A semana começou com o céu cinzento e a cidade submersa em umidade. Velmora amanhecia como um organismo lento, arrastando seus habitantes por ruas alagadas e pensamentos molhados de exaustão. No 32º andar da Alvarén Corp, tudo continuava funcionando com a exatidão que se esperava da elite — mas havia algo fora do eixo naquela manhã. Um ruído imperceptível no ritmo usual.
Maelys chegou pontualmente, como sempre. Vestia um conjunto sóbrio, o cabelo preso com firmeza, os olhos cercados por olheiras que ela não se preocupou em esconder. Estava de volta — mas algo nela estava diferente. Mais fechada. Mais fria.
A secretária-chefe, que geralmente puxava conversa no café, notou. Os colegas do jurídico, que costumavam elogiá-la discretamente pelos relatórios impecáveis, perceberam. Até a recepcionista comentou, em voz baixa:
“Ela voltou... diferente.”
Mas o único que realmente sentiu a mudança foi Ciro.
Ele a observava pela fresta de vidro que separava sua sala do restante do andar. Os movimentos dela estavam mais duros. A voz mais baixa. Ela não o olhava mais diretamente nos olhos. Era como se tivesse levantado um muro entre eles — um muro que, curiosamente, ele mesmo havia ajudado a construir.
Às nove e quinze, ele a chamou à sala.
Maelys entrou com passos controlados. Nenhuma hesitação. Nenhum gesto íntimo. Apenas profissionalismo gelado.
— Trouxe os relatórios da Velmax, senhor — disse, estendendo a pasta.
— E o resumo do planejamento trimestral.
Ele pegou os documentos. Mas não os abriu.
— Como está seu pai?
Ela hesitou por um segundo. Depois, respondeu com um tom neutro.
— Estável.
Silêncio.
— Precisa de mais algum suporte médico?
— Não, senhor.
— Tem certeza?
Ela finalmente levantou os olhos e o encarou. E, dessa vez, havia algo ali que Ciro ainda não havia visto: ferida aberta e raiva contida.
— Senhor Alvarén... sei que é um homem acostumado a manipular pessoas como peças de um tabuleiro. Mas comigo, o senhor vai precisar encontrar outro jogo. Não quero sua piedade. Não quero seu dinheiro. Não quero aproximação. Estou aqui para trabalhar. E só.
Aquelas palavras caíram como pedras na sala silenciosa. Mas Ciro não recuou. Ele sustentou o olhar dela com uma calma que não era fingida — mas também não era segura.
— Então está me dizendo que tudo o que aconteceu… não significou nada?
Ela apertou a pasta com mais força.
— Estou dizendo que qualquer gesto seu... carrega peso demais. E eu não tenho mais espaço para carregar intenções ocultas.
— Não foram ocultas — disse ele, baixando a voz. — Só foram confusas.
— Então esclareça, senhor. Esclareça logo, antes que isso se torne algo que nenhum de nós saberá como desfazer.
Ele não disse nada.
Ela virou-se e saiu da sala com a mesma firmeza com que havia entrado, deixando-o sozinho com a própria ausência de respostas.
O restante do dia passou em silêncio entre os dois. Sem trocas. Sem toques. Apenas a rotina funcionando como um relógio nervoso.
Às dezessete horas, a chuva voltou com força, castigando as janelas de vidro com rajadas fortes. A maioria dos funcionários foi liberada mais cedo. Mas Maelys, como sempre, ficou até o último segundo. Só se levantou quando os corredores estavam quase vazios.
No elevador, sozinha, deixou-se finalmente respirar. Era como se o ar dentro daquele prédio fosse mais denso que o normal. Só conseguia relaxar quando as portas se fechavam atrás dela.
Mas, ao chegar à portaria, a surpresa veio como um golpe súbito.
Ciro estava lá. Do lado de fora. Encostado no próprio carro, com um guarda-chuva preto na mão e os olhos fixos na entrada, como se estivesse esperando há muito tempo.
Ela parou, imóvel.
Ele a viu, e não sorriu. Apenas ergueu o guarda-chuva e caminhou até ela, abrindo espaço no meio da chuva.
— Vim te levar.
— Eu não pedi.
— Eu sei. Mesmo assim, estou aqui.
Ela hesitou.
O motorista do transporte público já tinha ido. O ponto estava vazio. A chuva caía com violência, e ela sabia que ainda levaria pelo menos uma hora para chegar em casa por meios próprios.
Respirou fundo.
— Não vá confundir isso com rendição — disse, antes de entrar no carro.
— Não confundo você com nada que eu já conheci — ele respondeu, fechando o guarda-chuva.
Dentro do carro, o silêncio se instalou de novo. Mas era um silêncio diferente. Cheio de camadas. Cheio de tudo que não podia ser dito.
— Você não cansa? — ela perguntou, por fim. — De viver nesse jogo constante? De tentar controlar tudo e todos?
Ele manteve os olhos na estrada.
— Canso. Mas não sei viver de outro jeito.
— Então talvez esteja na hora de aprender.
Por um instante, Ciro apertou o volante com mais força. E, ao lado dele, Maelys percebeu: aquela frieza toda… era uma couraça. Uma armadura usada por alguém que não sabia ser leve. Que não sabia ser vulnerável. Que havia confundido o controle com sobrevivência.
Quando o carro parou na porta da casa dela, ela desceu em silêncio. Mas, antes de fechar a porta, se virou.
— Obrigada pela carona. Mas, por favor... não me confunda com alguém que pode ser dobrado. Eu não sou isso.
— Eu sei — ele disse. — É por isso que você me tira o sono.
E então ela fechou a porta.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 56
Comments
Euridice Neta
Ela não é duro ela só está tentando sobreviver e não cair nas ciladas e joguinhos do chefe que acha que pode tudo...
2025-07-06
1
Sandra Camilo
dois duros, vamos ver que cede primeiro
2025-07-03
0
bete 💗
complicado ❤️❤️❤️❤️❤️
2025-07-03
0