Capítulo 2 – Imune ao Poder

A primeira manhã de Maelys Duarte como secretária da presidência da Alvarén Corp foi como mergulhar em um oceano gelado: tudo à sua volta parecia calmo, mas as correntes por baixo ameaçavam engolir.

O 32º andar era um mundo à parte dentro da própria empresa. O silêncio ali era mais denso, mais afiado. Cada passo ecoava como se o chão cobrasse atenção. Os funcionários que circulavam por aquele corredor se moviam rápido, com olhos baixos e sorrisos tensos, como soldados obedientes demais para respirar fora do ritmo.

A mesa de Maelys ficava a poucos metros da porta dupla que levava à sala de Ciro Alvarén. Era uma mesa ampla, elegante, com dois monitores, um telefone de linha direta e uma agenda digital com a rotina dele já sincronizada. Ela chegou dez minutos antes do horário, respirou fundo e organizou tudo de forma metódica. Cada caneta em seu lugar. Cada papel pronto.

Por fora, ela estava impecável.

Por dentro, uma parte de si tremia.

Mas Maelys aprendera cedo a não demonstrar fraquezas — principalmente diante de homens que adoravam encontrá-las.

Às nove e cinco, a porta se abriu.

Ciro saiu da sala com passos calmos, mas havia algo predatório na forma como se movia. Seus olhos varreram o ambiente até pousarem nela. Houve uma pausa. Um olhar demorado, como se estivesse mapeando um território. Depois, ele apenas disse:

— Traga para mim os relatórios da Jernak Holdings e a ata da última reunião do conselho. Dez minutos.

Sem esperar resposta, voltou para a sala, deixando a porta entreaberta.

Maelys levou exatos oito minutos para encontrar os documentos, organizá-los em uma pasta e levá-los até ele. Bateu suavemente na porta antes de entrar.

Ciro a observou em silêncio quando ela surgiu diante de sua mesa. O terno dele era escuro, a camisa branca, impecável. Nenhum botão fora do lugar. Nenhuma expressão que não fosse calculada.

Ela estendeu a pasta com firmeza.

— Aqui estão os documentos solicitados, senhor.

Ele pegou a pasta sem tocar em sua mão, mas seus olhos ficaram presos nos dela por um segundo a mais do que o necessário. Curiosidade e algo que lembrava provocação. Não disse obrigado. Apenas abriu a pasta e começou a ler.

— Você estudou na Universidade de Elira, certo?

Maelys assentiu.

— Sim, senhor. Bolsista integral. Concluí o curso em tempo recorde.

Ele não levantou os olhos.

— Por que administração?

— Porque é a base de tudo. Famílias, empresas, hospitais, instituições... tudo desmorona sem organização. Eu queria entender como o poder se distribui. E quem fica com os restos.

Aquilo fez os olhos dele se erguerem, quase surpresos.

— Filosófico para alguém que trabalha com agendas.

— Com todo respeito, senhor — disse ela, séria —, a agenda de um CEO pode derrubar ou salvar centenas de vidas. Não subestimo a importância do que faço.

Ciro não sorriu. Mas algo no canto de sua boca pareceu quase se mover. Ele não estava acostumado a esse tipo de firmeza. Estava acostumado a submissões, a risos forçados, a deslumbres. Não a garotas que falavam como se estivessem numa trincheira e não em um prédio de luxo.

— Muito bem, senhorita Duarte. Continue assim.

Ela assentiu e saiu, sem apressar os passos, sem virar o rosto. Apenas fechou a porta com o mesmo cuidado com que se fecha um livro importante.

Ao longo da semana, Ciro observou.

Maelys não conversava com ninguém além do necessário. Recusava convites para café. Não se distraía. Cumpria suas tarefas com precisão quase militar. Havia nela uma compostura que o intrigava. Era como se ela pertencesse a outro mundo e, ainda assim, se encaixasse naquele com uma dignidade que ninguém esperava.

Certa tarde, ao passar pela recepção do andar, ele a encontrou organizando uma série de planilhas manuais que o setor financeiro havia deixado de lado. Era tarefa de outro departamento, mas ela fazia mesmo assim.

— Isso não está entre suas funções — ele disse, cruzando os braços.

Ela olhou para ele com calma.

— E deixar o trabalho acumular também não está entre minhas convicções.

Havia algo irritante e admirável naquela resposta. Ciro a encarou por um instante antes de dar meia-volta e entrar em sua sala.

Ali dentro, sozinho, ele riu — uma risada seca, sem som.

Sim, ela era diferente. E isso estava deixando o jogo mais... perigoso.

Kael apareceu em sua sala no final da sexta-feira, rindo como se já soubesse algo.

— E então? Progresso?

Ciro digitava algo no notebook, sem erguer os olhos.

— Estou conhecendo o campo de batalha.

— Ela parece à prova de você, irmão.

— Ninguém é à prova de mim — respondeu, baixo.

— Humildade nunca foi seu ponto forte.

