Capítulo 4 – Entre Fantasmas e Reuniões de Sangue
As aulas voltaram como se nada tivesse acontecido. Como se o mundo ainda girasse normalmente para os demais, e só eu estivesse fora de órbita. Os colegas comentavam sobre praias, viagens, namoros de verão. Riam alto nos corredores, reclamavam dos professores e das provas que viriam. E eu? Eu assistia tudo de longe. Era como ver um filme ao qual já não pertencia.
Sentei no fundo da sala, como sempre. Mas agora, mesmo calado, ninguém conseguia me ignorar. Algo havia mudado — e eles sentiam. Era no olhar. Na postura. No silêncio. Antes eu era invisível. Agora, era o tipo de presença que fazia os outros desviarem o olhar.
A professora de história tentou puxar assunto comigo no terceiro dia de aula:
— Akira, que bom te ver de volta. Está tudo bem com você?
Respondi com um aceno. Não porque não soubesse o que dizer — mas porque palavras eram inúteis diante do que eu tinha vivido. Ela entendeu e não insistiu.
Na hora do intervalo, fui para o terraço da escola. Sempre fui o único a ir lá. Um lugar esquecido, com vista para os prédios de Setagaya, onde o vento batia forte e o mundo parecia mais distante. Era meu refúgio. E naquele dia, não estava sozinho.
— Você sumiu nas férias.
A voz era suave, firme. Vinha de trás de mim.
Virei devagar.
Era Mei Takeda.
A garota mais inteligente da turma. Cabelos curtos, olhos escuros como a noite, e um olhar que sempre parecia ver mais do que deveria. Mei nunca falou muito comigo, mas também nunca me ignorou como os outros. Ela era diferente. Observadora.
— Notei que seus olhos estão diferentes, disse, se aproximando. — Você viu coisas, não viu?
Fiquei em silêncio.
Ela se sentou ao meu lado, cruzando os braços sobre os joelhos.
— Não precisa me contar. Só queria que soubesse que eu também já vi coisas que mudam a gente. E às vezes... guardar tudo sozinho pesa mais do que parece.
Houve um momento estranho. Um momento de pausa. Como se o tempo tivesse segurado o fôlego. E naquele instante, me dei conta de algo: ainda havia fragmentos de luz no mundo. Mesmo mergulhado na escuridão, ainda existiam pessoas que não haviam sido corrompidas.
Mas não era por isso que eu estava ali.
Meu mundo não era mais aquele.
E na mesma noite, o mundo real fez questão de me lembrar.
Cheguei em casa tarde, depois de caminhar por horas tentando esvaziar a cabeça. Quando entrei no saguão principal, meu pai me esperava. Estava de pé, junto à escada, com a expressão tensa. Ele segurava um envelope preto.
— Eles responderam.
Peguei o envelope. Não havia remetente, mas o selo em vermelho era inconfundível: os Karasuma. Dentro, um único papel.
Um convite.
Ou melhor: um aviso.
“Akira Nakamura. Sua entrada no jogo foi notada. Uma reunião será feita. Você foi convocado. Compareça. Ou assuma o preço da ausência.”
— Kazuo Karasuma
Era isso. Eu havia sido reconhecido. Não como estudante. Não como filho. Mas como jogador. Uma peça viva no tabuleiro. O convite era para uma reunião de líderes, o chamado Sumi no Yoru — a “Noite da Tinta”, onde clãs do submundo se encontravam sob trégua para negociações, pactos… e às vezes, execuções.
— Não é um convite comum, meu pai disse. — É uma armadilha. Eles querem te medir. Ou te esmagar.
— Então eu vou.
Ele balançou a cabeça.
— Você está pronto?
Olhei nos olhos dele.
— Estou acordado. E o dragão também.
A reunião aconteceria num templo antigo, nos arredores de Kyoto. Um local sagrado, protegido por tradição e sangue. Nenhuma arma era permitida. Só palavras. Mas palavras, naquele tipo de ambiente, podiam cortar mais fundo que espadas.
Chegamos dois dias depois. O templo era belo e assustador. Estátuas de Oni ladeavam a entrada, com olhos vazios e bocas abertas em eternos rugidos. Uma trilha de lanternas levava até o pátio interno, onde os líderes já aguardavam.
Sete clãs estavam presentes.
Os Karasuma, claro — liderados por Kazuo, um homem de rosto esculpido pela crueldade, vestindo um terno branco impecável. Seus olhos pareciam duas fendas frias, calculistas. Ele sorriu ao me ver, como quem observa um animal de circo entrando na arena.
— Então esse é o filhote do Nakamura, ele disse. — O pequeno nerd vingador. Diga-me, garoto... já matou alguém de verdade, ou só quebrou bonecos e fez fogo com isqueiro?
A risada ecoou ao redor.
Mas eu não respondi com palavras.
Caminhei até o centro do pátio. Olhei para ele. Tirei o paletó. Virei de costas. E mostrei o dragão tatuado, de olhos vermelhos e garras abertas. O símbolo da linhagem Nakamura, agora marcado em mim com sangue, fogo e propósito.
O riso cessou.
Kazuo inclinou levemente a cabeça. Depois, riu baixo.
— Você tem coragem. Isso é raro hoje em dia.
Então a reunião começou.
Falou-se de fronteiras, de acordos suspensos, de conflitos em Osaka e ameaças estrangeiras. Mas no final, tudo convergiu para mim.
Kazuo se levantou e declarou:
— Nós, os Karasuma, exigimos reparação. O garoto invadiu nosso território, destruiu propriedade, feriu homens leais. Não há honra nisso. Só desordem. Pedimos que a linhagem Nakamura seja repreendida.
Silêncio.
Meu pai não falou.
Eu sim.
— Vocês mataram minha irmã. Uma criança. Queimaram minha casa. Sujaram o nome do meu sangue. Eu não invadi. Eu retornei. E vocês vão pagar. Com tempo. Com dor. E com tudo que amam.
Houve murmúrios. Algumas cabeças se viraram. Alguém tossiu.
Kazuo me encarou, e por um segundo, seu sorriso vacilou.
— Então estamos em guerra?
— Já estamos. Só que vocês não perceberam ainda.
Naquela noite, não dormi.
Voltei ao templo mais tarde, sozinho, e sentei diante da estátua de um dragão de pedra. Acendi um cigarro, mesmo sem fumar. Só pra ver a brasa brilhar.
E escrevi no meu caderno preto:
Lista de Sangue – Karasuma
Ryu Kido – ferido.
Souta Kirishima – desaparecido.
Kazuo Karasuma – marcado.
(E todos os outros... em breve.)
A guerra havia sido declarada oficialmente.
E a lenda do nerd que virou sombra, do herdeiro tatuado pelo fogo, começava a ecoar pelos becos de Tóquio.
Mas isso... ainda era só o começo.
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Atualizado até capítulo 33
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