Aposta de Um Homem Sem Coração

Aposta de Um Homem Sem Coração

Capítulo 1 – O Jogo Começa

Velmora amanhecia envolta por nuvens densas, tingidas de chumbo, como se a própria cidade pressentisse o tipo de dia que se anunciava. Os arranha-céus furavam o céu com sua arquitetura de vidro e arrogância, refletindo o mundo onde poder e prestígio eram as únicas línguas aceitas. No topo de um deles, no 32º andar da sede da Alvarén Corp, Ciro observava a paisagem com o olhar de quem já havia vencido todos os jogos, mas continuava faminto por algo que nem ele sabia nomear.

A cidade abaixo pulsava, mas ele permanecia imóvel, os ombros retos, os olhos cinzentos fixos em algum ponto do horizonte. Por trás dele, a sala executiva exalava luxo sóbrio: madeira escura, couro legítimo, silêncio absoluto. Era um ambiente projetado para intimidação e controle, e Ciro Alvarén dominava ambos com precisão cirúrgica. Sua presença era quase opressiva — como se o ar precisasse pedir permissão para circular quando ele entrava.

Nada escapava ao seu radar. Aquele mundo de contratos, fusões e decisões frias era sua zona de conforto. Emoções eram desnecessárias, sentimentos eram fraquezas e, na sua lógica inabalável, tudo — absolutamente tudo — tinha um preço.

A voz da assistente rompeu o silêncio por meio do interfone, sem alterar sua expressão.

— Senhor Alvarén, seu irmão está na sala de reuniões. Disse que é urgente.

Ciro não respondeu de imediato. Moveu-se devagar, fechando o laptop com um clique seco, ajustando a lapela do terno com o mesmo cuidado que aplicava a qualquer decisão de negócios. Quando finalmente saiu da sala, os corredores silenciaram. Os funcionários desviavam o olhar ou se encolhiam involuntariamente — ninguém gostava de cruzar com o olhar de Ciro Alvarén, mesmo que não houvesse nada de ostensivo em seu comportamento. Bastava a aura.

Na sala de reuniões, Kael o esperava com um sorriso entediado nos lábios e um tablet na mão. Diferente de Ciro, Kael ainda carregava certo ar de juventude inconsequente, mesmo tendo mais de trinta anos. Tinha os mesmos traços marcantes dos Alvarén, mas enquanto Ciro exalava frieza, Kael preferia o caos.

— Nova contratação — disse ele, girando o tablet sobre a mesa. — Começa hoje. Secretária da presidência. Achei que você fosse gostar de saber.

Ciro arqueou uma sobrancelha, entediado.

— Isso é o que você chama de urgente?

— Ainda não terminei. — Kael se recostou na cadeira. — Olhe o perfil. Nome dela é Maelys Duarte. Jovem, sem conexões, vinda de Elira. Inteligente, ficha limpa, currículo impecável... e, aparentemente, imune a qualquer tipo de charme ou bajulação. Um unicórnio corporativo.

Ciro pegou o tablet com desinteresse, seus olhos passando rapidamente pelas informações. Nada ali lhe despertava atenção — até o nome do hospital onde o pai dela estava internado aparecer. Ele o conhecia. Era um dos piores da rede pública. Um lugar onde se ia para esperar, não para melhorar. E ainda assim, a garota havia recusado a ajuda do RH para inclusão em planos de saúde superiores.

— E...?

— E eu aposto que você não consegue quebrar essa armadura dela. Que não consegue fazer com que ela se interesse por você. E não me venha com chantagem emocional ou qualquer tipo de influência hierárquica. Estou falando de charme puro. Jogo limpo.

Ciro olhou para o irmão como se analisasse uma proposta de fusão com potencial de risco.

— Está sugerindo que eu seduza a nova secretária por esporte?

— Não é por esporte. É para te tirar desse marasmo gelado em que você vive. Você se tornou previsível, Ciro. Sério demais, robótico demais. Quero ver se ainda existe alguma centelha de emoção aí dentro. Vai encarar?

Por alguns segundos, o silêncio se estendeu entre eles. O tipo de silêncio que precede decisões que não podem ser desfeitas.

— Qual é a aposta?

— Se ela aceitar sair com você — espontaneamente — eu transfiro minha parte na filial de Monte Erran. Se você perder, o antigo prédio da Alvarén Digital é meu.

O sorriso discreto de Ciro se formou, perigoso como o movimento de uma serpente prestes a atacar.

— Trinta dias?

Kael assentiu.

— Trinta dias.

— Feito.

Maelys apertava a alça da mochila com força, como se isso bastasse para silenciar os pensamentos que martelavam sua mente. O metrô corria sob a cidade, zumbindo como uma promessa distante. Acordara às cinco da manhã para preparar o café da mãe, verificar os remédios do pai e conferir, pela terceira vez, os papéis da internação. Agora, rumava para seu primeiro dia na empresa mais poderosa do país.

Ela respirava fundo a cada estação que passava. Precisava se manter firme. A Alvarén Corp não era só um emprego. Era uma tábua de salvação. Com aquele salário, talvez conseguisse transferir o pai para um hospital melhor. Talvez houvesse uma chance.

