As folhas dançavam ao som do vento suave, espalhando luzes e sombras pela clareira. A grama alta se curvava com elegância conforme os passos de Eluinya cortavam caminho pela trilha já conhecida. A cesta de vime em suas mãos exalava um aroma leve de pão fresco, raízes secas e flores de Ysalen recém-trocadas na vila.
Ao se aproximar da casa, ela diminuiu o passo.
Ali, no campo ao lado da varanda, Ryn movia-se com fluidez entre socos curtos e chutes baixos, firmes e controlados. Os músculos esculpidos se moviam sob a pele marcada pelo sol, e os cabelos negros caíam soltos, levemente bagunçados. Ele parecia concentrado em algo invisível, respirando profundamente, como se estivesse em sintonia com algo que não vinha da Arkheia — mas de um tempo enterrado em sua alma.
Eluinya parou, sorrindo com a mão na cintura. Seu olhar se encheu de carinho e curiosidade.
— E lá está o meu guerreiro selvagem, dançando com o vento de novo — disse ela, com o tom provocativo de quem já sabia que ele iria corar.
Ryn interrompeu o movimento no meio de um giro, e se virou para ela, surpreso. O rubor veio imediato, visível mesmo por entre a barba escura.
— Eu não estava dançando — murmurou, limpando o suor da testa com o antebraço.
— Jura? Porque, visto daqui, parecia muito mais uma dança do que um treinamento de combate — ela comentou, subindo os degraus da varanda. — Mas eu entendo, você só queria me impressionar.
Ele desviou os olhos, coçando a nuca.
— Eu só... estava praticando.
— E o que exatamente você estava praticando? — Ela encostou-se ao batente da porta com os braços cruzados, o sorriso brincando nos lábios.
— Um estilo de luta... antigo. Vem de um tempo que você provavelmente acharia estranho.
— Hm... tempo estranho? Mais estranho do que um homem que faz o solo tremer com um espirro tentando agir como se fosse só um lenhador com torcicolo? — Ela deu um passo à frente, agora próxima o bastante para sentir o calor do corpo dele.
Ryn suspirou, derrotado pelo jeito dela. Sempre era assim. Eluinya tinha esse dom de desmontar até a parede de gelo que o tempo construiu ao redor dele.
— Você quer... aprender?
— Quero. Desde que envolva você me guiando com essas mãos grandes — disse ela, deslizando os dedos pelos braços dele, provocando um calafrio e mais um leve tom rosado em suas bochechas.
— Eluinya...
— Vamos logo, mestre de dança secreta. Me ensina antes que eu ache que é só uma desculpa pra ficar sem camisa.
Ele engasgou, virou-se e foi nobamente em direção ao gramado ao lado da varanda.
Ryn se afastou um pouco, tentando manter a compostura. Assumiu uma postura firme e indicou onde ela deveria se posicionar. As instruções começaram sérias: pés firmes, joelhos levemente flexionados, peso centralizado. Mas Eluinya se desequilibrava de propósito, às vezes exagerando na postura só para vê-lo corrigir seu quadril com as mãos, totalmente sem jeito.
— Assim? — Ela perguntava, sorrindo de canto, os olhos brilhando de diversão.
— Não... seu pé tá muito — ele engoliu seco — se abaixando em frente a esposa e virado seu pé pra fora.
Ele se abaixou para ajustar o ângulo do pé dela e, ao se levantar, ela girou por impulso erradamente, e exageradamente tropeçando no movimento.
E então — ploft — ambos foram ao chão.
Eluinya caiu de costas sobre a grama fofa, soltando um pequeno riso entre dentes. Ryn, por reflexo, tentou amortecer a queda e terminou por cima, apoiando-se com os braços ao redor dela, a respiração entrecortada.
Ela piscou duas vezes, depois sorriu, maliciosa.
— Ué... e isso agora é parte da aula também?
— Eu tentei segurar — disse ele, quase sussurrando, claramente tentando não reparar no fato de que estavam corpo a corpo.
— Você realmente ainda fica nervoso? — Ela ergueu uma sobrancelha, divertida, enquanto a ponta dos dedos deslizava pela barba desalinhada dele e sentia o calor de sua respiração e do seu corpo sem camisa pressionand-a. — Depois de tudo, ainda fica vermelho?
— Não estou... vermelho.
— Ah, não? — Ela olhou para baixo por um instante e então, com o rosto levemente corado, murmurou com um sorriso travesso:
— Então por que tem... algo duro me cutucando?
Ryn arregalou os olhos como se um trovão tivesse caído bem atrás dele.
— I-Iss... Eluinya... é só... reação normal... do corpo! — Ele tentou se afastar rapidamente, atrapalhando-se com o próprio peso, o que só fez ela rir ainda mais.
— Você é impossível! — disse ele, já de costas, com o rosto coberto pelas mãos.
Ela sentou-se e o puxou pelo braço ao lado dela, ambos deitados na grama.
— E você ainda acha que não é fofo... — Ela encostou a testa na dele, os olhos fixos nos seus. — Eu te amo assim. Mesmo que você raramente diga de volta com palavras, eu sei. Seus olhos gritam isso cada vez que me olha desse jeito.
Ele segurou o rosto dela com a mão, deslizando o polegar pelas maçãs coradas de seu rosto com ternura e disse em um sussurro como q voz de um mosquito.
— Você... é a única coisa que faz esse mundo valer a pena — murmurou. E foi tudo o que conseguiu dizer.
Eluinya sorriu, aninhando-se novamente ao lado dele.
— Bom, se você cair por cima de mim de novo desse jeito, vou começar a achar que a dança era só um pretexto pra me deixar no chão — brincou, aconchegando-se no peito dele.
