Capítulo 5 – A Fratura no Jogo

A semana começou com o céu cinzento e a cidade submersa em umidade. Velmora amanhecia como um organismo lento, arrastando seus habitantes por ruas alagadas e pensamentos molhados de exaustão. No 32º andar da Alvarén Corp, tudo continuava funcionando com a exatidão que se esperava da elite — mas havia algo fora do eixo naquela manhã. Um ruído imperceptível no ritmo usual.

Maelys chegou pontualmente, como sempre. Vestia um conjunto sóbrio, o cabelo preso com firmeza, os olhos cercados por olheiras que ela não se preocupou em esconder. Estava de volta — mas algo nela estava diferente. Mais fechada. Mais fria.

A secretária-chefe, que geralmente puxava conversa no café, notou. Os colegas do jurídico, que costumavam elogiá-la discretamente pelos relatórios impecáveis, perceberam. Até a recepcionista comentou, em voz baixa:

“Ela voltou... diferente.”

Mas o único que realmente sentiu a mudança foi Ciro.

Ele a observava pela fresta de vidro que separava sua sala do restante do andar. Os movimentos dela estavam mais duros. A voz mais baixa. Ela não o olhava mais diretamente nos olhos. Era como se tivesse levantado um muro entre eles — um muro que, curiosamente, ele mesmo havia ajudado a construir.

Às nove e quinze, ele a chamou à sala.

Maelys entrou com passos controlados. Nenhuma hesitação. Nenhum gesto íntimo. Apenas profissionalismo gelado.

— Trouxe os relatórios da Velmax, senhor — disse, estendendo a pasta.

— E o resumo do planejamento trimestral.

Ele pegou os documentos. Mas não os abriu.

— Como está seu pai?

Ela hesitou por um segundo. Depois, respondeu com um tom neutro.

— Estável.

Silêncio.

— Precisa de mais algum suporte médico?

— Não, senhor.

— Tem certeza?

Ela finalmente levantou os olhos e o encarou. E, dessa vez, havia algo ali que Ciro ainda não havia visto: ferida aberta e raiva contida.

— Senhor Alvarén... sei que é um homem acostumado a manipular pessoas como peças de um tabuleiro. Mas comigo, o senhor vai precisar encontrar outro jogo. Não quero sua piedade. Não quero seu dinheiro. Não quero aproximação. Estou aqui para trabalhar. E só.

Aquelas palavras caíram como pedras na sala silenciosa. Mas Ciro não recuou. Ele sustentou o olhar dela com uma calma que não era fingida — mas também não era segura.

— Então está me dizendo que tudo o que aconteceu… não significou nada?

Ela apertou a pasta com mais força.

— Estou dizendo que qualquer gesto seu... carrega peso demais. E eu não tenho mais espaço para carregar intenções ocultas.

— Não foram ocultas — disse ele, baixando a voz. — Só foram confusas.

— Então esclareça, senhor. Esclareça logo, antes que isso se torne algo que nenhum de nós saberá como desfazer.

Ele não disse nada.

Ela virou-se e saiu da sala com a mesma firmeza com que havia entrado, deixando-o sozinho com a própria ausência de respostas.

O restante do dia passou em silêncio entre os dois. Sem trocas. Sem toques. Apenas a rotina funcionando como um relógio nervoso.

Às dezessete horas, a chuva voltou com força, castigando as janelas de vidro com rajadas fortes. A maioria dos funcionários foi liberada mais cedo. Mas Maelys, como sempre, ficou até o último segundo. Só se levantou quando os corredores estavam quase vazios.

No elevador, sozinha, deixou-se finalmente respirar. Era como se o ar dentro daquele prédio fosse mais denso que o normal. Só conseguia relaxar quando as portas se fechavam atrás dela.

Mas, ao chegar à portaria, a surpresa veio como um golpe súbito.

Ciro estava lá. Do lado de fora. Encostado no próprio carro, com um guarda-chuva preto na mão e os olhos fixos na entrada, como se estivesse esperando há muito tempo.

Ela parou, imóvel.

Ele a viu, e não sorriu. Apenas ergueu o guarda-chuva e caminhou até ela, abrindo espaço no meio da chuva.

— Vim te levar.

— Eu não pedi.

— Eu sei. Mesmo assim, estou aqui.

Ela hesitou.

O motorista do transporte público já tinha ido. O ponto estava vazio. A chuva caía com violência, e ela sabia que ainda levaria pelo menos uma hora para chegar em casa por meios próprios.

Respirou fundo.

— Não vá confundir isso com rendição — disse, antes de entrar no carro.

