O carro executivo deslizava pela estrada de volta à cidade, cortando o asfalto sob o céu encoberto. O silêncio dentro do veículo era diferente do da ida. Havia algo mais pesado ali, como se os dois carregassem palavras engasgadas desde a noite anterior.
Isabela mantinha os olhos no tablet, revisando os ajustes finais do contrato. Estava impecável — claro, objetivo, com os termos reformulados após a reunião com a filial. Mas, por algum motivo, a tensão no ar era quase insuportável.
Dante não estava com o notebook no colo, nem no celular. Apenas olhava pela janela com os punhos cerrados, a mandíbula rígida.
Ela o observou de relance. Aquela expressão não combinava com ele. Dante costumava transitar entre o charme e a provocação com naturalidade, mas agora... havia algo sombrio ali.
— Algum problema? — perguntou, não por gentileza, mas por não suportar o clima.
— Problema? — ele repetiu com a voz baixa. — Apenas mais uma manhã em que minha empresa está prestes a ser traída por alguém que confiei.
Ela franziu o cenho.
— Como assim?
Dante desviou o olhar da janela e a encarou com um misto de raiva e frustração.
— Recebi um relatório de segurança hoje cedo. Um dos gerentes está vazando informações para um concorrente. E pior: usando documentos internos assinados por mim.
— Isso é sério.
— Muito. E não é a primeira vez que alguém de dentro tenta me sabotar. Só que dessa vez... eu não vou deixar barato.
Isabela manteve o olhar firme. Havia algo diferente nele — mais humano, mais... ferido.
— Você tem provas?
— Em parte. O jurídico vai precisar validar. Por isso, você vai me acompanhar.
Ela arqueou uma sobrancelha.
— Eu?
— Sim. Quero alguém de dentro da equipe que não esteja envolvido em nenhum círculo político da empresa. E você é nova, discreta... e direta.
— E você quer que eu acompanhe como...?
— Advogada em formação. Observadora. E, se necessário, como alguém que consegue manter a calma enquanto eu perco a minha.
Isabela respirou fundo.
— Se eu aceitar, é porque acredito que posso contribuir com equilíbrio. Mas aviso desde já: não vou compactuar com nenhuma explosão sua. Seja CEO ou não, isso aqui ainda é uma empresa.
Dante a observou com intensidade.
— Você é mesmo diferente. A maioria das pessoas abaixa a cabeça quando eu estou com raiva.
— Eu não. — Ela virou-se novamente para o tablet. — E espero que você valorize isso, não que tente esmagar.
Dante assentiu, mais sério.
— Eu valorizo mais do que você imagina.
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Ao chegarem à sede da Ferraz & Coelho, Dante saiu do carro com passos rápidos, os ombros tensos. Isabela o acompanhava com a pasta em mãos, a mente já estruturando um plano mental sobre como abordar a reunião emergencial.
Minutos depois, ambos estavam sentados na sala de reuniões privativa. Do outro lado da mesa, estava o gerente de suprimentos, com expressão tensa e mãos trêmulas.
— Eu... não entendo o motivo desse encontro direto com o senhor, Dante — disse o homem, olhando de um lado para o outro, como se esperasse um advogado para protegê-lo.
— Você entende muito bem, Carlos — respondeu Dante, com a voz baixa e perigosa. — Já analisamos o histórico dos acessos ao sistema, os envios de documentos e, mais importante, as respostas recebidas de contas ligadas à M&R Logística.
Carlos engoliu seco. Isabela mantinha-se em silêncio, os olhos atentos, registrando mentalmente cada detalhe.
— Não sei do que está falando...
— Então por que seu login foi usado para baixar arquivos sigilosos três dias antes do vazamento público de nossa proposta?
— Qualquer um pode ter acessado com meu login...
— A senha foi alterada duas horas antes. Por você. E rastreada no IP do seu computador — completou Isabela, firme. — Isso é mais do que suficiente para abrir um processo.
Carlos levantou-se bruscamente.
— Isso é um absurdo! Estão me acusando sem provas completas!
— Ainda não é uma acusação formal — disse Dante, levantando-se também. — Mas é um aviso. O jurídico vai tomar as medidas cabíveis e, se necessário, a polícia também. Eu não deixo traidores embaixo do meu teto.
Carlos saiu batendo a porta. O silêncio que ficou no ar era quase cortante.
Dante passou a mão pelos cabelos e depois empurrou tudo da mesa com um gesto só — pastas, canetas, até uma xícara de café foi ao chão. O barulho fez Isabela se sobressaltar.
— Você acabou de perder o controle. — Ela o encarou com frieza. — E isso não te ajuda em nada.
Ele respirava rápido, as mãos cerradas, o maxilar tenso. Ela se aproximou com calma, pegou a pasta do chão e a colocou novamente sobre a mesa, ajeitando as coisas sem dizer mais nada por alguns segundos.
— Você pode ser brilhante, Dante — disse ela, finalmente —, mas se continuar agindo como um touro furioso cada vez que alguém te decepciona, vai acabar cercado de gente que só te teme. E ninguém sensato confia em quem teme.
Ele a olhou como se ninguém jamais tivesse dito aquilo. Como se aquelas palavras o atingissem num ponto cego que ninguém ousava tocar.
— Acha que eu sou um tirano?
— Não. Acho que você tem tudo para ser um líder de verdade. Só precisa decidir que tipo de respeito quer: o que se impõe pelo medo ou o que se conquista pela postura.
O silêncio entre eles era denso. Não havia paquera, não havia sorriso. Havia sinceridade. Crueza. E algo muito mais perigoso: confiança nascendo onde antes havia apenas provocação.
Dante recuou um passo e suspirou.
— Obrigado.
— Pela pasta ou pelo conselho?
— Pelos dois. E por não ter saído correndo como todo mundo costuma fazer quando eu surto.
Ela deu um pequeno sorriso de lado.
— Eu já enfrentei coisa pior que homem rico e bravo. E sei me proteger.
— Aposto que sabe.
O olhar dele era diferente agora. Não menos intenso, mas menos carregado de jogo.
— Posso ir? Tenho relatórios para terminar — disse ela, erguendo a pasta.
— Pode. Mas antes...
Ela parou na porta, olhando por cima do ombro.
— Sim?
— Fique por perto. Esse problema ainda vai crescer antes de se resolver.
— Estarei pronta.
E saiu, deixando Dante sozinho com a bagunça que ele mesmo criara — não só na sala, mas dentro dele.
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No corredor, enquanto caminhava em direção à própria sala, Isabela sentia o peso do dia no corpo. E algo mais: uma inquietação difícil de explicar. Ver Dante perder o controle fora desconfortável, mas também... revelador. Pela primeira vez, ele não foi apenas o CEO arrogante. Foi humano. Vulnerável.
Mas ela não deixaria isso se tornar uma vantagem dele sobre ela. Estava ali para crescer profissionalmente. Para ser a melhor. E ele... ele era apenas um obstáculo interessante no caminho.
Um obstáculo que, cada vez mais, desafiava seu autocontrole.
E ela sabia: o verdadeiro jogo estava longe de terminar.
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Atualizado até capítulo 42
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