Isabela chegou mais cedo naquele dia. Precisava revisar uma minuta de contrato antes de entregar à equipe de advocacia sênior. Tinha dormido pouco — não pela dificuldade do texto jurídico, mas por conta da caixa com o chocolate deixada misteriosamente em sua mesa. Mesmo que ninguém confirmasse, ela sabia de quem vinha. E aquilo a irritava mais do que devia.
“Não estou aqui pra isso”, repetia a si mesma como um mantra.
Mas era difícil manter o foco quando sentia que estava constantemente sendo testada. E não por qualquer pessoa — mas por Dante Ferraz. O CEO que a observara como se ela fosse um enigma a ser desvendado.
E talvez ela fosse mesmo. Mas não seria ele quem a decifraria.
Por volta das dez da manhã, Marina passou pela sala, apressada.
— Isabela, o senhor Dante pediu que você comparecesse à reunião com a diretoria executiva às dez e quinze. Vai acontecer na sala de reuniões principal.
Isabela quase derrubou a caneta da mão.
— Eu? Por quê?
— Ele quer uma presença do setor jurídico e Cláudia está resolvendo uma pendência no tribunal. Você já leu a minuta do novo contrato com a filial de Curitiba, certo?
— Sim, mas...
— Ótimo. Você vai representá-la. Seja direta e objetiva, como sempre.
Isabela assentiu, mesmo que sentisse o estômago revirar. Representar a diretora jurídica? Em frente à diretoria executiva?
E em frente a ele?
Cinco minutos depois, ela caminhava até a sala de reuniões com uma pasta em mãos, tentando conter a ansiedade. Ajustou os cabelos presos num coque simples, puxou o ar profundamente e entrou.
A sala era ampla, com uma longa mesa de vidro, cadeiras de couro e janelas panorâmicas com vista para a cidade. Alguns executivos já estavam acomodados, falando sobre números e relatórios. E no topo da mesa, ele.
Dante.
Com terno escuro impecável, mangas da camisa dobradas até os antebraços, relógio de metal no pulso e expressão concentrada... até vê-la entrar.
O olhar dele a percorreu de cima a baixo com aquele misto de análise e provocação. Ele não disse nada, apenas indicou o assento à esquerda dele com um gesto da mão.
— Bom dia — disse ela com voz firme, sentando-se.
— Bom dia, doutora Nunes — respondeu ele com a voz grave e um leve sorriso nos lábios. — Obrigado por nos representar hoje.
— Estou aqui em nome do jurídico, não por vaidade — rebateu ela, sem encará-lo.
Dante soltou uma risada leve e se inclinou ligeiramente em sua direção.
— Ainda assim, sua presença já está fazendo efeito. A mesa nunca esteve tão... atenta.
Os outros diretores sorriram discretamente. Isabela manteve a postura.
— Vamos ao ponto? A cláusula de confidencialidade precisa de ajustes antes de ser assinada.
Dante abriu o notebook e projetou o contrato na tela. Ela começou a explicar, com precisão, cada ponto técnico que poderia gerar brechas jurídicas no acordo.
Aos poucos, a atenção da sala se voltou totalmente a ela. Sua capacidade de argumentação era clara, firme, irrefutável.
— ...E se não houver modificação no item 6.2, a matriz estará exposta em caso de ruptura de contrato por parte da unidade franqueada. Isso pode gerar jurisprudência perigosa — finalizou.
Dante a encarou por um momento longo demais.
— Inteligente, articulada e direta. É... refrescante.
— Estou aqui pra trabalhar, senhor Ferraz, não para ser elogiada como se fosse uma surpresa eu entender o que faço.
Um dos diretores pigarreou, constrangido. Dante ergueu as mãos em rendição, ainda sorrindo.
— Justo. Sem elogios gratuitos. Mas saiba que você acaba de ganhar respeito aqui.
Ela apenas assentiu, mantendo o olhar fixo na tela, embora por dentro estivesse fervendo. Não sabia se queria socá-lo ou rir. E isso era perigoso.
Quando a reunião terminou, os diretores saíram aos poucos. Isabela se levantou para sair também, mas a voz de Dante a impediu.
— Fique um minuto, por favor.
Ela se virou lentamente, voltando-se para ele com os olhos semicerrados.
— Precisa de mais alguma coisa?
Ele se levantou também, aproximando-se com calma.
— Sim. Quero saber por que você me trata como se eu fosse o inimigo.
— Porque você age como alguém acostumado a ser adorado. E eu não sou mais uma na sua plateia.
Dante sorriu, aproximando-se ainda mais.
— Não preciso que você me adore, Isabela. Mas seria mais fácil se você parasse de agir como se fosse imune a tudo. Isso... é fascinante e irritante ao mesmo tempo.
Ela cruzou os braços.
— Que bom que desperto sentimentos contraditórios. Mas se me chamar aqui só pra me provocar de novo, vai se arrepender.
— Vai me processar?
— Ainda não. Mas posso argumentar melhor que qualquer um da sua sala de executivos.
Dante deu uma risada mais baixa, observando-a como se estivesse diante de um jogo que ele não sabia como vencer.
— É. Você realmente não é como as outras. — Ele se aproximou mais um passo, e o ar pareceu ficar mais denso. — Mas saiba que, ao contrário do que você pensa, eu respeito quem me confronta.
Isabela se manteve firme, mesmo sentindo os joelhos ameaçarem fraquejar.
— Então vai ter que me respeitar muito. Porque eu não tenho medo de você.
Eles se encararam em silêncio por alguns segundos. A tensão entre os dois era quase palpável — não de conflito, mas de algo mais... elétrico.
Finalmente, ela deu um passo para trás.
— Com licença. Tenho trabalho de verdade pra fazer.
E saiu, deixando-o sozinho na sala, com aquele sorriso de desafio que ele parecia não conseguir conter sempre que o assunto era ela.
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Na sala de descanso, mais tarde, Marina se aproximou com um copo de café.
— Ouvi dizer que você calou a diretoria executiva inteira hoje.
— Não foi a intenção — disse Isabela, pegando um copo também.
— Mas aconteceu. E o próprio Dante pediu que você participe da próxima rodada de revisão dos contratos estratégicos.
— Ótimo. Mais trabalho e menos jogos, espero.
— Com ele? — Marina riu. — Não conte com isso.
Isabela bebeu o café em silêncio. Estava ali para crescer, para conquistar seu espaço. Mas começava a perceber que o maior desafio talvez não fosse jurídico... e sim pessoal.
Um desafio que tinha olhos verdes, sorriso provocante e uma capacidade impressionante de tirá-la do eixo.
Mas ela não cairia tão fácil. Não mesmo.
Ou pelo menos... era o que ela queria acreditar.
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Atualizado até capítulo 42
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