— Eu não aposto com humildade. Aposto para vencer.

Kael riu, levantando as mãos em rendição.

— Só não se esqueça de que ela não é uma peça no tabuleiro.

Ciro finalmente levantou os olhos, e havia algo diferente neles. Uma fagulha que podia ser desejo. Ou admiração. Ou... curiosidade.

— Ainda não. Mas todos se tornam.

Naquela noite, Maelys voltou para casa exausta. O prédio em que vivia rangia nas estruturas, e o corredor cheirava a fritura. Sua mãe a esperava com um prato aquecido no micro-ondas e os olhos cansados. O pai, adormecido no quarto, respirava com dificuldade.

Ela se sentou à mesa, esfregando as têmporas.

— Como foi o primeiro dia? — a mãe perguntou, baixinho.

Maelys pensou por alguns segundos.

— Como se eu tivesse entrado num lugar onde todos falam uma língua que não entendo... mas esperam que eu finja que compreendo perfeitamente.

— E você vai conseguir.

Ela sorriu, sem brilho.

— Não tenho escolha, mãe.

Em algum lugar de Velmora, Ciro Alvarén observava as luzes da cidade pela janela do apartamento onde morava sozinho. Um copo de uísque na mão, a pasta com os dados de Maelys sobre a mesa. Nome completo. Histórico familiar. Diagnóstico do pai. Registro de escolas públicas.

Ele tinha tudo. Menos a chave para quebrar a muralha que ela erguia em torno de si.

Mas jogos não o assustavam.

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Comments

Euridice Neta

Euridice Neta

Não entendo porque ele quer brincar c os sentimentos de alguém que só quer ter o suficiente pra ter uma vida digna e cuidar dos seus pais, será cansaço da vida de riquinho que tem tudo e não sabe o que algumas pessoas passam pra ter o Mínimo de dignidade? Ou será só pra ter o prazer de brincar e humilhar uma pessoa?

2025-07-06

0

Mariaadriana Silva

Mariaadriana Silva

que idiota esse Ciro está sendo aff, mas não sabem o que espera ✋️ ele vai cair do cavalo 🐎 á se vai 🤣🤣🤣🤣

2025-07-09

0

bete 💗

bete 💗

vai se arrepender ❤️❤️❤️❤️❤️

2025-07-03

0

Ver todos
Capítulos
1 Capítulo 1 – O Jogo Começa
2 Capítulo 2 – Imune ao Poder
3 Capítulo 3 – Entre Linhas e Limites
4 Capítulo 4 – Fora da Armadura
5 Capítulo 5 – A Fratura no Jogo
6 Capítulo 6 – Coisas Que Não Se Dizem
7 Capítulo 7 – A Fresta Que Se Abre… e a Quebra Que Vem
8 Capítulo 8 – Quando a Verdade Rasga
9 Capítulo 9 – Quando o Orgulho Rende Armas
10 Capítulo 10 – Onde as Ruínas Começam a Florir
11 Capítulo 11 – Onde os Olhos Dizem o Que a Voz Ainda Cala
12 Capítulo 12 – A Distância Onde Crescem as Raízes
13 Capítulo 13 – O Homem que Nasceu no Silêncio
14 Capítulo 14 – Os Passos que Não Precisam Correr
15 Capítulo 15 – Onde o Amor Aprende a Ficar
16 Capítulo 16 – Aquilo que Escolhemos Mesmo Quando Dói
17 Capítulo 17 – Quando o Poder Não Te Compra Mais
18 Capítulo 18 – O Lugar Onde o Amor Respira
19 Capítulo 19 – O Amor Depois da Promessa
20 Capítulo 20 – O Eco daquilo que Ficou para Trás
21 Capítulo 21 – O Jogo que Ainda Estava Sendo Jogado
22 Capítulo 22 – Entre Dois Mundos
23 Capítulo 23 – O Silêncio que Guarda Segredos
24 Capítulo 24 – A Linha Tênue Entre Escolher e Abrir Mão
25 Capítulo 25 – Quando o Amor Ensina a Partir
26 Capítulo 26 – O Futuro Mora no Agora
27 Capítulo 27 – Promessas Feitas no Silêncio
28 Capítulo 28 – Antes do Sim
29 Capítulo 30 – Onde o Amor Mora em Paz
30 Capítulo 31 – Onde o Silêncio Também Ama
31 Capítulo 32 – As Sombras Têm Nome
32 Capítulo 33 – A Verdade Também Tem Cicatrizes
33 Capítulo 34 – A Verdade Também Sangra
34 Capítulo 35 – Quando a Coragem Escolhe Ficar
35 Capítulo 36 – A Última Carta
36 Capítulo 37 – Entre o Que Ruiu e o Que Nasce
37 Capítulo 38 – Quando a Memória Desperta
38 Capítulo 39 – Aquilo Que Permanece
39 Capítulo 36 – A Máscara Que Cai em Silêncio
40 Capítulo 37 – O Dia em Que Tudo Caiu
41 Capítulo 38 – Onde as Raízes Se Refazem
42 Capítulo 39 – Onde Nascem Novas Estradas
43 Capítulo 40 – Quando o Passado Bate à Porta
44 Capítulo 41 – O Peso Leve de Ficar
45 Capítulo 42 – O Valor de Permanecer
46 Capítulo 43 – Entre o Que Se Constrói e o Que Se Herda
47 Capítulo 44 – Aquilo Que Nem o Poder Alcança
48 Capítulo 45 – As Coisas Que Não Precisam Ser Ditas
49 Capítulo 46 – Vozes Que Vêm de Dentro
50 Capítulo 47 – Quando as Raízes São Postas à Prova
51 Capítulo 48 – Onde a Terra Respira em Silêncio
52 Capítulo 49 – O Nome Que Ainda Dói
53 Capítulo 50 – Quando a Semente Se Torna Terra
54 Capítulo 51 – A Tentação dos Velhos Caminhos
55 Capítulo 52 – A Voz Que Ainda Treme
56 Capítulo 53 – Onde Tudo Começou
Capítulos

