O ACORDO

ISADORA

A suíte presidencial do hotel mantinha a mesma atmosfera de luxo silencioso, mas Stephanos sentia que tudo ali parecia opaco diante da imagem que ainda latejava em sua mente: a de Isadora, ajoelhada ao lado do pai, colocando os sapatos dele com delicadeza, ajeitando o casaco surrado com paciência, beijando-lhe a testa com ternura antes de fechar a porta do táxi.

Ele não conseguia esquecer aquele gesto.

Um gesto que não se comprava.

Um gesto que não se ensinava.

Um gesto que… o prendeu.

Naquela mesma noite, ele estava de pé junto à grande janela envidraçada, com o paletó aberto e a gravata afrouxada. O celular descansava em cima da mesa, ignorado, apesar das mensagens do irmão Alexander pedindo atualização sobre os contratos com o governo americano. Ele tinha mil razões para estar concentrado… mas todas estavam sendo anuladas por uma única mulher.

Foi então que a porta da suíte se abriu com um leve ranger. Isadora entrou com um carrinho de apoio. Vestia o uniforme tradicional do hotel — camisa branca, calça escura, e o colete com logomarca dourada. Os cabelos loiros estavam presos num coque simples, e os olhos azuis, mesmo cansados, mantinham aquele brilho sereno que tanto o intrigava.

— Boa noite, senhor. Vim apenas repor as toalhas — disse ela, com voz gentil, sem levantar o olhar.

— Boa noite, Isadora — respondeu ele, com um tom firme e grave, aproximando-se lentamente.

Ela congelou. O nome dito daquela forma era como se ele tivesse acariciado sua alma com a voz. Levantou os olhos, encontrando os dele, azuis como os dela, porém mais frios, mais densos — embora, naquele momento, refletissem algo inesperado: calor.

— Senhor?

— Estive hoje à tarde na casa do seu pai — ele começou, com o timbre mais suave.

Ela arregalou os olhos, recuando meio passo.

— Me perdoe. Eu não sabia que o senhor me seguia. Isso é achei estranho o senhor em nossa casa.

— Não foi para invadir sua privacidade. Eu vi você com ele. E confesso que foi impossível não querer saber mais. Quis conhecer quem criou uma mulher tão… autêntica.

— E — ela suspirou, desviando o olhar — Com todo respeito, senhor, eu estou aqui a trabalho. Acredito que o senhor esteja me confundindo com outra pessoa. Uma oportunista, talvez.

— Não — ele interrompeu com firmeza, se aproximando mais um passo. — Eu sei muito bem quem você é. Você não me pediu nada. Nunca olhou para mim como os outros olhavam. E justamente por isso, você é diferente. Você me vê como um homem. Não como um bilionário. Não como um Vasilis.

Isadora mordeu o lábio, sem saber como reagir. Sentia o coração acelerado. Queria manter a compostura, mas era difícil diante de alguém que a encarava como se fosse… preciosa.

— Eu… agradeço, mas… eu não estou procurando ajuda — disse, retomando a compostura. — Meu trabalho aqui é servir os hóspedes, não criar laços pessoais.

— Então me permita te perguntar, como homem — ele disse, baixando o tom da voz. — Você aceitaria jantar comigo?

Ela arqueou uma sobrancelha.

— Eu trabalho até de madrugada, senhor Stephanos. Meu turno termina só ao amanhecer. E quando saio, preciso levar meu pai à psicóloga. Depois tento descansar um pouco e volto à tarde para o segundo turno. Esse é o meu ciclo. Todos os dias.

Ele franziu o cenho, tocado pela sinceridade dela.

— Por que você trabalha tanto?

Ela respirou fundo.

— Porque sou eu quem sustenta a casa. Meu pai não tem mais condições. Os remédios são caros, as sessões de terapia são necessárias. E… bom… se eu não trabalhar, ele desmorona. E eu também.