Ao sair da estação de Velmora Central, a cidade parecia outro mundo. Tudo era brilhante, limpo, asséptico. Carros luxuosos, pessoas bem vestidas, passos apressados e olhares que não se cruzavam. Era um território hostil para quem vinha de Elira, onde os prédios eram velhos e os ônibus quebravam toda semana.

Ela caminhou até o prédio com passos decididos. O crachá temporário lhe foi entregue na recepção, junto de um sorriso burocrático. Subiu até o 32º andar com o estômago revirado de ansiedade e a postura impecável.

Quando a porta do elevador se abriu, foi recebida por uma assistente com um sorriso polido e distante, que a conduziu até a sala de espera ao lado da presidência.

— O senhor Alvarén a verá em instantes.

Maelys se sentou com o cuidado de quem não queria parecer deslocada. Ajeitou a saia, respirou fundo. Olhou para as paredes de vidro, para o carpete impecável, para o quadro de linhas abstratas atrás da mesa de recepção. Tudo ali exalava poder — e ela sentia o peso desse poder atravessar a pele.

A porta se abriu.

Ele entrou.

E o mundo pareceu se retrair por um segundo.

Ciro Alvarén era exatamente como diziam — impecável, impenetrável, quase inumano. Alto, elegante, olhar glacial. Não usava autoridade com ostentação. Ele era a autoridade. Bastava estar ali.

Ela se levantou instintivamente, mantendo o olhar firme. E, para surpresa dele, não sorriu. Não desviou os olhos. Não recuou.

— Senhorita Duarte — ele disse com a voz baixa, controlada. — Bem-vinda à Alvarén Corp.

— Obrigada, senhor. É uma oportunidade importante para mim.

Ele caminhou até a mesa, observando-a discretamente pelos reflexos do vidro. Algo nela era... sólido. Silenciosamente desafiador. E por um instante, Ciro soube — com a mesma clareza de quando antevia um movimento no mercado — que aquele jogo não seria fácil.

E talvez fosse exatamente isso que ele precisava.

Mais tarde, sozinho em seu escritório, ele digitou no celular com um leve toque de ironia:

"Com ela, vou mudar as regras."

Kael respondeu em segundos:

"Boa sorte. Ela não parece ser do tipo que se vende fácil."

Ciro largou o telefone sobre a mesa, o olhar preso no reflexo de Velmora nas janelas.

Era o início. E ele nunca jogava para perder.

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Comments

Euridice Neta

Euridice Neta

Começando ler em 06/07/2025 ansiosa pra ver o que vai rolar nesse jogo sujo que ele vai começar...

2025-07-06

1

bete 💗

bete 💗

interessante ❤️❤️❤️❤️❤️

2025-07-03

0

Ver todos
Capítulos
1 Capítulo 1 – O Jogo Começa
2 Capítulo 2 – Imune ao Poder
3 Capítulo 3 – Entre Linhas e Limites
4 Capítulo 4 – Fora da Armadura
5 Capítulo 5 – A Fratura no Jogo
6 Capítulo 6 – Coisas Que Não Se Dizem
7 Capítulo 7 – A Fresta Que Se Abre… e a Quebra Que Vem
8 Capítulo 8 – Quando a Verdade Rasga
9 Capítulo 9 – Quando o Orgulho Rende Armas
10 Capítulo 10 – Onde as Ruínas Começam a Florir
11 Capítulo 11 – Onde os Olhos Dizem o Que a Voz Ainda Cala
12 Capítulo 12 – A Distância Onde Crescem as Raízes
13 Capítulo 13 – O Homem que Nasceu no Silêncio
14 Capítulo 14 – Os Passos que Não Precisam Correr
15 Capítulo 15 – Onde o Amor Aprende a Ficar
16 Capítulo 16 – Aquilo que Escolhemos Mesmo Quando Dói
17 Capítulo 17 – Quando o Poder Não Te Compra Mais
18 Capítulo 18 – O Lugar Onde o Amor Respira
19 Capítulo 19 – O Amor Depois da Promessa
20 Capítulo 20 – O Eco daquilo que Ficou para Trás
21 Capítulo 21 – O Jogo que Ainda Estava Sendo Jogado
22 Capítulo 22 – Entre Dois Mundos
23 Capítulo 23 – O Silêncio que Guarda Segredos
24 Capítulo 24 – A Linha Tênue Entre Escolher e Abrir Mão
25 Capítulo 25 – Quando o Amor Ensina a Partir
26 Capítulo 26 – O Futuro Mora no Agora
27 Capítulo 27 – Promessas Feitas no Silêncio
28 Capítulo 28 – Antes do Sim
29 Capítulo 30 – Onde o Amor Mora em Paz
30 Capítulo 31 – Onde o Silêncio Também Ama
31 Capítulo 32 – As Sombras Têm Nome
32 Capítulo 33 – A Verdade Também Tem Cicatrizes
33 Capítulo 34 – A Verdade Também Sangra
34 Capítulo 35 – Quando a Coragem Escolhe Ficar
35 Capítulo 36 – A Última Carta
36 Capítulo 37 – Entre o Que Ruiu e o Que Nasce
37 Capítulo 38 – Quando a Memória Desperta
38 Capítulo 39 – Aquilo Que Permanece
39 Capítulo 36 – A Máscara Que Cai em Silêncio
40 Capítulo 37 – O Dia em Que Tudo Caiu
41 Capítulo 38 – Onde as Raízes Se Refazem
42 Capítulo 39 – Onde Nascem Novas Estradas
43 Capítulo 40 – Quando o Passado Bate à Porta
44 Capítulo 41 – O Peso Leve de Ficar
45 Capítulo 42 – O Valor de Permanecer
46 Capítulo 43 – Entre o Que Se Constrói e o Que Se Herda
47 Capítulo 44 – Aquilo Que Nem o Poder Alcança
48 Capítulo 45 – As Coisas Que Não Precisam Ser Ditas
49 Capítulo 46 – Vozes Que Vêm de Dentro
50 Capítulo 47 – Quando as Raízes São Postas à Prova
51 Capítulo 48 – Onde a Terra Respira em Silêncio
52 Capítulo 49 – O Nome Que Ainda Dói
53 Capítulo 50 – Quando a Semente Se Torna Terra
54 Capítulo 51 – A Tentação dos Velhos Caminhos
55 Capítulo 52 – A Voz Que Ainda Treme
56 Capítulo 53 – Onde Tudo Começou
Capítulos

