Fenrir: E os Deuses Lobos
Aruna
Um sorriso surge em meu rosto assim que deposito a cesta de frutas no chão. É hoje! Hoje irei ao grande altar ancestral, no topo da montanha.
Hoje, nós, os Terrideos, prestaremos oferendas aos deuses lobos — pela caça, pelos alimentos, pela chuva que eles nos proporcionam. Mantendo nossa tradição viva.
Será que eles irão aparecer? Estou tão entusiasmada para ver um deles...
Meu pai diz que são tão antigos quanto estas terras. Diz também que um deus lobo jamais se revelou em sua forma celestial para um Terrideo.
Somente os vemos em suas formas de lobo. Espíritos protetores.
Corro até a bica onde jorra água e lavo o rosto rapidamente. Minha vó se aproxima e diz:
— A grande bola de fogo está se pondo, Aruna. Se apresse. Todos já estão se preparando para subir a montanha.
Sorrio e respondo:
— É o sol, vó. A senhora tem o conhecimento que os deuses lobos deixaram. É assim que eles chamam a “bola de fogo” que a senhora disse. Sol, vozinha.
Ela sorri e me puxa pela mão:
— Deixa de bobagem, menina. Gosto de falar como nossos antepassados falavam.
— É... Mas a senhora sabe que só aprendemos essa língua porque os deuses lobos ensinaram. Agora me diz, vó: eles são realmente azuis? As formas deles como lobos são mesmo gigantescas? A senhora já viu um... em sua forma celestial?
Minha vó para de andar. Arregala os olhos e tampa minha boca com a mão.
— Pelo amor dos deuses, Aruna! Jamais pergunte sobre isso, está me ouvindo? Um Terrideo jamais pode ver um deus em sua forma celestial. Jamais!
Franzo o cenho.
— Ué... Por que não?
Ela suspira profundamente, depois segura minha mão com mais força e diz:
— Porque isso significa mal presságio. Um terrível mal que pode abalar os dois mundos — o nosso e o deles. E outra coisa: nunca olhe nos olhos deles quando aparecerem no altar. Nunca. Agora vamos.
Ela me puxa. Todos colocamos nossas cestas nas costas com as oferendas e começamos a subir a montanha.
Estou tão eufórica. É minha primeira vez indo ao grande altar. Só de imaginar ver um deles... meu coração dispara.
Será que são realmente tão grandes? E os pelos... será que balançam mesmo ao vento?
Minha nossa... eu quero muito ver!
Distraída, quase tropeço.
— Foco, Aruna — adverte meu pai ao meu lado. — O terreno é íngreme. Um descuido e você cai lá embaixo.
Assinto e continuo. Quase no topo, avisto uma pequena flor solitária na beira da trilha. A pego com cuidado e a coloco atrás da orelha.
Sorrio. E, por fim, chegamos.
O chão é liso e cinza, diferente de tudo que já vi. Pilastras imensas se erguem ao redor como guardiãs silenciosas.
— O que são essas coisas, vó?
Ela se inclina, cochichando:
— Não sei, Aruna. Dizem que foram os deuses que criaram este lugar. Deve ser algum material divino... que não conhecemos.
Assinto, encantada. Então, meu pai — o grande ancião — caminha até o centro e inicia o ritual. Todos nós depositamos nossas oferendas.
No momento em que coloco minhas frutas, algo muda. O ar fica diferente.
Um cheiro curioso invade tudo, como chuva com fumaça e flor. Faíscas douradas começam a voar diante de nós.
E então eu vejo...
Uma pata. Enorme.
Ela surge de dentro de um círculo de luz dourada que se abre diante de nós.
Mas... essa pata é cinza. Os deuses lobos não são azuis?
Como se escutasse minha dúvida, ele sai por completo. Engulo em seco. Meus olhos se arregalam.
Ele não é completamente azul. Apenas alguns fios da pelagem perto da cabeça brilham com aquele tom. Os outros... os outros que surgem depois, esses sim — são azuis por inteiro.
Todo o meu povo se curva. Menos eu.
Eu sou a única olhando direto para eles. De boca aberta, em choque.
São imensos.
A fruta que eu segurava escapa da minha mão... e, como se fosse brincadeira do destino, rola até a pata deste deus lobo diferente.
Ele me olha.
Imediatamente abaixo a cabeça, sentindo o rosto queimar.
Um vento frio passa por mim. E então, ouço:
— O que está fazendo, Fenrir?! Sabe que não pode se mostrar em sua forma celestial na frente deles! Volte à sua forma de lobo agora, irmão!
Mantenho os olhos no chão, mas então vejo... pés.
Eles param bem diante de mim. Pés cobertos por algo escuro, parecido com couro.
— Essa fruta... é sua?
A voz dele...
É grave. Estranha. Quase mágica. Meu corpo treme.
— Responda, Terridea. Estou falando com você.
Minhas mãos suam. Lentamente, começo a levantar o rosto. Eu não devia. Definitivamente, não. É proibido.
Mas... é mais forte do que eu.
Eu o olho. E então...
O mundo para.
Meus olhos se arregalam. Minha garganta seca. É como se, por um instante, nossos espíritos se tocassem. Como se ele me conhecesse. Como se eu o conhecesse.
Sinto meu corpo estranho. Uma tontura me domina.
— Vamos, Fenrir! Isso já foi longe demais! Você sabe que nossa mãe odeia atrasos! — diz um dos outro deus lobo.
Minha vó puxa minha mão com força.
— Se curve, sua criança tola! O que pensa que está fazendo?! — ela sussurra, aflita.
Mas nossos olhos ainda se tocam. Só por mais um segundo. Um segundo eterno.
E então, ele atravessa o círculo de luz.
Minha cabeça pesa. Tudo escurece. Meu corpo tomba. E eu não vejo mais nada.
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Atualizado até capítulo 40
Comments
Cléo
/Ok/
2025-07-07
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