Capítulo 4 – Fora da Armadura

O hospital Santa Vita cheirava a desinfetante vencido e a resignação. No quarto 212, a luz fluorescente piscava em intervalos irregulares, lançando sombras nas paredes de azulejo branco já amarelado pelo tempo. O ar era seco e morno, como se os corredores engolissem qualquer traço de esperança.

Maelys estava sentada ao lado da cama, segurando a mão do pai. A televisão do quarto passava um programa de notícias com o volume baixo, mas ela não ouvia nada. A cabeça pesava. O corpo doía. Mas ela permanecia ali, firme, com os olhos fixos no monitor cardíaco que apitava devagar, compassado.

O pai dormia, o rosto pálido e afundado no travesseiro. A respiração era irregular, mas calma.

Ela não sabia quanto tempo ficou ali sem se mover. Só percebeu que alguém havia entrado quando sentiu o perfume.

Não era de hospital. Nem de corredor sujo. Era sofisticado, discreto… familiar.

Quando ergueu os olhos, o coração deu um salto.

Ciro Alvarén estava parado na porta, vestido com um sobretudo escuro, o cabelo perfeitamente penteado, mas sem a gravata, sem o terno habitual. Apenas ele. Impecável, como sempre. E, ainda assim, estranhamente fora de lugar.

Ela se levantou num sobressalto.

— O que está fazendo aqui?

Ele caminhou lentamente até o meio do quarto, com as mãos nos bolsos do casaco. Não havia arrogância no olhar dele naquele instante. Apenas um tipo estranho de atenção.

— Você não foi trabalhar. E eu… quis saber como seu pai estava.

Maelys o encarou como se ele fosse um quebra-cabeça com peças trocadas.

— Isso não é papel do meu chefe.

— Não sou só seu chefe.

— Não mesmo. — Ela cruzou os braços. — Mas ainda assim, o que exatamente você está tentando com isso, senhor Alvarén? É algum tipo de gesto ensaiado? Uma forma de suavizar a sua imagem?

Ele a olhou, e por um instante, não disse nada. Depois, respirou fundo.

— Você acha que tudo em mim é estratégia.

— Porque tudo sempre parece ser.

Ele desviou o olhar para o pai dela, deitado na cama. A fragilidade daquele corpo contrastava com tudo o que ele conhecia. E, mesmo assim, havia ali uma dignidade incômoda. Algo que ele não sabia nomear. Talvez fosse isso que o havia feito sair de casa e atravessar a cidade: a vontade de entender o que movia Maelys. O que a mantinha de pé, mesmo quando tudo ao redor ameaçava desabar.

— Não vim para te comprar, Duarte — ele disse, por fim. — Nem para te comover. Vim porque... você me tirou do eixo. E eu odeio não entender o que me desestabiliza.

Maelys piscou, confusa. As palavras dele pareciam sinceras demais. Intensas demais. Humanas demais.

Antes que ela pudesse responder, a porta se abriu novamente.

— Maelys? — disse a médica, entrando com uma prancheta nas mãos. Era uma mulher alta, elegante, de cabelos presos e olhos atentos. — Preciso revisar os exames do seu pai e discutir com você uma possível transferência de unidade…

Ela parou ao ver Ciro. Por um instante, a postura dela mudou.

— Senhor Alvarén?

Maelys franziu o cenho, surpresa com a familiaridade.

Ciro deu um leve aceno de cabeça, contido.

— Doutora Inara.

— Faz tempo. — O sorriso dela foi discreto, quase profissional demais. — Não imaginei encontrá-lo aqui.

— Nem eu.

Maelys olhou de um para o outro, e a suspeita lhe subiu como uma brasa pela garganta.

— Vocês se conhecem?

— A doutora Inara já prestou consultoria médica à nossa fundação. — Ciro respondeu antes que a médica pudesse dizer algo mais. — Nada relevante.

Mas Maelys percebeu que havia mais naquela história do que ele dizia. Havia uma história ali, talvez uma daquelas que ele mantinha trancadas como contratos confidenciais.

— Maelys — disse Inara, tentando retomar o foco —, se puder me acompanhar até o posto, posso te mostrar os novos exames.

Ela assentiu, ainda desconfiada. Antes de sair, virou-se para Ciro.

— Não sei o que está tentando. Mas não quero confusão na minha vida, senhor Alvarén. Meu mundo já é complicado o bastante sem jogos de gente rica.

Ele a olhou. Havia cansaço nos olhos dele. Ou talvez fosse algo mais próximo de frustração.