Atualizado até capítulo 56

1
Capítulo 1 – O Jogo Começa
2
Capítulo 2 – Imune ao Poder
3
Capítulo 3 – Entre Linhas e Limites
4
Capítulo 4 – Fora da Armadura
5
Capítulo 5 – A Fratura no Jogo
6
Capítulo 6 – Coisas Que Não Se Dizem
7
Capítulo 7 – A Fresta Que Se Abre… e a Quebra Que Vem
8
Capítulo 8 – Quando a Verdade Rasga
9
Capítulo 9 – Quando o Orgulho Rende Armas
10
Capítulo 10 – Onde as Ruínas Começam a Florir
11
Capítulo 11 – Onde os Olhos Dizem o Que a Voz Ainda Cala
12
Capítulo 12 – A Distância Onde Crescem as Raízes
13
Capítulo 13 – O Homem que Nasceu no Silêncio
14
Capítulo 14 – Os Passos que Não Precisam Correr
15
Capítulo 15 – Onde o Amor Aprende a Ficar
16
Capítulo 16 – Aquilo que Escolhemos Mesmo Quando Dói
17
Capítulo 17 – Quando o Poder Não Te Compra Mais
18
Capítulo 18 – O Lugar Onde o Amor Respira
19
Capítulo 19 – O Amor Depois da Promessa
20
Capítulo 20 – O Eco daquilo que Ficou para Trás
21
Capítulo 21 – O Jogo que Ainda Estava Sendo Jogado
22
Capítulo 22 – Entre Dois Mundos
23
Capítulo 23 – O Silêncio que Guarda Segredos
24
Capítulo 24 – A Linha Tênue Entre Escolher e Abrir Mão
25
Capítulo 25 – Quando o Amor Ensina a Partir
26
Capítulo 26 – O Futuro Mora no Agora
27
Capítulo 27 – Promessas Feitas no Silêncio
28
Capítulo 28 – Antes do Sim
29
Capítulo 30 – Onde o Amor Mora em Paz
30
Capítulo 31 – Onde o Silêncio Também Ama
31
Capítulo 32 – As Sombras Têm Nome
32
Capítulo 33 – A Verdade Também Tem Cicatrizes
33
Capítulo 34 – A Verdade Também Sangra
34
Capítulo 35 – Quando a Coragem Escolhe Ficar
35
Capítulo 36 – A Última Carta
36
Capítulo 37 – Entre o Que Ruiu e o Que Nasce
37
Capítulo 38 – Quando a Memória Desperta
38
Capítulo 39 – Aquilo Que Permanece
39
Capítulo 36 – A Máscara Que Cai em Silêncio
40
Capítulo 37 – O Dia em Que Tudo Caiu
41
Capítulo 38 – Onde as Raízes Se Refazem
42
Capítulo 39 – Onde Nascem Novas Estradas
43
Capítulo 40 – Quando o Passado Bate à Porta
44
Capítulo 41 – O Peso Leve de Ficar
45
Capítulo 42 – O Valor de Permanecer
46
Capítulo 43 – Entre o Que Se Constrói e o Que Se Herda
47
Capítulo 44 – Aquilo Que Nem o Poder Alcança
48
Capítulo 45 – As Coisas Que Não Precisam Ser Ditas
49
Capítulo 46 – Vozes Que Vêm de Dentro
50
Capítulo 47 – Quando as Raízes São Postas à Prova
51
Capítulo 48 – Onde a Terra Respira em Silêncio
52
Capítulo 49 – O Nome Que Ainda Dói
53
Capítulo 50 – Quando a Semente Se Torna Terra
54
Capítulo 51 – A Tentação dos Velhos Caminhos
55
Capítulo 52 – A Voz Que Ainda Treme
56
Capítulo 53 – Onde Tudo Começou

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