— Não confundo você com nada que eu já conheci — ele respondeu, fechando o guarda-chuva.

Dentro do carro, o silêncio se instalou de novo. Mas era um silêncio diferente. Cheio de camadas. Cheio de tudo que não podia ser dito.

— Você não cansa? — ela perguntou, por fim. — De viver nesse jogo constante? De tentar controlar tudo e todos?

Ele manteve os olhos na estrada.

— Canso. Mas não sei viver de outro jeito.

— Então talvez esteja na hora de aprender.

Por um instante, Ciro apertou o volante com mais força. E, ao lado dele, Maelys percebeu: aquela frieza toda… era uma couraça. Uma armadura usada por alguém que não sabia ser leve. Que não sabia ser vulnerável. Que havia confundido o controle com sobrevivência.

Quando o carro parou na porta da casa dela, ela desceu em silêncio. Mas, antes de fechar a porta, se virou.

— Obrigada pela carona. Mas, por favor... não me confunda com alguém que pode ser dobrado. Eu não sou isso.

— Eu sei — ele disse. — É por isso que você me tira o sono.

E então ela fechou a porta.

Mais populares

Comments

Euridice Neta

Euridice Neta

Ela não é duro ela só está tentando sobreviver e não cair nas ciladas e joguinhos do chefe que acha que pode tudo...

2025-07-06

1

Sandra Camilo

Sandra Camilo

dois duros, vamos ver que cede primeiro

2025-07-03

0

bete 💗

bete 💗

complicado ❤️❤️❤️❤️❤️

2025-07-03

0

Ver todos
Capítulos
1 Capítulo 1 – O Jogo Começa
2 Capítulo 2 – Imune ao Poder
3 Capítulo 3 – Entre Linhas e Limites
4 Capítulo 4 – Fora da Armadura
5 Capítulo 5 – A Fratura no Jogo
6 Capítulo 6 – Coisas Que Não Se Dizem
7 Capítulo 7 – A Fresta Que Se Abre… e a Quebra Que Vem
8 Capítulo 8 – Quando a Verdade Rasga
9 Capítulo 9 – Quando o Orgulho Rende Armas
10 Capítulo 10 – Onde as Ruínas Começam a Florir
11 Capítulo 11 – Onde os Olhos Dizem o Que a Voz Ainda Cala
12 Capítulo 12 – A Distância Onde Crescem as Raízes
13 Capítulo 13 – O Homem que Nasceu no Silêncio
14 Capítulo 14 – Os Passos que Não Precisam Correr
15 Capítulo 15 – Onde o Amor Aprende a Ficar
16 Capítulo 16 – Aquilo que Escolhemos Mesmo Quando Dói
17 Capítulo 17 – Quando o Poder Não Te Compra Mais
18 Capítulo 18 – O Lugar Onde o Amor Respira
19 Capítulo 19 – O Amor Depois da Promessa
20 Capítulo 20 – O Eco daquilo que Ficou para Trás
21 Capítulo 21 – O Jogo que Ainda Estava Sendo Jogado
22 Capítulo 22 – Entre Dois Mundos
23 Capítulo 23 – O Silêncio que Guarda Segredos
24 Capítulo 24 – A Linha Tênue Entre Escolher e Abrir Mão
25 Capítulo 25 – Quando o Amor Ensina a Partir
26 Capítulo 26 – O Futuro Mora no Agora
27 Capítulo 27 – Promessas Feitas no Silêncio
28 Capítulo 28 – Antes do Sim
29 Capítulo 30 – Onde o Amor Mora em Paz
30 Capítulo 31 – Onde o Silêncio Também Ama
31 Capítulo 32 – As Sombras Têm Nome
32 Capítulo 33 – A Verdade Também Tem Cicatrizes
33 Capítulo 34 – A Verdade Também Sangra
34 Capítulo 35 – Quando a Coragem Escolhe Ficar
35 Capítulo 36 – A Última Carta
36 Capítulo 37 – Entre o Que Ruiu e o Que Nasce
37 Capítulo 38 – Quando a Memória Desperta
38 Capítulo 39 – Aquilo Que Permanece
39 Capítulo 36 – A Máscara Que Cai em Silêncio
40 Capítulo 37 – O Dia em Que Tudo Caiu
41 Capítulo 38 – Onde as Raízes Se Refazem
42 Capítulo 39 – Onde Nascem Novas Estradas
43 Capítulo 40 – Quando o Passado Bate à Porta
44 Capítulo 41 – O Peso Leve de Ficar
45 Capítulo 42 – O Valor de Permanecer
46 Capítulo 43 – Entre o Que Se Constrói e o Que Se Herda
47 Capítulo 44 – Aquilo Que Nem o Poder Alcança
48 Capítulo 45 – As Coisas Que Não Precisam Ser Ditas
49 Capítulo 46 – Vozes Que Vêm de Dentro
50 Capítulo 47 – Quando as Raízes São Postas à Prova
51 Capítulo 48 – Onde a Terra Respira em Silêncio
52 Capítulo 49 – O Nome Que Ainda Dói
53 Capítulo 50 – Quando a Semente Se Torna Terra
54 Capítulo 51 – A Tentação dos Velhos Caminhos
55 Capítulo 52 – A Voz Que Ainda Treme
56 Capítulo 53 – Onde Tudo Começou
Capítulos