— Talvez seja por isso que eu estou aqui. Porque seu mundo não gira ao redor de apostas.

Maelys não respondeu. Apenas saiu com a médica.

Ciro ficou no quarto por mais alguns minutos. Olhou para o homem adormecido na cama, depois para a cadeira onde Maelys estivera sentada por horas. Havia marcas de dedos na xícara de isopor sobre a mesa, uma pasta com exames manuseada ao ponto de estar desbotada nas bordas. A vida dela não era uma vitrine. Era real. Crua. Feita de renúncias.

E pela primeira vez em anos, ele sentiu vergonha de si mesmo.

A aposta começava a pesar como um erro que ainda não se permitia admitir.

Horas depois, Maelys voltou ao quarto e o encontrou vazio. Ciro havia partido. Apenas um bilhete restava sobre a mesa, escrito com a mesma letra firme que ela reconhecia dos contratos.

"Seu pai é um homem forte. Como você."

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Comments

Danielle Pereira

Danielle Pereira

concerteza ele já comeu a vagabunda da médica esses homens são todos iguais podre e nojento 😝 😝

2025-07-04

0

Danielle Pereira

Danielle Pereira

tomará q ela não se apaixonar por ele pois ele não prestar

2025-07-04

0

bete 💗

bete 💗

❤️❤️❤️❤️❤️

2025-07-03

0

Ver todos
Capítulos
1 Capítulo 1 – O Jogo Começa
2 Capítulo 2 – Imune ao Poder
3 Capítulo 3 – Entre Linhas e Limites
4 Capítulo 4 – Fora da Armadura
5 Capítulo 5 – A Fratura no Jogo
6 Capítulo 6 – Coisas Que Não Se Dizem
7 Capítulo 7 – A Fresta Que Se Abre… e a Quebra Que Vem
8 Capítulo 8 – Quando a Verdade Rasga
9 Capítulo 9 – Quando o Orgulho Rende Armas
10 Capítulo 10 – Onde as Ruínas Começam a Florir
11 Capítulo 11 – Onde os Olhos Dizem o Que a Voz Ainda Cala
12 Capítulo 12 – A Distância Onde Crescem as Raízes
13 Capítulo 13 – O Homem que Nasceu no Silêncio
14 Capítulo 14 – Os Passos que Não Precisam Correr
15 Capítulo 15 – Onde o Amor Aprende a Ficar
16 Capítulo 16 – Aquilo que Escolhemos Mesmo Quando Dói
17 Capítulo 17 – Quando o Poder Não Te Compra Mais
18 Capítulo 18 – O Lugar Onde o Amor Respira
19 Capítulo 19 – O Amor Depois da Promessa
20 Capítulo 20 – O Eco daquilo que Ficou para Trás
21 Capítulo 21 – O Jogo que Ainda Estava Sendo Jogado
22 Capítulo 22 – Entre Dois Mundos
23 Capítulo 23 – O Silêncio que Guarda Segredos
24 Capítulo 24 – A Linha Tênue Entre Escolher e Abrir Mão
25 Capítulo 25 – Quando o Amor Ensina a Partir
26 Capítulo 26 – O Futuro Mora no Agora
27 Capítulo 27 – Promessas Feitas no Silêncio
28 Capítulo 28 – Antes do Sim
29 Capítulo 30 – Onde o Amor Mora em Paz
30 Capítulo 31 – Onde o Silêncio Também Ama
31 Capítulo 32 – As Sombras Têm Nome
32 Capítulo 33 – A Verdade Também Tem Cicatrizes
33 Capítulo 34 – A Verdade Também Sangra
34 Capítulo 35 – Quando a Coragem Escolhe Ficar
35 Capítulo 36 – A Última Carta
36 Capítulo 37 – Entre o Que Ruiu e o Que Nasce
37 Capítulo 38 – Quando a Memória Desperta
38 Capítulo 39 – Aquilo Que Permanece
39 Capítulo 36 – A Máscara Que Cai em Silêncio
40 Capítulo 37 – O Dia em Que Tudo Caiu
41 Capítulo 38 – Onde as Raízes Se Refazem
42 Capítulo 39 – Onde Nascem Novas Estradas
43 Capítulo 40 – Quando o Passado Bate à Porta
44 Capítulo 41 – O Peso Leve de Ficar
45 Capítulo 42 – O Valor de Permanecer
46 Capítulo 43 – Entre o Que Se Constrói e o Que Se Herda
47 Capítulo 44 – Aquilo Que Nem o Poder Alcança
48 Capítulo 45 – As Coisas Que Não Precisam Ser Ditas
49 Capítulo 46 – Vozes Que Vêm de Dentro
50 Capítulo 47 – Quando as Raízes São Postas à Prova
51 Capítulo 48 – Onde a Terra Respira em Silêncio
52 Capítulo 49 – O Nome Que Ainda Dói
53 Capítulo 50 – Quando a Semente Se Torna Terra
54 Capítulo 51 – A Tentação dos Velhos Caminhos
55 Capítulo 52 – A Voz Que Ainda Treme
56 Capítulo 53 – Onde Tudo Começou
Capítulos

