Capítulo 3 – O Velho Refúgio e a Primeira Caçada
A estrada até Yamanashi serpenteava como uma cicatriz no corpo da madrugada. Dirigi por horas em silêncio, apenas o som do motor e o rugido abafado dos meus pensamentos preenchendo o carro emprestado da garagem. Era um sedã preto comum, sem placas chamativas, nada que atraísse atenção. Mas eu carregava dentro dele algo impossível de esconder: fúria contida.
Cheguei à propriedade por volta das quatro e meia da manhã. O céu ainda era um manto escuro cravejado de estrelas, mas o horizonte já ameaçava clarear. Estacionei a uns duzentos metros do portão principal, escondido sob as árvores. Calcei as luvas, vesti o moletom com capuz e conferi cada item da mochila: faca karambit presa à coxa, pistola no coldre lateral, comprimidos de emergência no bolso interno, lanternas com filtro vermelho, e o mais importante — o pen drive com informações que eu havia reunido sobre a rotina dos guardas.
Do alto de uma colina próxima, observei a velha construção de madeira. Era grande, mas simples. Telhado escuro, janelas protegidas por grades, muro de pedra envolto por arame farpado. Tudo indicava que era mais que uma fazenda. Era uma base improvisada. Dois homens rondavam o perímetro a cada quinze minutos. Tinham fuzis leves e cara de quem não dormia há dias. Profissionais cansados. Perigosos. Mas previsíveis.
Esperei até o turno mudar. Sabia que, entre cinco e cinco e dez, havia uma janela de transição. E foi por ela que entrei.
Desativei o alarme de presença na lateral leste com um dispositivo que eu mesmo montei. Coisa de nerd. Um simples bloqueador de sinal, montado com peças de impressora e um microcontrolador comprado no Mercado Negro da Web. Funcionou como planejado. O laser de segurança piscou uma vez... e apagou.
Atravessei o muro como uma sombra. Rastejei por trás dos galpões, sem fazer um som. Senti meu coração bater como um tambor ancestral dentro do peito — não de medo, mas de algo mais puro. Instinto. O dragão sussurrava em meu sangue.
No segundo andar da casa principal, uma janela estava entreaberta. Subi pelas vigas externas, usando a parede como apoio. Quando me pendurei no parapeito e olhei para dentro, meu mundo parou por um segundo.
Ali estava ele.
Souta Kirishima.
De costas para mim, em pé diante de uma estante. Os cabelos grisalhos cortados rente, o porte ereto, ainda imponente. Vestia um yukata escuro, e seu braço direito exibia a marca das antigas tatuagens Nakamura. O traidor. O carrasco da minha mãe. O assassino da Aiko.
Saquei a pistola. Mirei. Respirei.
E hesitei.
Não porque tive piedade. Mas porque algo me parecia… errado.
— Você demorou, ele disse, sem se virar.
Minha espinha congelou. Como ele sabia? Como me sentiu?
Ele se virou devagar. O olhar era o mesmo de anos atrás — firme, mas agora sombrio, pesado de pecados.
— Você cresceu, Akira-kun. Mas continua se movendo como um programador. Um guerreiro de verdade não precisa olhar pra trás pra sentir o cheiro da morte.
Levantei a arma com as duas mãos.
— Diga por que fez isso.
— Não foi por ódio ao seu pai. Foi por amor ao clã. — ele deu um passo — Ele esqueceu quem somos. Vendeu nossas tradições por negócios limpos, acordos corporativos, alianças falsas. O sangue dos Nakamura exigia purificação.
— Então você purificou com sangue de criança?
— A guerra exige sacrifícios.
Disparei.
Mas ele já havia se movido. A bala quebrou um vaso de cerâmica, e antes que eu pudesse reagir, ele avançou. A luta foi brutal.
Ele era mais rápido. Mais forte. Experiente.
Mas eu era incansável. E eu era jovem. Com raiva.
Cada golpe que trocávamos ecoava como um trovão abafado naquele quarto antigo. A faca caiu de minha perna, e rolamos pelo chão como animais selvagens. Consegui acertá-lo com um soco na mandíbula. Ele cuspiu sangue e riu.
— Você está pronto. Eu sabia que estaria. Por isso deixei o rastro.
— Você queria que eu viesse?
— Sim. Porque agora você tem que escolher.
Ele apontou para a porta. Um garoto. Da minha idade. Amarrado. Com um capuz na cabeça.
— Esse é Takao. Ele ajudou no ataque. Mas não matou ninguém. Só dirigiu o carro. Está aqui há dias. Se quer ser como nós, termine o ciclo. Mate-o. E eu reconheço você como sucessor legítimo da linhagem.
Olhei para o garoto. Ele tremia.
Souta se ajoelhou e me ofereceu uma lâmina.
— Ou vá embora, e saiba que nunca será respeitado no submundo. Serás apenas um garoto que se vingou, mas que parou no meio. Um dragão com asas quebradas.
Minhas mãos tremeram.
Eu peguei a lâmina.
Olhei para o garoto.
Olhei para Souta.
E decidi.
Naquela manhã, a polícia encontrou a fazenda em chamas. Não restou nada. Nenhum corpo. Nenhuma prova.
Oficialmente, o incêndio foi considerado acidental.
Mas eu sabia. Souta sabia. E Takao, mesmo com um corte no ombro e os pés quebrados, viveu para lembrar.
Eu não o matei. Mas deixei claro: se algum dia ele voltasse a servir os Karasuma, eu terminaria o que comecei.
E Souta? Ele desapareceu. Ferido. Silencioso. Um fantasma esperando a próxima caçada.
Na volta para casa, olhei meu reflexo no espelho retrovisor.
Os olhos estavam mais escuros agora.
A alma? Talvez já não estivesse lá.
Mas o dragão... o dragão estava desperto.
E ele ainda tinha fome.
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Atualizado até capítulo 33
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