. Depois para Adrien.
Por fim, para o vazio.
Dentro dela, algo gritou. Mas por fora… ela apenas curvou a cabeça.
Pois era melhor ser desejada por um monstro,
do que esquecida por todos.
Dias depois..
O castelo Allencourt se erguia como um monstro adormecido entre colinas e neblina.
Alto demais para ser acolhedor.
Frio demais para ser chamado de lar.
A carruagem parou diante dos portões de ferro. Isadora não moveu um músculo. Apenas observou, com o rosto imóvel, o lugar que agora seria seu destino — ou sua prisão.
O céu estava cinza. Sempre cinza.
— Estamos em casa, — disse Adrien Dorne, descendo primeiro, sem oferecer a mão.
Ela desceu sozinha.
Os criados se curvaram, mas nenhum sorriu. Ninguém a chamou de “senhora”.
Apenas a olharam como se ela fosse mais uma peça decorativa.
Uma boneca feita para ocupar um lugar vazio.
Isadora ergueu o queixo.
Ela podia não ter sido convidada para este mundo… mas não rastejaria por ele.
O interior do castelo era escuro, de pedras antigas e tapeçarias que abafavam o som dos passos. Havia algo nos corredores — uma memória pesada, como se as paredes tivessem visto demais.
Adrien caminhava à frente, calado como sempre.
— O quarto da futura Lady Allencourt fica no alto da ala leste, — ele disse, sem se virar. — Lá ninguém a incomodará. Nem mesmo eu.
Nem mesmo ele.
Por que aquilo soava como uma ameaça?
Eles subiram as escadas. Ao alcançar o salão principal, uma figura surgiu, encostada na parede, sorrindo.
Damon Asheroft.
Os cabelos escuros desalinhados, a postura de quem ri do mundo inteiro — e um olhar que a despiu em um segundo.
— Então esta é a noiva do meu irmão… — disse ele, a voz como vinho derramado. — Hum. É mais viva do que eu esperava.
Adrien o ignorou, mas Isadora parou.
Damon se aproximou, quase com gentileza. Quase.
— Sabia que os casamentos aqui duram pouco? — ele sussurrou. — Talvez você seja a primeira a sobreviver à primavera.
Ela manteve os olhos fixos nele.
— Talvez eu seja a última coisa que vocês esperavam.
— Tomara, — ele sorriu. — Estou cansado de fantasmas obedientes.
E então Adrien se virou, pela primeira vez naquele dia, e encarou o irmão.
O ar ficou denso.
— Ela é minha. — disse. Simples. Cortante.
Damon recuou um passo, ainda sorrindo.
— É mesmo? Vamos ver quanto tempo isso dura.
Isadora sabia, ali mesmo, que havia entrado em um lugar onde homens lutavam em silêncio — e mulheres pagavam o preço.
Mas ela não seria moeda.
Não seria brinquedo.
E, mesmo que tivesse que sangrar, seria lembrada.
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Atualizado até capítulo 70
Comments
Joelma Oliveira
pela deusa! perde tudo, é tratada como invisível e ainda cai numa briga de irmãos poderosos... dava pra aliviar um pouco com ela não é dona selene!
2025-07-10
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