Houve um silêncio que pareceu longo demais. Stephanos a observava com um misto de respeito, admiração e algo que ele mesmo ainda não sabia nomear.

— Você tem ideia do quanto isso é admirável? — perguntou ele, sem desviar os olhos.

Isadora hesitou.

— Ninguém nunca me disse isso — murmurou. — Normalmente, me perguntam se eu não me canso de "me fazer de boazinha".

Ele sorriu, de forma breve e verdadeira.

— O mundo está cheio de pessoas que fingem gentileza. Você não finge. Você exala. E isso… está mexendo comigo.

Isadora abaixou o olhar, confusa, e com o coração batendo forte.

— Eu preciso terminar meu serviço — disse em voz baixa. — Com licença, senhor Stephanos.

Ele não a impediu. Apenas observou enquanto ela saía pela porta, empurrando o carrinho de toalhas com passos firmes, ainda que apressados. Quando ela desapareceu no corredor, ele olhou para a cadeira onde estava sentado horas antes.

— Isso vai ser mais difícil do que qualquer negociação — murmurou para si mesmo.

Mas pela primeira vez em anos, ele sentia que algo valia o risco.

O sol da tarde entrava pelas cortinas finas da casa simples, espalhando reflexos dourados sobre os móveis antigos, bem cuidados, mas visivelmente gastos pelo tempo. Stephanos passou os olhos por tudo — não com julgamento, mas com respeito. Era um lar. Um lar onde o amor lutava diariamente contra o sofrimento.

Edward Wasch estava sentado em uma poltrona revestida por uma manta florida. Estava magro, os olhos fundos, mas seu semblante era calmo, quase resignado. O olhar dele se ergueu quando Stephanos se aproximou com uma sacola nas mãos — frutas frescas, pães, algumas coisinhas que ele mandara comprar.

— Trouxe algumas coisas. Espero que não se importe — disse Stephanos, pousando a sacola com discrição.

— Eu não sou homem de luxo, senhor Stephanos… mas também não sou orgulhoso a ponto de negar uma gentileza sincera. Sente-se — convidou o pai de Isadora, apontando para uma cadeira próxima.

Stephanos aceitou o convite. O silêncio que se seguiu foi breve, interrompido pela respiração pesada de Edward, como se cada frase a ser dita precisasse ser autorizada pelo peito cansado.

— Isadora... é uma moça forte — começou Eduard. — Mas sabe o que mais me dói? É saber que ela precisou aprender a ser forte cedo demais.

Stephanos não respondeu. Deixou que ele continuasse.

— A mãe dela… Carmen Rivera. — Seus olhos se perderam no tempo. — Imigrante espanhola. Linda. Independente. Trabalhadora. Eu a conheci lavando as escadarias de um prédio antigo onde eu era segurança. Amor à primeira vista. Em dois meses, eu pedi ela em casamento. Em dois anos, ela me disse que estava grávida. Nunca fui tão feliz na vida.

Ele deu um pequeno sorriso, triste, tocando o braço da cadeira como se tocasse as lembranças.

— Carmen já tinha escolhido o nome. Isadora. Dizia que soava como um nome de mulher valente, mulher de luz. E ela… ela era luz. Mas… ela também era teimosa. Nunca quis deixar de trabalhar. Nunca contou pra mim que estava com diabetes gravídica. Nem que a pressão dela andava alta. Eu trabalhava demais, e ela dizia que não queria me preocupar.

Ele respirou fundo. A dor dos anos ainda ecoava forte.

— No parto… ela teve eclâmpsia. Não resistiu. Meu mundo parou ali. Mas quando me entregaram aquela menininha… com aqueles olhos azuis, iguais aos meus… Eu entendi que não tinha o direito de desmoronar.

Stephanos sentiu a garganta apertar.

— Criei a Isadora sozinho. Troquei fraldas, dei mamadeira, fiz tranças, fui nas reuniões da escola… E amei cada segundo. Mas com o passar dos anos, a saudade da Carmen começou a me consumir. Me peguei falando com as paredes, chorando no escuro. A depressão não vem como um trovão… vem como neblina. E quando vi, já não conseguia mais sair da cama.

