AMOR E TRAIÇÃO
O AMOR E TRAIÇÃO
O céu estava limpo naquela tarde de verão em Natal quando Lorena avistou Ethan pela primeira vez. Ele era diferente de todos os outros rapazes da sociedade natalense. Americano, recém-chegado para um intercâmbio universitário, tinha os olhos cor de tempestade e um sorriso fácil que desmontava até as moças mais contidas. Ela tinha dezenove anos, era filha única de uma das famílias mais tradicionais do Rio Grande do Norte e, pela primeira vez, ousava sonhar além dos muros da mansão em que vivia.
O amor floresceu rápido, com as chuvas de março. Eles se encontravam escondidos, andavam de mãos dadas pelas dunas, nadavam em silêncio no mar sob a lua cheia. Ethan era doce, inteligente e respeitoso. Em uma noite de entrega, ele se tornou seu primeiro homem — e, sem saber, o pai de suas filhas.
Mas o verão acabou. Ethan teve que voltar para a Califórnia, prometendo escrever e voltar um dia. Lorena, ao descobrir que estava grávida, hesitou em contar. Quando enfim criou coragem, ele já estava fora de alcance. Seus pais, ao descobrirem a gestação, não permitiram discussões.
— Você vai para a casa dos seus avós em Caiçara do Rio do Vento. Ninguém pode saber disso — decretou seu pai.
Confinada, longe de amigas, de sua vida e do pai das crianças, Lorena viveu a gravidez em solidão. Mesmo assim, todas as noites, ela acariciava a barriga com amor e esperança. Jurava que contaria tudo às filhas. Que, quando Ethan voltasse, seriam uma família. Que nada daquilo a destruiria.
Mas os planos dos pais dela eram outros.
No dia do parto, Lorena foi submetida a uma cesariana às pressas. Os médicos, obedecendo ordens silenciosas, aplicaram uma sedação intensa. Ela adormeceu antes de ouvir o primeiro choro. Quando acordou, a sala estava vazia.
— As crianças nasceram natimortos.
A frase, fria como um tiro, foi dita por sua mãe. E repetida pelo pai:
— Já nós enterramos. Era melhor assim.
Lorena gritou, implorou, suplicou. Mas não viu corpos. Não teve despedida. Não recebeu certidão de óbito. Nada. Foi obrigada a aceitar. E a cicatriz da cesariana se tornou símbolo da perda mais profunda de sua alma.
Ela voltou a Natal com os olhos apagados. Por anos, viveu como sombra.
Após concluir a faculdade de Letras aos vinte e três anos, mais uma imposição caiu sobre seus ombros: o casamento.
— Você não tem mais honra, Lorena. Então vai casar com quem eu mandar. Pelo menos agora tem um diploma. Não vai passar vergonha com seu marido — decretou seu pai, Dr. Osmar.
Foi assim que ela foi obrigada a se casar com Maurício Ferreira Brandão, um empresário bem mais velho, viúvo, de quarenta e cinco anos, e que já tinha uma filha da idade dela. O casamento arranjado selava alianças políticas e sociais entre famílias influentes — um reflexo cruel de um sistema de coronelismo que ainda resistia nos bastidores do interior nordestino.
Na noite de núpcias, Lorena foi forçada a uma nova violência.
— Não precisa de preparação. Você já não é mais pura, não é? — ele disse, antes de invadir seu corpo sem nenhum cuidado.
Foi apenas o começo de um casamento de abusos constantes.
As relações eram sempre frias, forçadas.
A humilhação era diária.
As agressões verbais se tornaram físicas.
Primeiro, um tapa.
Depois, outro.
Ela suportou calada. Até não aguentar mais.
Determinada, começou a juntar dinheiro escondido. Vendeu jóias de família sem que ninguém percebesse. Guardava notas dentro das costuras de vestidos. E finalmente entrou em contato com Isabela, sua amiga de faculdade que morava nos Estados Unidos e trabalhava como babá.
— Vem. Eu vou voltar ao Brasil por uns meses. Você pode ficar no meu lugar. Aqui é seguro — disse Isabela.
Lorena partiu em silêncio, como uma sobrevivente. Com uma mala, seus documentos e a dor presa no peito.
Ao chegar em solo americano, começou a trabalhar na casa de um empresário reservado, viúvo, pai de um bebê — um homem gentil chamado Liam Alexander Blackwood, que precisava de ajuda após a morte da esposa durante o parto.
O que Lorena não sabia era que Liam era amigo e sócio de Ethan.
Ela jamais imaginaria que o destino, silencioso e certeiro, já preparava o reencontro.
Enquanto ela tentava sobreviver, Ethan seguia a vida, mas não o coração. Noivou com Margot, uma colega de faculdade fria, ambiciosa e vazia. Teve um filho, tornou-se empresário bem-sucedido. Mas bastava fechar os olhos, e lá estava Lorena — na praia, sorrindo, com areia nos cabelos.
