O Jogo do Corvo

Capítulo 5 – O Jogo do Corvo

As semanas que se seguiram à Noite da Tinta foram as mais silenciosas da minha vida — e as mais perigosas.

Não houve retaliação imediata, nem ameaças abertas. Mas eu sentia. Como um cheiro no ar antes da chuva, um peso invisível que se arrastava pelos meus ombros: a guerra havia começado. E os Karasuma não eram o tipo de inimigo que atacava com pressa. Eles observavam. Esperavam. Corvos em círculo.

Meu pai dizia que o clã era como veneno: não mata no primeiro gole, mas contamina até o sangue parar de correr.

Então, comecei a agir antes que o veneno me alcançasse.

A primeira coisa que fiz foi recrutar aliados. Não soldados. Não matadores. Mas pessoas invisíveis. Como eu era. Nerds. Hackers. Filhos do submundo que não carregavam armas, mas que comandavam a internet como samurais em um campo de batalha digital.

O primeiro deles foi Jin — nome de guerra, porque seu nome verdadeiro era impossível de descobrir. Jin era um gênio da programação que morava num quarto apertado no centro de Tóquio, rodeado por telas, cabos e latas de energético. Quando entrei em contato com ele por um fórum privado, achei que ele me ignoraria. Mas bastou eu digitar o código “DNK-47”, uma chave oculta deixada por meu pai em um servidor há anos, e ele me respondeu em menos de dez segundos.

— Você é o filho do dragão. Finalmente apareceu.

Ele não quis saber detalhes. Só pediu uma missão.

E eu dei.

— Quero cada nome. Cada lugar. Cada transação. Tudo que envolva o clã Karasuma nos últimos cinco anos. E quero saber onde Kazuo dorme, o que come, com quem transa e quando vai ao banheiro.

Jin sorriu pela câmera.

— Vai me dar trabalho. Mas não existe castelo sem rachadura.

Enquanto ele trabalhava no mundo digital, eu voltei ao mundo da carne.

E o primeiro lugar que visitei foi o bairro de Ikebukuro — território neutro, mas infestado por olheiros. Lá, existia um bar escondido no porão de um prédio abandonado, conhecido apenas como Kuroi Kabe — “Parede Negra”. Um ponto de encontro de informantes, onde ninguém falava alto e todo mundo carregava algo escondido.

Ali, eu reencontrei alguém que pensei ter desaparecido: Daichi.

Velho amigo do meu pai, Daichi era um dos raros membros do clã Nakamura que não havia abandonado a vida de ação. Ele era uma lenda silenciosa — ex-executor, sumido desde a guerra dos portos em Kobe. Diziam que matara trinta homens com uma lâmina curva em uma única noite. Ele era o que se chamava de cão negro: não fazia perguntas, só obedecia. Mas quando viu minha tatuagem, não fez reverência. Não sorriu. Só serviu saquê, e me olhou nos olhos.

— Seu pai era o dragão. Você ainda é só um filhote cuspindo fumaça.

— Então me ensina a cuspir fogo.

Ele riu. Pela primeira vez.

— Muito bem, moleque. Queime comigo, então.

A partir dali, meus dias viraram treinos, e minhas noites — emboscadas.

Daichi me ensinou o que os livros não podiam. A se mover com o corpo. A matar com os olhos. A usar o espaço ao meu redor como arma. Aprendi a ouvir o som do inimigo antes que ele respirasse perto. A transformar cada passo meu num aviso silencioso: “estou chegando”.

E ele me contou algo que mudou tudo.

— Kazuo não é o verdadeiro chefe dos Karasuma. Ele é a cabeça visível. O corvo na árvore. Mas existe outro. O verdadeiro líder. O cérebro por trás de tudo. Um fantasma conhecido apenas como... Shiro.

— Shiro? Nunca ouvi esse nome.

— Ninguém ouviu. Mas ele está em tudo. Se você quer cortar a raiz, tem que achar o homem por trás da máscara.

Enquanto isso, Jin me enviava relatórios cada vez mais profundos. Um arquivo me chamou atenção: uma rota de carregamento marítimo entre o porto de Nagoya e um depósito em Fukuoka. O conteúdo? Equipamentos de vigilância e caixas com anotações codificadas. Quem assinava os documentos? Uma empresa fantasma chamada “Shiro Tech”.

Era o rastro.

Era ele.

O nome de código do fantasma que manipulava os Karasuma por trás das cortinas.

Comecei a conectar os pontos.

Shiro Tech. Ryu Kido. Souta Kirishima. E, no centro de tudo... um galpão abandonado em Fukuoka que ninguém ousava tocar. Diziam que era amaldiçoado. Que quem entrava não saía.

Perfeito.

Preparei tudo.

Peguei um trem noturno, sozinho. Sem pai. Sem Daichi. Sem Jin.

Na mochila, só o essencial: a pistola "忠義", a karambit, lanternas e o dispositivo de escuta criado por Jin — algo minúsculo, imperceptível, mas capaz de gravar até suspiros.

Cheguei ao galpão às 3h43 da madrugada. Um silêncio de cemitério envolvia o lugar. Luzes fracas, gerador velho, cheiro de mofo e ferrugem. Arame farpado, câmeras em cada canto, e um único carro preto estacionado. Lexus. Vidros fumês.

Me escondi atrás de um empilhado de tambores enferrujados. Liguei o escuta. Prendi no meu colarinho. E esperei.

Às 4h12, o portão rangeu. Três homens saíram. Um deles era Souta Kirishima.

Meu sangue ferveu.

Mas não me movi. Não ainda.

O outro era Kazuo.

O terceiro... não consegui ver o rosto. Apenas ouvi a voz.

Baixa. Precisa. Aquele tipo de voz que não grita — mas que domina.

— O garoto está indo rápido demais. Está aprendendo mais do que devia. A próxima fase precisa começar.

Kazuo respondeu:

— Quer que eliminemos o velho?

— Não. Ainda não. Deixe o pai sangrar devagar. A dor dele é o que mantém o filho com raiva. A raiva é útil. Por enquanto.

Aquele era Shiro.

O fantasma.

Saí dali vivo.

Mas não inteiro.

Voltei para Tóquio com o nome do inimigo e o som da sua voz gravado.

Jin analisou. Usou softwares de espectro. Cruzou com bancos de voz.

E achou uma coincidência.

Um nome civil.

Renji Sakamoto.

Empresário. Filantropo. Dono de escolas técnicas. E... padrinho de casamento do meu pai.

O traidor não era um estranho.

Era parte da nossa história.

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