Lorena passou os dias seguintes à partida de Ethan em silêncio. Os lugares por onde andava com ele pareciam ter mudado de cor. O café do shopping perdeu o sabor, as tardes pareceram mais longas, e até os livros da faculdade pareciam ecoar saudade em cada frase.
Ela esperava, ainda que em segredo, alguma mensagem. Um e-mail. Uma carta. Um telefonema. Mas nada veio.
Um mês depois, uma náusea persistente e uma tontura fora do comum a levaram ao banheiro da faculdade. No início, pensou que era o calor, ou o estresse das aulas. Mas, quando os enjoos se tornaram diários e sua menstruação não veio... a ficha caiu.
Naquela mesma tarde, ela comprou um teste e o escondeu na bolsa. Fez sozinha, trêmula, de madrugada, trancada no banheiro de casa.
Duas linhas. Vermelhas. Claras. Indiscutíveis.
Ela estava grávida.
Com as mãos ainda trêmulas e os olhos marejados, Lorena procurou na agenda o número de Jully. Felizmente, ela ainda o tinha. Ligou, e, para seu alívio, a amiga atendeu no segundo toque.
— Lorena? Tá tudo bem?
— Eu... eu precisava falar com você.
— Claro! — Jully pareceu sorrir do outro lado. — Justamente hoje eu ia te mandar uma mensagem. Arrumei um emprego fixo, acredita? Tô trabalhando aqui como babá, mas tá tudo bem, e a patroa vai ganhar neném logo... Enfim, e você?
Silêncio.
— Lorena?
— Eu estou grávida, Jully.
Um silêncio pesado atravessou o oceano.
— Como assim, grávida? — a voz da amiga veio, baixa, mas nítida.
— Daquele dia... o dia que você foi embora da praia. Eu fiquei mais um pouco... e conheci um americano. Ethan. A gente começou a se encontrar. Foi só um mês, mas... aconteceu. Ele voltou pro país dele e... eu não consegui mais falar com ele. E agora estou grávida. Já estou de dois meses.
— Meu Deus do céu, Lorena! — Jully quase gritou. — E teus pais sabem?
— Não. Ainda não. E eu não sei até quando vou conseguir esconder. A barriga tá começando a aparecer...
— Tu tá maluca, mulher? Esses gringos vêm, se aproveitam da gente e somem! Tu não pegou nem o telefone dele?
— Nem ele o meu. Foi tudo... tão rápido. Tão intenso. E tão errado.
Jully ficou em silêncio por alguns segundos antes de responder:
— E agora?
— Agora... eu não sei. Só sei que são gêmeos. Fui na médica da universidade, ela fez um ultrassom. Dois coraçõezinhos batendo dentro de mim, Jully. Eu senti. E não posso fazer nada.
— E teus pais?
— Você sabe como eles são. E o meu pai... é ainda pior que o teu.
— Olha, se der merda, você vem pra cá. Aqui é longe deles, é outro mundo. Tu consegue começar de novo.
— Eu ainda preciso terminar a faculdade... só falta um ano.
— Eu também tô estudando, mas faço à distância. E tua patroa? Já teve o neném?
— Ainda não. Mas tá quase. Qualquer coisa, me liga. Ou manda mensagem. Não me deixa sozinha.
— Nunca.
A ligação terminou, mas o peso no peito de Lorena continuou.
Nos dias seguintes, ela tentou disfarçar ao máximo. Usava roupas mais soltas, evitava os olhares dos pais e dos professores. Mas, com quatro meses de gravidez, a barriga já se denunciava.
Foi a mãe quem percebeu primeiro. Celina bateu na porta do quarto uma manhã, sem aviso, e pegou a filha saindo do banho, enrolada na toalha.
— Lorena... o que é isso?
A pergunta gelou a espinha da jovem.
O pai veio minutos depois, como um furacão.
— Isso é uma vergonha! Você tá grávida?! De quem, sua desgraçada?
Ela não respondeu.
— Eu te perguntei, de quem?! — gritou ele, furioso.
— Eu... eu não sei onde ele está. Ele foi embora...
A mãe caiu em lágrimas. O pai andava em círculos, com as mãos no cabelo.
— Vamos resolver isso. Ainda dá tempo. Você vai tirar.
— Eu não vou tirar! — gritou Lorena com os olhos cheios de lágrimas. — São dois! Eu ouvi os corações deles! Eu não vou matar meus filhos!
O pai a olhou com ódio.
— Então vai pra casa da sua avó. Em Caiçara. A gente vai cuidar disso.
E assim foi feito.
A faculdade foi suspensa. Os vizinhos receberam uma desculpa qualquer. E Lorena foi colocada em um carro e levada até o interior, como uma prisioneira.
Na casa da avó materna, dona Elvira, ela teve um pouco mais de paz. A senhora era simples, religiosa, e acreditava que a neta precisava de descanso e amor. Mas não sabia que, nos bastidores, o genro — Dr. Osmar — já havia acertado tudo com o médico da cidade.
Quando Lorena entrou em trabalho de parto, com apenas oito meses, ela foi levada para a maternidade municipal.
A enfermeira-chefe de plantão era uma mulher de olhos claros, sotaque carregado e doçura rara: Marina Sofía, nascida na Grécia, naturalizada brasileira.
A assistente social, Lúcia Mendes, já estava avisada: “Aplicar anestesia geral. Não deixar a paciente ver os bebês. Informar que nasceram mortos.”
Mas Lúcia, ao ver Lorena dopada, e depois as duas meninas recém-nascidas — perfeitas, saudáveis, de olhos azuis cristalinos — não conseguiu seguir o plano.
Foi quando Marina, a enfermeira grega, se aproximou:
— Eu conheço um casal... não conseguem ter filhos. São meus primos. Estão desesperados por adoção. Não querem atravessar a burocracia.
Lúcia olhou para as gêmeas. Algo dentro dela se partiu.
— Uma vai com eles. A outra... vai comigo.
E assim foi feito.
No prontuário, constava: “Natimortas”.
O atestado foi assinado. O silêncio comprado.
As meninas, separadas no nascimento, saíram por portas diferentes naquela madrugada.
Quando Lorena acordou, zonza, com dor e medo, a mãe estava sentada ao lado dela, fria como sempre.
— Não resistiram. Foram natimortas. Já enterramos. Era melhor assim.
Ela quis gritar, mas a anestesia ainda pesava nos membros. Tentou levantar, mas a pressão a derrubou de volta na cama.
O pai apareceu na porta:
— Assim que terminar o resguardo, você volta pra Natal e retoma sua faculdade. E esquece essa história. A vergonha acaba aqui.
Nem a avó soube da verdade. Elvira chorou com a neta, acreditando que os bebês haviam mesmo nascido mortos.
Lorena passou os dias seguintes em silêncio, abraçada a uma dor que ninguém via.
Apenas sentia.
E jurava: nunca perdoaria.
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Atualizado até capítulo 71
Comments
Elisabete Penela
Parando isso não é romance e história é terror!
2025-07-16
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Dulce Gama
meu Deus como que uma família teve coragem de fazer tamanha barbaridade dessa e agora Autora como Lorena vai saber que as meninas não nasceram mortas 👍👍👍👍👍🌹🌹🌹🌹🌹🎁🎁🎁🎁🎁❤️❤️❤️❤️❤️
2025-07-13
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