Capítulo 4 – Ela vai me destruir e nem sabe disso
Gabriel Vasconcellos
Ela não entende.
Alícia Montenegro anda por essa casa como se não tivesse noção do que é capaz de provocar. Como se os sorrisos soltos, os olhares longos, as mordidas de canto de boca enquanto lê fossem apenas hábitos.
Mas não são.
São torturas.
A diferença de idade entre nós já é uma linha tênue, esticada, prestes a arrebentar. Mas o problema real é outro:
Ela me vê.
Não como policial. Não como um homem ferido.
Ela me vê como um homem.
E isso é perigoso.
Porque eu tenho vontades.
Desejos que deixei guardados em caixas seladas há anos.
E ela está abrindo cada uma — sem nem perceber.
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A manhã começou tranquila. Fiz a ronda externa, revisei as câmeras e troquei mensagens com o César, meu parceiro da central. O maldito Murilo tinha aparecido mais uma vez do lado de fora da casa, como quem esbarra “sem querer”.
Coincidência? Eu não acreditava nisso.
— Ele anda por perto demais — murmurei, olhando a câmera da frente. — Tá marcando território. Isso não é boa coisa.
Entrei e encontrei Alícia na cozinha, usando um shorts que mais parecia uma provocação descarada. E, claro, com uma blusa caída no ombro. O mesmo ombro que vi outro dia e que não sai mais da minha cabeça.
Ela pegou um iogurte e abriu como se o mundo fosse leve.
— Bom dia, general.
Revirei os olhos.
— Vai se vestir direito, Montenegro.
— Ah, pronto. Agora você cuida do que eu visto também?
— Isso aqui não é desfile de moda. E tem câmera por todo canto.
Ela se aproximou. Deu um gole no iogurte. E sorriu.
— Tá preocupado com quem vai ver... ou com quem já viu?
Ela estava brincando com fogo. De novo.
Respirei fundo.
— Você não faz ideia do que está fazendo, garota.
— Faço sim — disse, se inclinando sobre a mesa, tão perto que pude sentir o perfume doce dela invadir meu espaço. — E acho que você também sabe.
Engoli em seco. Minha mão formou um punho contra a perna. O controle estava escorrendo por entre os dedos.
Ela era só uma menina.
Mas meu corpo não enxergava assim.
Ele via uma mulher. Uma tentação. Um aviso de perigo.
E Deus... como eu queria ceder.
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Mais tarde, ela desapareceu da sala. Quando fui procurar, encontrei a porta do quarto entreaberta. A luz acesa. Ela estava deitada na cama, com fones nos ouvidos, os olhos fechados.
E... sem o cobertor.
O short ainda estava lá. A blusa também. Mas tudo parecia pequeno demais. Inocente demais.
Fiquei ali, parado, olhando por alguns segundos que pareceram horas.
Até que ela abriu os olhos. Me viu. Sorriu.
E tirou os fones.
— Vai ficar me olhando ou vai entrar?
— Só vim ver se estava bem.
— Tô ótima.
Ela se sentou, cruzando as pernas. Os cabelos estavam bagunçados, o rosto limpo, os olhos brilhando.
E foi aí que me perdi.
Dei dois passos. Dois malditos passos.
Ela não recuou. Não sorriu. Não provocou.
Apenas esperou.
A tensão era absurda. O silêncio do quarto pulsava, como se o mundo inteiro parasse, esperando por aquele momento.
Minha mão subiu. Lentamente. Como se tivesse vontade própria. E parou perto do rosto dela. Perto demais.
Ela fechou os olhos.
E eu...
Eu quase toquei.
Quase.
Mas recuei.
Dei um passo atrás, como se o chão tivesse rachado sob meus pés.
— Isso não pode acontecer — sussurrei, rouco.
Ela abriu os olhos devagar, frustrada. Mas não surpresa.
— Por quê?
— Porque você merece alguém inteiro. E eu... eu sou só pedaços.
Ela mordeu o lábio.
— E se eu quiser colar os pedaços?
Eu queria responder. Gritar que sim. Que ela já estava colando sem nem saber.
Mas eu sou Gabriel Vasconcellos.
E Gabriel Vasconcellos não se permite quebrar regras.
Nem por ela.
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No final do dia, levei uma cadeira pro quintal e fiquei observando o céu escurecer. A segurança estava reforçada, mas algo me dizia que os perigos à espreita não estavam apenas do lado de fora.
Eles estavam aqui dentro.
No peito.
Na respiração contida.
Na pele que clama pelo toque.
Ela sentou ao meu lado em silêncio.
— O escuro ainda me assusta — disse, baixinho.
— E eu ainda não aprendi a me perdoar — respondi, sem pensar.
Ela encostou a cabeça no meu ombro.
E eu deixei.
A guerra dentro de mim ficou mais silenciosa por alguns minutos.
Porque mesmo sabendo que isso não pode acontecer...
Eu quero que aconteça.
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Atualizado até capítulo 53
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