— E Isadora assumiu tudo — murmurou Stephanos.

Edward assentiu, o olhar marejado.

— Ela tinha só dezoito anos, senhor Stephanos. Mal tinha saído do colégio. Mas foi arrumar trabalho, deu um jeito. Hoje ela sustenta essa casa, compra meus remédios, paga a psicóloga, faz comida, limpa tudo. Às vezes trabalha dois turnos… 24 horas sem dormir. Só pra cuidar de mim.

Ele fez uma pausa longa e depois soltou um suspiro pesado.

— E sabe o que mais me destrói? Saber que estou sugando as forças da minha filha. Que, mesmo sem querer, estou exaurindo ela. E ela não reclama. Diz que é amor. Que eu cuidei dela, agora é a vez dela cuidar de mim. Já me perguntou, senhor Stephanos… você sabe o que é uma pessoa te dedicar o amor dela como se fosse a única riqueza que ela tem?

Stephanos não respondeu. Apenas sentiu.

— A minha filha renuncia todos os dias. Pela casa, por mim. Nunca teve namorado. Nunca saiu para dançar. Nunca usou um vestido bonito sem pensar se não era melhor guardar aquele dinheiro pra pagar a conta de luz. Mas ela não reclama. Diz que o amor é a única coisa que vale a pena. Que é o que ela tem pra dar. E isso... ninguém nunca vai tirar dela.

O silêncio caiu entre os dois homens.

Stephanos olhou para o chão por alguns instantes. Depois ergueu os olhos para o homem à sua frente — frágil, mas digno.

— Senhor Wasch… e se o senhor aceitasse ir para uma clínica? Um lugar com tratamento digno, com apoio espiritual, talvez até com uma proposta religiosa? Um lugar onde o senhor pudesse se reencontrar?

Edward riu, mas não com deboche. Foi um riso cansado, quase doce.

— Meu filho, com que dinheiro a minha filha vai bancar isso? Ela já dá tudo de si. Já sacrificou os sonhos, descanso e, a juventude. Ela diz que não é sacrifício, é amor… mas eu sei o preço que isso cobra do corpo. E da alma.

Stephanos ficou em silêncio por mais um tempo.

Então, de forma inesperada, ele disse com voz firme:

— E se eu dissesse que quero ajudar?

Edward o encarou, sério.

— Por pena?

— Não — respondeu ele de imediato. — Por respeito. Pela filha que o senhor criou. Pela mulher que ela é. Pelo amor que ela carrega. Isso não tem preço. E eu quero ser digno disso.

Edward sorriu pela primeira vez. Um sorriso pequeno, mas verdadeiro.

— Então talvez... Deus tenha mandado mais um anjo para a vida dela.

Stephanos abaixou os olhos, emocionado. Sentia, dentro do peito, um nó difícil de nomear.

Mas sabia que, dali em diante, Isadora Wasch não sairia mais da vida dele.

O Pedido Silencioso

Edward calou-se por um instante, olhando para o grego à sua frente com um ar desconfiado, mas também curioso. O silêncio se prolongou, e Stephanos, apesar de toda sua postura firme de CEO bilionário, sentiu um leve frio no estômago — como se estivesse diante do homem mais importante do mundo.

— Me diga uma coisa, senhor Stephanos — Edward quebrou o silêncio, usando um tom mais direto. — O senhor está interessado na minha filha, não é?

Stephanos se ajeitou na cadeira e soltou um leve sorriso — não de deboche, mas de respeito.

— Primeiro, não me chame de senhor. Me chame de Stephanos.

Edward arqueou uma sobrancelha e replicou com um leve riso:

— Então me chame de Edward, não Sr.Edward.

Eles se olharam por um momento… e sorriram. Era o início de um pacto silencioso entre homens que, mesmo tão diferentes, estavam se entendendo.