Atualizado até capítulo 56

1
Capítulo 1 – O Jogo Começa
2
Capítulo 2 – Imune ao Poder
3
Capítulo 3 – Entre Linhas e Limites
4
Capítulo 4 – Fora da Armadura
5
Capítulo 5 – A Fratura no Jogo
6
Capítulo 6 – Coisas Que Não Se Dizem
7
Capítulo 7 – A Fresta Que Se Abre… e a Quebra Que Vem
8
Capítulo 8 – Quando a Verdade Rasga
9
Capítulo 9 – Quando o Orgulho Rende Armas
10
Capítulo 10 – Onde as Ruínas Começam a Florir
11
Capítulo 11 – Onde os Olhos Dizem o Que a Voz Ainda Cala
12
Capítulo 12 – A Distância Onde Crescem as Raízes
13
Capítulo 13 – O Homem que Nasceu no Silêncio
14
Capítulo 14 – Os Passos que Não Precisam Correr
15
Capítulo 15 – Onde o Amor Aprende a Ficar
16
Capítulo 16 – Aquilo que Escolhemos Mesmo Quando Dói
17
Capítulo 17 – Quando o Poder Não Te Compra Mais
18
Capítulo 18 – O Lugar Onde o Amor Respira
19
Capítulo 19 – O Amor Depois da Promessa
20
Capítulo 20 – O Eco daquilo que Ficou para Trás
21
Capítulo 21 – O Jogo que Ainda Estava Sendo Jogado
22
Capítulo 22 – Entre Dois Mundos
23
Capítulo 23 – O Silêncio que Guarda Segredos
24
Capítulo 24 – A Linha Tênue Entre Escolher e Abrir Mão
25
Capítulo 25 – Quando o Amor Ensina a Partir
26
Capítulo 26 – O Futuro Mora no Agora
27
Capítulo 27 – Promessas Feitas no Silêncio
28
Capítulo 28 – Antes do Sim
29
Capítulo 30 – Onde o Amor Mora em Paz
30
Capítulo 31 – Onde o Silêncio Também Ama
31
Capítulo 32 – As Sombras Têm Nome
32
Capítulo 33 – A Verdade Também Tem Cicatrizes
33
Capítulo 34 – A Verdade Também Sangra
34
Capítulo 35 – Quando a Coragem Escolhe Ficar
35
Capítulo 36 – A Última Carta
36
Capítulo 37 – Entre o Que Ruiu e o Que Nasce
37
Capítulo 38 – Quando a Memória Desperta
38
Capítulo 39 – Aquilo Que Permanece
39
Capítulo 36 – A Máscara Que Cai em Silêncio
40
Capítulo 37 – O Dia em Que Tudo Caiu
41
Capítulo 38 – Onde as Raízes Se Refazem
42
Capítulo 39 – Onde Nascem Novas Estradas
43
Capítulo 40 – Quando o Passado Bate à Porta
44
Capítulo 41 – O Peso Leve de Ficar
45
Capítulo 42 – O Valor de Permanecer
46
Capítulo 43 – Entre o Que Se Constrói e o Que Se Herda
47
Capítulo 44 – Aquilo Que Nem o Poder Alcança
48
Capítulo 45 – As Coisas Que Não Precisam Ser Ditas
49
Capítulo 46 – Vozes Que Vêm de Dentro
50
Capítulo 47 – Quando as Raízes São Postas à Prova
51
Capítulo 48 – Onde a Terra Respira em Silêncio
52
Capítulo 49 – O Nome Que Ainda Dói
53
Capítulo 50 – Quando a Semente Se Torna Terra
54
Capítulo 51 – A Tentação dos Velhos Caminhos
55
Capítulo 52 – A Voz Que Ainda Treme
56
Capítulo 53 – Onde Tudo Começou

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!