Atualizado até capítulo 56

1
Capítulo 1 – O Jogo Começa
2
Capítulo 2 – Imune ao Poder
3
Capítulo 3 – Entre Linhas e Limites
4
Capítulo 4 – Fora da Armadura
5
Capítulo 5 – A Fratura no Jogo
6
Capítulo 6 – Coisas Que Não Se Dizem
7
Capítulo 7 – A Fresta Que Se Abre… e a Quebra Que Vem
8
Capítulo 8 – Quando a Verdade Rasga
9
Capítulo 9 – Quando o Orgulho Rende Armas
10
Capítulo 10 – Onde as Ruínas Começam a Florir
11
Capítulo 11 – Onde os Olhos Dizem o Que a Voz Ainda Cala
12
Capítulo 12 – A Distância Onde Crescem as Raízes
13
Capítulo 13 – O Homem que Nasceu no Silêncio
14
Capítulo 14 – Os Passos que Não Precisam Correr
15
Capítulo 15 – Onde o Amor Aprende a Ficar
16
Capítulo 16 – Aquilo que Escolhemos Mesmo Quando Dói
17
Capítulo 17 – Quando o Poder Não Te Compra Mais
18
Capítulo 18 – O Lugar Onde o Amor Respira
19
Capítulo 19 – O Amor Depois da Promessa
20
Capítulo 20 – O Eco daquilo que Ficou para Trás
21
Capítulo 21 – O Jogo que Ainda Estava Sendo Jogado
22
Capítulo 22 – Entre Dois Mundos
23
Capítulo 23 – O Silêncio que Guarda Segredos
24
Capítulo 24 – A Linha Tênue Entre Escolher e Abrir Mão
25
Capítulo 25 – Quando o Amor Ensina a Partir
26
Capítulo 26 – O Futuro Mora no Agora
27
Capítulo 27 – Promessas Feitas no Silêncio
28
Capítulo 28 – Antes do Sim
29
Capítulo 30 – Onde o Amor Mora em Paz
30
Capítulo 31 – Onde o Silêncio Também Ama
31
Capítulo 32 – As Sombras Têm Nome
32
Capítulo 33 – A Verdade Também Tem Cicatrizes
33
Capítulo 34 – A Verdade Também Sangra
34
Capítulo 35 – Quando a Coragem Escolhe Ficar
35
Capítulo 36 – A Última Carta
36
Capítulo 37 – Entre o Que Ruiu e o Que Nasce
37
Capítulo 38 – Quando a Memória Desperta
38
Capítulo 39 – Aquilo Que Permanece
39
Capítulo 36 – A Máscara Que Cai em Silêncio
40
Capítulo 37 – O Dia em Que Tudo Caiu
41
Capítulo 38 – Onde as Raízes Se Refazem
42
Capítulo 39 – Onde Nascem Novas Estradas
43
Capítulo 40 – Quando o Passado Bate à Porta
44
Capítulo 41 – O Peso Leve de Ficar
45
Capítulo 42 – O Valor de Permanecer
46
Capítulo 43 – Entre o Que Se Constrói e o Que Se Herda
47
Capítulo 44 – Aquilo Que Nem o Poder Alcança
48
Capítulo 45 – As Coisas Que Não Precisam Ser Ditas
49
Capítulo 46 – Vozes Que Vêm de Dentro
50
Capítulo 47 – Quando as Raízes São Postas à Prova
51
Capítulo 48 – Onde a Terra Respira em Silêncio
52
Capítulo 49 – O Nome Que Ainda Dói
53
Capítulo 50 – Quando a Semente Se Torna Terra
54
Capítulo 51 – A Tentação dos Velhos Caminhos
55
Capítulo 52 – A Voz Que Ainda Treme
56
Capítulo 53 – Onde Tudo Começou

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