Três anos se passaram.
Lorena ainda chorava por duas meninas que achava mortas.
Ethan, sem saber, tinha filhas perdidas.
Naquela noite, Lorena sonhou com duas meninas de olhos azuis, correndo por um jardim.
Era a primeira vez, em vinte e três anos, que sonhava com paz.
A verdade estava para nascer.
Jully tinha ido para os Estados Unidos por necessidade. Filha de uma família tradicional, mas cheia de desilusões, ela era uma gêmea esquecida. Enquanto Jenny, sua irmã idêntica, se recusava a trabalhar e era bajulada pelos pais, Jully carregava nas costas as responsabilidades de uma casa que mal a enxergava.
Foi no último ano da faculdade que surgiu a oportunidade: cuidar do bebê de um casal Grego que se instalaria em Natal. Ela aceitou prontamente, não apenas pelo salário em dólar, mas porque desejava — com toda a força de quem cresceu em silêncio — ser valorizada em algum lugar do mundo.
Kate e Alexander a contrataram quando ainda estavam no Brasil. Jully se mudou com eles para os Estados Unidos, meses antes do parto de Kate. Durante a gestação, tornou-se braço direito da jovem mãe, ajudando com tudo, mesmo sob a frieza emocional de Alexander, que parecia sempre distante.
O parto foi complicado. Kate não resistiu. E Jully, mesmo devastada, ficou.
Ficou por Brian.
Ficou por respeito à promessa feita a Kate, de cuidar do filho dela se algo acontecesse.
Por três anos, ela dedicou-se inteiramente ao menino. Alexander nunca foi carinhoso. Sempre sério, reservado, fechado em seu luto e sua dor. Mas Jully, aos poucos, começou a amá-lo. Um amor silencioso, que nunca ousou confessar. Ela se contentava com as migalhas de convívio, com a responsabilidade do cuidado e com os olhares distraídos que ele, às vezes, lançava em sua direção.
Até que, numa noite de inverno, tudo mudou.
Alexander chegou embriagado, os passos arrastados, o paletó aberto, os olhos turvos.
Jully estava no quarto do menino, ninando Brian, quando ele apareceu na porta.
— Jully você é tão linda — disse ele, encostando-se à parede. — Você poderia fazer qualquer homem feliz. Por que trabalha como babá?
— Porque eu preciso, senhor. Minha família depende de mim.
Ele se aproximou. Acariciou o rosto dela com os dedos trêmulos.
Ela sabia que ele estava bêbado.
Mas o coração não escutava a razão.
E então ele a beijou.
Foi suave, doce, e ao mesmo tempo doloroso.
Ela tentou resistir, mas o amor guardado há tanto tempo falou mais alto.
Naquela noite, Jully entregou-se.
Virgem, foi a primeira vez que sentiu o toque de um homem.
O coração dela acreditava que talvez houvesse ali uma chance.
Mas no auge do momento mais íntimo, Alexander sussurrou um nome:
— Kate...
A alma dela se quebrou.
E, no dia seguinte, ele sequer se lembrava.
— Tive um sonho estranho. Eu sonhei que Kate voltava — ele disse, distraído, enquanto tomava café. — Foi tão real...
Jully, com os olhos baixos, apenas sorriu e voltou ao quarto do bebê.
Não disse nada.
Engoliu a dor.
Dois meses depois, o teste deu positivo.
Ela estava grávida.
E então ouviu Alexander conversando com Brian no jardim:
— Você é tudo o que eu tenho, meu filho. Você será meu único herdeiro. Eu não pretendo me casar novamente. Nunca mais.
Aquelas palavras cravaram-se no peito dela como estilhaços.
Ela entendeu.
Ela tinha sido só um refúgio temporário de uma noite de dor.
E ele nem sabia disso.
Foi então que Jully tomou uma decisão.
— Senhor Alexander, preciso retornar ao Brasil. Minha mãe vai passar por uma cirurgia, e minha irmã... bem, ela não é muito confiável. Eu preciso ajudá-los.
— E quem vai ficar com meu filho? — ele perguntou, preocupado.
— Eu trouxe uma substituta. Estudamos juntas. Uma mulher de total confiança. Seu nome é Lorena. Ela é experiente, discreta e vai cuidar do seu filho como se fosse dela.
Alexander concordou como se Jully não fosse nada.
Não fazia ideia do que o destino estava prestes a lhe apresentar.
Jully treinou Lorena com carinho e silêncio.
Despediu-se do menino com lágrimas escondidas.
E voltou para o Brasil com um filho no ventre.
Sem saber que o reencontro entre Lorena e Ethan estava prestes a acontecer.
E que, nos corredores da mesma mansão, três histórias de amor, dor e destino estavam entrelaçadas por fios invisíveis.
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Atualizado até capítulo 71
Comments
Maria Madalena Figueredo
comecando em 01/08/25
2025-08-01
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Dulce Gama
começando 12/07/25
2025-07-13
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