— Eu estou simplesmente... — Stephanos respirou fundo —sem palavras, senhor Edward, para explicar o que sinto pela sua filha. Mas nesses três dias em que a vejo no hotel, no refeitório, no corredor, com toalhas nos braços e o sorriso no rosto mesmo exausta... eu vejo luz. Uma luz que despertou em mim algo que ninguém jamais despertou.

Edward o observava com atenção, o cenho franzido.

— O senhor não está querendo me dizer que quer… se envolver com a minha filha?

— Muito mais do que isso — respondeu Stephanos, sem hesitar. — Se a sua filha permitir, eu quero muito mais que um envolvimento.

O olhar de Edward vacilou, indo do chão até os olhos intensos daquele homem.

— O senhor está brincando comigo, não é? Um homem como o senhor... com esse dinheiro todo, esse nome de empresário... o que vai querer com uma moça humilde? Com a minha filha?

— Casar — Stephanos respondeu com firmeza.

Edward engasgou, riu nervoso, quase tossindo.

— Casar?! O senhor a conhece há três dias!

— Eu só disse o que quero se ela permitir. Eu não espero que o senhor me compreenda. Mas sei o que sinto. E sei que não quero deixá-la escapar. Se ela me der espaço para conhecê-la, para conquistar, vou fazer isso com o tempo dela — e não com o meu.

— Tempo... — Edward balançou a cabeça com um suspiro cansado. — É exatamente disso que ela não tem. Minha filha não tem tempo nem pra tomar um café sentada. Ela sai daqui cedo, volta tarde, às vezes nem volta. Dorme em turnos. Vive em função de mim.

Stephanos sentiu o peito apertar, mas já sabia disso.

— E é por isso que eu vim até aqui, Edward. Para lhe fazer uma proposta.

Edward ergueu uma sobrancelha.

— Que proposta?

— O senhor aceitaria ir para uma clínica? Um lugar discreto, com psicólogos, médicos, apoio espiritual... onde o senhor possa descansar, se recuperar, respirar um pouco sem se sentir um peso para ela?

O silêncio caiu de novo.

— E como a minha filha pagaria por isso? — perguntou Edward, com voz embargada. — Vai trabalhar três turnos?

— Não. O senhor vai dizer a ela que foi contemplado por um programa social. Que foi sorteado para um tratamento gratuito. Eu vou providenciar tudo. Documentos, telefone da assistente social, carta... o que for preciso. Mas isso será nosso segredo.

Edward o encarou, por longos segundos. Lágrimas subiram lentamente aos olhos desgastados, mas ele conteve.

— O senhor faria isso por ela?

— Pela mulher que o senhor criou. Pela filha que lhe deu mais amor do que qualquer riqueza no mundo. E porque, se algum dia, ela aceitar me dar uma chance, eu quero que ela tenha paz. Quero vê-la descansar sem culpa. Quero vê-la viver.

Edward respirou fundo e, com um sorriso frágil mas sincero, assentiu.

— Tudo bem, meu filho... tudo bem. Pela minha Isa, eu aceito tudo.

Stephanos sorriu também. Aquele momento selava mais que um acordo — era um voto de confiança. Um homem quebrado estava lhe entregando a chance de cuidar da joia mais preciosa que tinha na vida.

— Vamos fazer tudo certo — prometeu Stephanos, levantando-se e estendendo a mão.

Edward apertou, firme.

— Só não demore a falar com ela. Porque, se demorar, pode ter certeza: ela vai tentar te convencer de que não merece isso.

Stephanos assentiu. E, no fundo, sentiu que o maior desafio da sua vida não seria fechar contratos com o governo, mas convencer Isadora Wasch de que ela merecia ser amada.

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Comments

Gislaine Duarte

Gislaine Duarte

já tô com ranço dele 😬

2025-06-27

0

Leodete Oliveira

Leodete Oliveira

muito bom

2025-06-27

0

Ver todos

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