Atualizado até capítulo 56

1
Capítulo 1 – O Jogo Começa
2
Capítulo 2 – Imune ao Poder
3
Capítulo 3 – Entre Linhas e Limites
4
Capítulo 4 – Fora da Armadura
5
Capítulo 5 – A Fratura no Jogo
6
Capítulo 6 – Coisas Que Não Se Dizem
7
Capítulo 7 – A Fresta Que Se Abre… e a Quebra Que Vem
8
Capítulo 8 – Quando a Verdade Rasga
9
Capítulo 9 – Quando o Orgulho Rende Armas
10
Capítulo 10 – Onde as Ruínas Começam a Florir
11
Capítulo 11 – Onde os Olhos Dizem o Que a Voz Ainda Cala
12
Capítulo 12 – A Distância Onde Crescem as Raízes
13
Capítulo 13 – O Homem que Nasceu no Silêncio
14
Capítulo 14 – Os Passos que Não Precisam Correr
15
Capítulo 15 – Onde o Amor Aprende a Ficar
16
Capítulo 16 – Aquilo que Escolhemos Mesmo Quando Dói
17
Capítulo 17 – Quando o Poder Não Te Compra Mais
18
Capítulo 18 – O Lugar Onde o Amor Respira
19
Capítulo 19 – O Amor Depois da Promessa
20
Capítulo 20 – O Eco daquilo que Ficou para Trás
21
Capítulo 21 – O Jogo que Ainda Estava Sendo Jogado
22
Capítulo 22 – Entre Dois Mundos
23
Capítulo 23 – O Silêncio que Guarda Segredos
24
Capítulo 24 – A Linha Tênue Entre Escolher e Abrir Mão
25
Capítulo 25 – Quando o Amor Ensina a Partir
26
Capítulo 26 – O Futuro Mora no Agora
27
Capítulo 27 – Promessas Feitas no Silêncio
28
Capítulo 28 – Antes do Sim
29
Capítulo 30 – Onde o Amor Mora em Paz
30
Capítulo 31 – Onde o Silêncio Também Ama
31
Capítulo 32 – As Sombras Têm Nome
32
Capítulo 33 – A Verdade Também Tem Cicatrizes
33
Capítulo 34 – A Verdade Também Sangra
34
Capítulo 35 – Quando a Coragem Escolhe Ficar
35
Capítulo 36 – A Última Carta
36
Capítulo 37 – Entre o Que Ruiu e o Que Nasce
37
Capítulo 38 – Quando a Memória Desperta
38
Capítulo 39 – Aquilo Que Permanece
39
Capítulo 36 – A Máscara Que Cai em Silêncio
40
Capítulo 37 – O Dia em Que Tudo Caiu
41
Capítulo 38 – Onde as Raízes Se Refazem
42
Capítulo 39 – Onde Nascem Novas Estradas
43
Capítulo 40 – Quando o Passado Bate à Porta
44
Capítulo 41 – O Peso Leve de Ficar
45
Capítulo 42 – O Valor de Permanecer
46
Capítulo 43 – Entre o Que Se Constrói e o Que Se Herda
47
Capítulo 44 – Aquilo Que Nem o Poder Alcança
48
Capítulo 45 – As Coisas Que Não Precisam Ser Ditas
49
Capítulo 46 – Vozes Que Vêm de Dentro
50
Capítulo 47 – Quando as Raízes São Postas à Prova
51
Capítulo 48 – Onde a Terra Respira em Silêncio
52
Capítulo 49 – O Nome Que Ainda Dói
53
Capítulo 50 – Quando a Semente Se Torna Terra
54
Capítulo 51 – A Tentação dos Velhos Caminhos
55
Capítulo 52 – A Voz Que Ainda Treme
56
Capítulo 53 – Onde Tudo Começou

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