Capítulo 3

Capítulo 3 – Eu não devia sentir isso, mas sinto

Alícia Montenegro

Eu cresci acreditando que sentimentos vêm com manual de instruções. Que quando a gente sente medo, é porque tem um motivo. Que quando a gente gosta de alguém, é porque ele te faz bem. Que o desejo aparece quando você está pronta.

Mentira.

Porque nada do que eu estou sentindo agora tem lógica.

E Gabriel Vasconcellos definitivamente não me faz bem. Ele me provoca, me silencia, me olha como se me julgasse o tempo todo. E ainda assim, quando ele está por perto, meu coração perde a linha. Meu corpo fica estranho. E meu estômago... meu estômago vira um campo de guerra.

Eu não deveria me sentir assim.

Mas estou sentindo.

---

Fazem dois dias que ele chegou e já conseguiu bagunçar tudo. O clima da casa. A minha rotina. E principalmente, minha cabeça.

Gabriel se comporta como se fosse um robô programado pra proteger e não se envolver. Ele acorda cedo, revisa o perímetro da casa, faz anotações, monta planos, troca mensagens com outros policiais e... me evita.

Ou pelo menos, tenta.

Mas o jeito como ele me olha quando acha que não estou vendo... não é só profissional. Não pode ser.

Hoje ele me pegou sentada na varanda, lendo, com os pés apoiados na cadeira. Eu estava distraída. Deixei a blusa escorregar um pouco do ombro por causa do calor. O olhar dele parou ali. Foi rápido. Quase imperceptível. Mas eu vi.

E eu senti.

Senti o meu corpo inteiro reagir como se tivesse sido tocado. Meus lábios secaram. Minha pele arrepiou. E a pior parte?

Eu gostei.

---

— Tem certeza que quer continuar lendo aqui fora? — ele perguntou, com aquele tom sério de sempre.

Levantei o olhar.

— Tem algum atirador escondido atrás da mangueira ou é só drama?

Ele arqueou a sobrancelha.

— Tem mais riscos do que você imagina.

— Você leva tudo tão a sério, Gabriel.

— E você não leva nada. Esse é o problema.

Suspirei, fechei o livro e cruzei as pernas de um jeito provocativo. Ele fingiu que não viu, mas eu sei que viu.

— Por que você sempre acha que sabe tudo sobre mim?

— Eu não acho. Eu observo.

— E o que você observou hoje?

Ele hesitou. Depois desviou o olhar e respondeu seco:

— Que você tem mania de provocar sem saber com o que está mexendo.

O ar pareceu pesar entre nós. Eu me inclinei um pouco pra frente, apenas para testar. Só pra ver até onde ele aguentava.

— E se eu souber? — perguntei, minha voz mais baixa do que o normal.

Ele se aproximou devagar. Ficou na minha frente, com a sombra do corpo cobrindo o sol. Os olhos dele queimavam. Não com raiva. Mas com algo... contido. Perigoso.

— Não sabe, Montenegro. Você tem 18 anos. Eu tenho 32. Somos dois mundos diferentes. E você tá brincando com fogo.

— Talvez eu queira me queimar.

Ele ficou em silêncio por longos segundos. Meu coração batia alto no peito. Quase pedi desculpas, quase voltei atrás... até que ele soltou um sussurro rouco:

— Então reza pra eu continuar tentando me controlar.

E saiu.

Me deixando ali.

Quebrada.

Tonta.

Morrendo de vontade de ser tocada.

---

À noite, depois de jantar com minha avó — que já havia percebido que eu estava mais aérea do que o normal — fui para o quarto. Mas o sono não veio. O escuro parecia mais denso. O silêncio mais alto. E meu corpo... mais sensível.

Eu sabia que não podia fazer nada. Que era errado. Que ele estava aqui pra me proteger. Que ele era um homem ferido, fechado e complicado.

Mas de alguma forma, eu sentia que ele era meu.

Mesmo sem me tocar.

Levantei e fui até a cozinha buscar água. Ele estava lá. De costas. Camiseta preta, colada no corpo. Ombros largos, mãos grandes apoiadas na pia.

— Não consegue dormir? — perguntou sem me olhar.

— E você?

— Eu nunca durmo direito.

Silêncio.

— Gabriel?

— Hm?

— A cicatriz... ela ainda dói?

Ele virou. Seus olhos estavam diferentes. Menos frios. Mais... cansados.

— Não dói fisicamente. Mas toda vez que alguém olha, eu lembro do que perdi.

— Você perdeu alguém lá, né?

Ele assentiu.

— Era meu parceiro. Amigo desde a academia. Tava ao meu lado quando a bomba caiu. Eu sobrevivi. Ele não.

Engoli em seco.

— E você se culpa?

— Todos os dias.

Me aproximei, sem pensar. Só fui. Meus pés se moveram por conta própria. Quando percebi, estava perto demais.

Ergui a mão e encostei no peito dele. O coração batia forte, mas constante. Firme. Quente.

— Você não devia se culpar por ter vivido — sussurrei. — Se alguém tem sorte por você estar aqui... sou eu.

Ele segurou minha mão. Com força. E depois... soltou.

— Vai dormir, Alícia.

Meu nome saiu da boca dele com um peso que quase me fez cair.

---

Naquela noite, sonhei com ele.

Com suas mãos. Com seus olhos.

Com a cicatriz.

Com o toque que ainda não aconteceu, mas que eu sei que vai acontecer.

E o pior de tudo?

Eu não quero fugir.

Quero me perder ali.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!