**Capítulo 2 – As Primeiras Sombras**
As noites deixaram de ser silenciosas.
Eu ouvia cada gota de chuva como se fossem passos se aproximando. Cada rangido da casa me lembrava do som abafado de corpos caindo no chão. Dormir tornou-se um hábito perdido, e o pouco de paz que ainda havia em mim morava entre os livros de estratégias de guerra que li compulsivamente: Sun Tzu, Miyamoto Musashi, Maquiavel... todos os mestres da mente e da espada agora eram minha religião.
Na terceira semana das férias, encontrei o nome de um dos capangas dos Karasuma nos arquivos digitais criptografados do meu pai. Um sujeito chamado Ryu Kido, também conhecido como “Rato de Ginza”. Um informante sujo, um pequeno ladrão que se tornara um dos espiões da gangue. Ele vivia num cortiço escondido atrás de uma lavanderia 24h no bairro de Minato.
Era um lixo humano. E era exatamente disso que eu precisava.
Fui até lá sozinho. De madrugada. Levei comigo uma faca karambit que comprei com o sensei. Um golpe limpo, curvo, silencioso. O tipo de arma que não perdoa erro. Eu ainda não tinha matado ninguém. Ainda era... teoricamente... só um garoto.
Mas quando vi aquele desgraçado na porta do prédio, cheirando alguma droga barata e rindo de algo no celular, algo dentro de mim ferveu.
Puxei o capuz, andei devagar e sem pensar, cruzei a rua. Quando ele me viu, já era tarde. Me aproximei como uma sombra, encostei a lâmina no pescoço dele e sussurrei:
**— Você vai me dizer quem ordenou a morte da minha mãe. Ou vai sangrar até dizer.**
Ele tremeu. Tentou rir. Mas meus olhos o congelaram. Ele não estava olhando para um garoto. Estava olhando para o vazio onde a alma de um nerd morrera semanas atrás.
Demorou, mas ele falou. E cada palavra saindo da boca suja dele era um prego a mais no caixão da minha antiga vida. Disse que o ataque foi uma "mensagem". Uma resposta a uma traição do meu pai, ou pelo menos, o que o clã Karasuma considerava traição: a recusa do velho em fechar um acordo com um cartel colombiano que envolvia armas e tráfego humano. Meu pai os rejeitou, humilhou-os diante de outras famílias. Eles quiseram vingança.
Mas não foram eles pessoalmente. O ataque foi encomendado a um grupo menor, uma célula semi-autônoma liderada por um ex-membro da Nakamura que havia sido exilado. Um homem chamado **Souta Kirishima**.
Esse nome me acendeu uma lembrança.
Souta fora segurança da nossa casa. Eu o via quando era criança. Ele me ensinava origami, me deixava brincar com o rádio da segurança. Até que, um dia, sumiu. Meu pai nunca falou sobre ele de novo.
Agora, ele era o responsável por destruir minha família.
Não matei Ryu. Mas quebrei dois dedos dele. E deixei um recado: se mentisse ou desaparecesse, eu voltaria com olhos mais frios. Ele acreditou.
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No fim da quarta semana das férias, meu corpo estava completamente transformado. Não era mais frágil. Meus ombros haviam alargado, meus reflexos estavam mais rápidos. Meu olhar se tornara mais profundo — sombrio, calculado. Eu ainda lia mangás, mas agora só lia os que falavam sobre vingança, sangue e redenção. Vagava por fóruns obscuros à noite, aprendendo com hackers como rastrear celulares, quebrar redes Wi-Fi, usar a darknet como arma.
Aquele era meu campo de guerra.
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Meu pai voltou ao Japão em silêncio, no início de agosto. Chegou de helicóptero, sem avisar. Eu estava treinando no jardim quando ouvi o som das hélices cortando o céu.
Ele saiu da aeronave como um fantasma. Mais magro, o rosto envelhecido meses em semanas. Olhou para mim como se não acreditasse no que via.
— **Akira...?** — sua voz falhou.
— **Eles mataram a Aiko. A mamãe. Você não estava aqui.**
Ele se aproximou e tentou me tocar no ombro, mas me afastei. Não queria consolo. Queria respostas.
Naquela noite, sentamos no salão principal da casa, diante do altar onde as cinzas de minha mãe e irmã estavam. Ele serviu saquê para mim e para os mortos, como mandava a tradição. Depois bebeu em silêncio, e só então falou.
— **Eu te criei longe disso tudo, porque queria te proteger. Queria que você tivesse uma vida normal. Mas falhei.**
— **Não. Você só atrasou o inevitável. Agora estou dentro disso. Até o pescoço.**
Mostrei as costas. O dragão.
Ele ficou em silêncio. Um olhar misto de dor e orgulho. Então ele me disse:
— **Souta Kirishima foi um irmão para mim. Mas se ele fez isso... ele já está morto. Só não sabe ainda.**
E foi assim que firmamos um pacto. Pai e filho. Vingança e sangue. Fim e começo.
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Nas semanas seguintes, entrei oficialmente para os negócios da família. Aprendi sobre a rede de aliados, as zonas neutras, os códigos que regem o submundo. Mas ainda atuava sozinho. Não confiava em ninguém. Preferia caçar com as minhas próprias mãos.
Rastrear Kirishima não foi fácil. Ele havia desaparecido. Mas cada sombra deixa um rastro, e com tempo e paciência, encontrei um fio solto: uma propriedade rural no norte de Yamanashi, usada para encontros de “reeducação” com membros rebeldes. Um velho esconderijo que Kirishima conhecia bem.
Era lá que ele estava. Eu tinha certeza.
Na última noite das férias, montei minha mochila com tudo: faca, celular, comprimidos de adrenalina, lanternas, e uma pistola que meu pai me deu com a inscrição "忠義" — lealdade.
Antes de partir, deixei um bilhete para o velho:
**“Essa guerra agora é minha. Não me siga.”**
E fui.
O nerd havia morrido.
O dragão acordara.
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Atualizado até capítulo 33
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