Ali ficaram, apenas ouvindo o som da floresta, os corações batendo em silêncio, até que a luz do céu começou a mudar, tingindo o mundo com tons suaves de laranja e dourado.
A tempestade ainda não havia começado, mas a calmaria... era doce demais para durar.
...
—Essa grama vai te dar coceira...
---
A noite havia se espalhado como um véu espesso sobre a orla externa da parte intermediária da floresta de Mavernia. As estrelas pareciam distantes, ofuscadas pela densidade do Arkheia naquele lugar — quieto, pesado, carregado de algo não dito.
O acampamento estava silencioso. Apenas os estalos da fogueira, o farfalhar das folhas e os suspiros contidos dos Expedicionários do Conclave rompendo o escuro. Alguns se recuperavam de ferimentos leves, outros limpavam armas, e poucos, de olhos abertos, observavam a linha escura das árvores, como se esperassem que algo surgisse dali.
Kalleorn afastou a lona da tenda de Elyra, entrando sem anunciar. Ela estava cercada de pergaminhos e instrumentos de leitura. Fragmentos de focos rúnicos levitavam ao seu redor, projetando padrões complexos de fluxo de Arkheia no ar, como constelações vivas.
Ela ergueu os olhos, os cabelos azuis presos em um coque improvisado, fios soltos colando à pele pela umidade da noite.
— Você está me observando há um tempo, não está? — ela disse, sem desviar o olhar das projeções. — Está escondendo alguma coisa, Kalleorn.
Ele cruzou os braços, permaneceu de pé, mas o olhar vacilou.
— O que exatamente você quer saber?
— O verdadeiro motivo de estarmos aqui.
Um silêncio pesado caiu entre os dois. O som da floresta parecia mais distante, abafado pela tensão.
Kalleorn suspirou, afastando alguns papéis do chão e se sentando com cautela.
— Anos atrás, um dos observadores do Conclave interceptou um fragmento de energia instável no sul. Achamos que fosse mais uma anomalia provocada pelas falhas na rede do Véu... até que rastreamos a origem: Vir’Almora.
Os olhos de Elyra se estreitaram.
— Aquela cidade... sumiu do mapa. Literalmente.
— Foi como se tivesse se desintegrado. A população, os prédios, até o leito do rio... tudo virou poeira.
Ele retirou um pedaço de tecido envolto com cuidado, desdobrando-o para mostrar um pergaminho antigo. Estava queimado nas bordas, mas ainda legível. Marcas arcanas complexas giravam lentamente em torno de um selo antigo.
— Isso foi encontrado nos arredores. Não há certeza absoluta, mas um dos estudiosos acredita que isso... pode ser um registro de uma teoria de fusão de uma Relíquia de Essência com um hospedeiro.
Elyra o encarou em silêncio.
— Isso é impossível, Kalleorn. As Relíquias são seladas. São... artefatos de pura Arkheia condensada. Nenhum corpo sobreviveria.
— Talvez não. Mas... e se fosse mais que uma teoria? E se o motivo pra aquela cidade desaparecer nao fosse tao simples como pensamos? E se qual seria o resultado se uma fusão funcionasse e o hospedeiro da relíquia tivesse sobrevivido?...
Ela baixou os olhos para os pergaminhos em volta, onde os padrões de Arkheia giravam erráticos, como se buscassem algo que não conseguiam encontrar.
— Essa instabilidade... — sussurrou. — A floresta não está resistindo a nós. Está... se protegendo. Ou escondendo algo.
Kalleorn assentiu.
— A missão oficial era entender a anomalia da Arkheia. Mas... minha ordem direta do Imperador é localizar qualquer vestígio que aponte para uma possível Relíquia fundida. E... se essa fusão for real, e o hospedeiro estiver vivo. É em algum lugar aqui dentro, isso explicaria os pulsos instáveis no véu.
Elyra levou a mão à têmpora. Por um momento como se tivesse sido atingida por um raio, uma imagem fugaz brilhou atrás de seus olhos: o som de água corrente, uma mulher caída na relva úmida, cabelos escuros como a noite... olhos fechados, o peito arfando, sangue nos lábios.
A imagem desapareceu num piscar. Ela não entendeu o que viu — nem se viu de fato algo.
...respirando fundo.
— Há alguém aqui dentro, não é? — murmurou, quase para si mesma. — Alguém... que o próprio Arkheia teme.
Disse ela sem saber que estava certa e errada ao mesmo tempo.
Fora da tenda, Kaven olhava em direção à floresta, com as mãos repousando sobre o cabo de sua lâmina. Seus olhos estavam semicerrados.
— Senti de novo — disse para si mesmo, num tom que se perdia no vento. — Essa presença… como se o tempo congelasse por um instante. Como se estivéssemos sendo vigiados.
Do alto de uma árvore gigantesca, no profundo da mata, um vulto encapuzado observava o acampamento. A respiração era silenciosa. O corpo imóvel, como parte da madeira. Os olhos — completamente esbranquiçados — não viam no sentido convencional. Eles sentiam... e pulsavam em sincronia com as forças da Arkheia.
Ele sabia.
A relíquia havia se fundido.
Um selo havia sido aplicado.
E parte da verdade... estava dormente na mente de uma mulher de cabelos longos e pele pálida.
Aquela que ele perseguiu por metade de um continente.
Agora, tudo que restava era esperar que ela deixasse o abrigo da floresta que a protegia.
O véu da noite soprou mais forte, e os olhos brancos desapareceram na sombra.
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Atualizado até capítulo 22
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